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Procº n.º 1139/98 Plenário Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – O PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA representado pelo seu Secretário-Geral, veio interpor recurso do acto da COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES
(CNE) que determinou a publicação do mapa oficial nº 4/98 (in 'Diário da República', Iª Série A, nº 294, de 22 de Dezembro de 1998) respeitante ao resultado do Referendo Nacional de 8 de Novembro de 1998.
Fundamenta o recurso alegando: 'Pela análise sumária do mesmo [mapa] se constata de imediato uma metodologia de apuramento que não é conforme com a que foi anteriormente definida pela Assembleia de Apuramento Geral (AAG), o que deturpa os resultados e põe em causa a competência daquela Assembleia'.
2.- O recurso foi remetido a este Tribunal através de ofício da Comissão Nacional de Eleições datado de 28 de Dezembro de 1998 e acompanhado de certidão da acta da Assembleia de Apuramento Geral e dos mapas a ela anexos.
O original do requerimento de interposição do recurso foi registado na C.N.E. com data de 28 de Dezembro de 1998, tendo o processo sido registado e distribuído neste Tribunal nessa mesma data.
Em 31 de Dezembro o relator proferiu um despacho a mandar notificar o recorrente para, em dois dias dizer o que se lhe oferecer relativamente à desconformidade entre o teor do requerimento de recurso e a data constante no seu registo de entrada.
Em 4 de Janeiro de 1999, o Partido Social Democrata veio informar o seguinte:
'1.Em virtude de termos constatado, no dia 23 de Dezembro, que os serviços da Comissão Nacional de Eleições estavam encerrados, remetemos por telefax nessa data o requerimento do recurso em causa (comprovativo anexo).
2.No dia 28, primeiro dia útil subsequente, o original foi entregue em mão na Comissão Nacional de Eleições.'
Com este requerimento o recorrente juntou uma fotocópia do telefax referido no texto, de cujo «relatório de transmissão» consta que o mesmo, dirigido à C.N.E., foi enviado pelas 14,34 horas do dia 23 de Dezembro de
1998.
3. – Analisados os autos, são os seguintes os factos que se consideram relevantes para a decisão: a. A Comissão Nacional de Eleições elaborou e fez publicar no Diário da República, Iª Série A, , nº 294, de 22 de Dezembro de 1998, o mapa oficial n.º
4/98, contendo o resultado do Referendo Nacional de 8 de Novembro de 1998; b. O Partido Social Democrata interpôs em 23 de Dezembro de 1998 recurso contra a publicação do referido mapa, através de telefax enviado à Comissão Nacional de Eleições pelas 14 horas e 33 minutos desse dia (documentos de fls.
29 a 31, dos autos); c. A Comissão Nacional de Eleições, por ofício de 28 de Dezembro de 1998, remeteu a este Tribunal certidão do requerimento de interposição do recurso, registado com a mesma data, juntamente com certidão da Acta da Assembleia de Apuramento Geral do Referendo de 8 de Novembro de 1998. Cumpre apreciar e decidir. A - Pressupostos:
4.1. O partido político recorrente dispõe de legitimidade: assim decorre do princípio que se retira do artigo 173º da Lei nº
15-A/98, de 3 de Abril, e de ser um facto notório que tal partido interveio na campanha para o referendo.
4.2. O recurso foi tempestivamente interposto: de facto, o mapa com o resultado geral do referendo, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, foi publicado na I Série-A do Diário da República de 22 de Dezembro transacto, e o requerimento de recurso deu entrada, por telecópia, nessa Comissão no dia 23 imediato – conforme exigiam os nºs 1 e 2 do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional.
É certo que do carimbo de registo de entrada do mesmo requerimento consta a data de 28 de Dezembro; simplesmente, notificado para explicar a discrepância assim verificada entre esse registo e o teor (incluindo a data dele constante) do requerimento, veio o recorrente exibir registo da telecópia através da qual o mesmo começou por ser remetido, por onde se comprova a sua apresentação, por essa via, no mencionado dia 23: ora, isto é quanto basta para assegurar a sua tempestividade, atento o princípio do nº 3 do artigo 150º do Cód. Proc. Civil e o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro.
4.3. O acto em causa da Comissão Nacional de Eleições é recorrível contenciosamente.
É certo que o mapa dos resultados do referendo, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, não é 'constitutivo' ou
'definitório' de qualquer situação jurídica, pois que há-de ser apenas
'declarativo' daqueles resultados, tal como apurados pela Assembleia de Apuramento Geral, e isso, em ordem à respectiva publicação oficial no Diário da República. Configura-se assim, em rigor, como um 'acto de execução', relativamente ao acto de apuramento, praticado por aquela assembleia, que é, esse sim, o acto que estabelece e define os resultados do referendo (em suma, o acto definitivo, na terminologia tradicional). Ora – como se sabe – os puros actos administrativos de execução não são, em princípio, susceptíveis de impugnação contenciosa.
Simplesmente – e como a doutrina adverte – 'quando, porém, um acto administrativo de execução contrarie ou exceda o conteúdo do acto definitivo, então perde o carácter de execução na medida em que seja inovador
(isto é, na medida da contradição ou do excesso), e passa a ser considerado definitivo nessa parte' [MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed. (revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL), Tomo I, p. 447]. E, logo, contenciosamente impugnável (cfr. A. e ob. cit., 8ª ed., Tomo II, p. 1222)
(neste sentido, expressamente, o artigo 151,n.º3, do Código de Procedimento Administrativo).
Daí que, vindo o mapa de resultados do referendo, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, impugnado justamente com fundamento na sua desconformidade com o acto (o acto de apuramento da Assembleia de Apuramento Geral) que lhe cumpria simplesmente executar, não possa deixar de ser admitido e conhecido, justamente nessa medida, o recurso contencioso dele interposto.
Passando ao conhecimento do objecto do recurso
B) - Quanto ao mérito:
5.1 A propósito da recorribilidade contenciosa do acto em apreço, já acabou de adiantar-se que o mapa dos resultados de um referendo nacional, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, há-de traduzir exactamente o correspondente apuramento, tal como estabelecido pela assembleia de apuramento geral: não pode conter, nem mais, nem menos, do que foi apurado (e logo publicado por edital) por essa assembleia, e por esta transmitido àquela Comissão. É isso o que insofismavelmente decorre do disposto nos artigos 163º,
167º e 169º da já citada Lei nº 15-A/98.
È certo que o artigo 170º dessa Lei indica os elementos que devem constar do mapa oficial dos resultados a publicar pela Comissão Nacional de Eleições. Mas, em boa verdade, esses dados não são senão os correspondentes àqueles que são indicados no artigo 155º da mesma Lei, aplicáveis ao apuramento geral por força do artigo 168º e que à Assembleia Geral de Apuramento cabe apurar.
Ora, a interpretação que a esse respeito a Assembleia de Apuramento Geral fizer, há-de ser observada pela Comissão Nacional de Eleições.
Assim, se o mapa em causa ficar aquém ou for além do apuramento feito pela assembleia, ou, por qualquer outro modo, o 'desfigurar', incorrerá ele (ou a deliberação da Comissão Nacional de Eleições que o aprovou) em ilegalidade, na modalidade do vício de 'violação de lei'.
E isso - importa sublinhá-lo desde já – independentemente da própria legalidade do apuramento feito pela correspondente assembleia, e das deliberações que esta última haja tomado, a respeito e em ordem ao mesmo apuramento. É que das operações de apuramento cabe recurso contencioso (desde que objecto de prévia reclamação ou protesto), nos termos dos artigos 172º e seguintes ainda da Lei nº 15-A/98 – pelo que, não tendo sido ele interposto, as deliberações da assembleia e o apuramento por esta feito adquirem a força de 'caso resolvido', que não pode já ser questionado.
Quer isto dizer que, não tendo sido contenciosamente impugnado, na altura própria, o resultado do apuramento geral do referendo de 8 de Novembro do ano findo, estabelecido pela respectiva assembleia, não pode este Tribunal, neste momento, reapreciá-lo, e há-de aceitá-lo, sem mais; e que, vindo impugnada, no presente recurso, a desconformidade do mapa elaborado pela Comissão Nacional de Eleições com o resultado desse apuramento, é tão-só isso (a ocorrência dessa alegada desconformidade) que este Tribunal tem de averiguar, para, sendo o caso, decretar a ilegalidade do mesmo mapa, com as inerentes consequências.
5.2 Pois bem: compulsada a acta da assembleia de apuramento geral dos resultados do referendo de 8 de Novembro passado, verifica-se que, em ordem a tal apuramento, a mesma assembleia começou por deliberar, inter alia, o seguinte: – que os votos integralmente em branco não constariam separadamente de qualquer dos mapas – ou seja, não se procederia ao seu apuramento em separado – sendo antes esses votos simplesmente adicionados aos votos em branco de cada uma das perguntas do referendo; – e que, relativamente às respostas de 'sim' e de 'não', dadas a cada uma das mesmas perguntas, se apurariam a respectivas percentagens, tanto relativamente ao número de votantes, como relativamente ao número de votos validamente expressos. Por outro lado, compulsando ainda a referida acta, mais se verifica que a assembleia estabeleceu os resultados finais do referendo justamente em conformidade com estas deliberações, e na mesma conformidade elaborou os mapas
àquela anexos, demonstrativos (e sintetizadores) do seu apuramento.
Entretanto, examinando, por sua vez, o mapa impugnado, feito publicar no Diário da República pela Comissão Nacional de Eleições, pode ver-se, em primeiro lugar, que o mesmo vem acompanhado da seguinte 'Nota: O presente mapa não inclui a indicação dos números e percentagens de respostas em branco relativamente a cada pergunta, como prescreve a alínea e) do artigo 170º da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril, porquanto tais dados não foram disponibilizados pela assembleia de apuramento geral, que os englobou nos votos em branco a que se refere a alínea c) do mesmo diploma.'
Decerto que não pode negar-se à Comissão Nacional de Eleições a faculdade de juntar aos mapas de resultados eleitorais ou de referendos, que lhe cumpre elaborar e fazer publicar, 'notas', como a transcrita, destinadas a justificar a ausência da inclusão, nos mesmos mapas, de dados que, prima facie, eles deveriam conter, mas não foram remetidos pelo órgão competente para o seu apuramento.
Só que, no caso em apreço, e pelo que toca à nota transcrita, não pode logo deixar de observar-se que nela – certamente por lapso
– se reporta, afinal, um procedimento da Assembleia de Apuramento Geral exactamente contrário ao por esta adoptado, pelo que, em consequência, tal nota acaba mesmo por não estar em correspondência com o mapa a que vem aposta, e com os dados deste constantes. De facto, o que a assembleia de apuramento geral não determinou – em consonância com a primeira das suas deliberações acima referidas
– foi o 'número total de votos em branco' (relativamente às duas perguntas sujeitas a referendo) e a respectiva percentagem relativamente ao número total de votantes, número e percentagem esses que serão os contemplados na alínea c) do nº1 do artigo 170º da Lei nº 15-A/98; mas já precisamente determinou o número de votos em branco em relação a cada pergunta, e a respectiva percentagem relativamente ao número total de votantes, a que se refere a alínea e) do dito nº1 do preceito legal acabado de citar – nesses dois números (e nas consequentes percentagens) tendo, sim, englobado, de cada vez, o número de votos totalmente em branco. Por isso, é este último número – que poderá reportar-se à alínea c) do nº 1 do artigo 170º – e não o previsto na alínea e) desse número que, diversamente do que se afirma na nota em apreço, teria de faltar, e falta, no mapa publicado pela Comissão Nacional de Eleições.
Não será este, porém, o mais visível e principal ponto de discrepância entre o apuramento geral do referendo de 8 de Novembro passado, tal como feito pela respectiva assembleia e consta da acta desta, e o mapa impugnado.
Com efeito, e examinando este mapa, vê-se, em segundo lugar, que do mesmo não constam, em relação a qualquer das perguntas que o mesmo abrangia – tanto a pergunta de 'alcance nacional', como a pergunta de 'alcance regional' – as percentagens de votos 'sim' e de votos 'não', apuradas com relação ao número de votantes: no mapa apenas figuram as percentagens desses votos relativamente ao número de votos validamente expressos. Ora – como atrás se deixou referido – a assembleia de apuramento geral deliberou que havia que determinar também aquela primeira percentagem, e, na sequência dessa deliberação, incluiu-a no apuramento.
Não figurando essa percentagem no mapa elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, eis quanto basta para concluir que esse mapa não está evidentemente em conformidade com o apuramento feito pelo órgão competente para este último – e que devia limitar-se a 'traduzir' ou 'executar' – pelo que incorre, também sem margem para qualquer dúvida, no vício de violação de lei. C) - DECISÃO:
6. - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide anular o acto da Comissão Nacional de Eleições expresso no Mapa Oficial nº 4/98, contendo o resultado do Referendo Nacional de 8 de Novembro de 1998, que foi publicado no Diário da República, I Série A, nº 294, de 22 de Dezembro de 1998, determinando que se proceda à elaboração do mapa em conformidade com os resultados apurados pela Assembleia de Apuramento Geral, constantes da respectiva acta, e à sua subsequente publicação. Lisboa, 6 de Janeiro de 1999 Vítor Manuel Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa