Imprimir acórdão
Proc. n.º83/99
1ª Secção Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – A... veio reclamar do despacho do Relator no Supremo Tribunal Administrativo que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade que pretendia interpor contra o Acórdão de 25 de Novembro de
1998, para apreciação da conformidade à Constituição dos artigos 27º a 32º e 82º do RDM.
O despacho do relator entendeu que 'o acórdão recorrido não fez aplicação das normas do RDM em causa, limitando-se a referir que não havia que conhecer da referida inconstitucionalidade, na medida em que a pena final aplicada ao arguido não foi prisão disciplinar mas a de separação do serviço (v. fls. 109,v e 110)'.
2. - O Ministério Público teve vista dos autos e aí exarou o seguinte parecer:
'A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que toda a linha argumentativa expendida pelo reclamante assenta numa evidente confusão acerca da natureza da pena disciplinar que lhe foi efectivamente aplicada – a de separação de serviço sendo óbvio e inquestionável que a decisão do MAI que lhe aplicou essa sanção disciplinar consumiu naturalmente a sanção privativa da liberdade que inicialmente lhe havia sido aplicada nos autos de procedimento disciplinar. Ora, sendo naturalmente este – o despacho do MAI – o acto a que se reporta o recurso contencioso – interposto perante o STA, é evidente que está fora do
âmbito de tal recurso a apreciação de questões ligadas ou decorrentes da aplicação de penas disciplinares privativas de liberdade, já que o acto que as cominou ao reclamante deixou naturalmente de subsistir a partir do momento em que foi, por decisão ministerial, aplicada ao recorrente pena de natureza expulsiva. Nestas circunstâncias, é evidente que o acórdão recorrido não aplicou as normas do RDM questionadas na dimensão inconstitucional que lhes havia sido imputada pelo recorrente, estritamente conexionada à previsão de penas disciplinares privativas da liberdade e aos trâmites que condicionam a aplicação destas (mas não já obviamente de quaisquer outras sanções disciplinares, que não envolvam privação da liberdade do arguido). Não tendo, pois – atenta a natureza da sanção disciplinar cominada ao ora reclamante no acto recorrido – sido aplicadas pelo STA as normas do RDM questionadas, na dimensão inconstitucional que lhes atribuiu o recorrente, é evidente que falta um essencial pressuposto do recurso de fiscalização concreta interposto.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
3. – Na sequência de um processo disciplinar movido contra A..., veio a ser-lhe aplicada, por despacho do Ministro da Administração Interna, a pena de separação de serviço.
É deste despacho que foi interposto recurso para o STA e ao qual o acórdão de 25 de Novembro de 1998 negou provimento. O teor do despacho recorrido é o seguinte: 'Com fundamento na proposta do Sr. C.G. e nos termos dos pareceres n.ºs 282-T-92 e 115-T/93 da AJ aplico ao Sargento-Ajudante A... a pena de separação de serviço'.
Nas alegações de recurso, o recorrente alegou que 'sendo um mero agente militarizado e não um militar, não lhe podia ser aplicado o acto punitivo, como foi, com a condenação em pena privativa de liberdade ou equivalente, sendo tal acto nulo, já que se apoia em normas materialmente inconstitucionais (art.ºs 27º a 32º do RDM), por violação do art.º 27º, n.º3, al. C), da CRP.'
Esta alegação do ora reclamante foi considerada improcedente uma vez que a pena aplicada ao recorrente não foi uma pena privativa de liberdade, pelo que não se coloca a questão que seria 'a da aplicação aos elementos da Guarda Fiscal, que não pertencem às Forças Armadas, do regime excepcional previsto na alínea c) do n.º3 do artigo 27º da CRP, que possibilita a prisão por mera medida administrativa disciplinar imposta a militares'.
No que se refere ao artigo 82º, do RDM, cuja constitucionalidade também era questionada no recurso interposto pelo ora reclamante, a alegação do recorrente, tal como consta do teor da decisão recorrida foi a de que 'foi ouvido sem a presença do seu defensor e sem as garantias, em violação ao imperativo constitucional consagrado no artigo 32º, n.º3, da CR, por aplicação de preceito (artº 82º do RDM) cuja constitucionalidade foi já decretada, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional e também por errada aplicação do artº 90º, n.º1, do RDM.'
A decisão recorrida depois de demonstrar que, em processo disciplinar, a Constituição apenas consagra o direito de audiência e de defesa do arguido (artigo 269º, n.º3 da CRP), o que não implica necessariamente que o interrogatório do arguido tenha de ser prestado com assistência de advogado ou defensor, refere-se que, no caso dos autos, o direito de defesa foi garantido pois o arguido foi notificado da nota de culpa e defendeu-se através de advogado constituído. Quanto ao direito de audiência, escreveu-se na decisão recorrida: '(...) o facto de o arguido não ter sido ouvido no processo de averiguações, que precedeu o processo disciplinar, sem a assistência de advogado ou defensor oficioso, também não viola o direito de audiência. Também não tem razão de ser a invocação da inconstitucionalidade do artº 82º do RDM, declarada pelo ac. do Tribunal Constitucional n.º 90/88, que dizia respeito à assistência por advogado nos processos em que fossem aplicadas penas privativas de liberdade, que não é o caso'.
Segundo o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o recorrente pretendia ver apreciada a conformidade à Lei Fundamental das normas dos artigos 27º a 32º e 82º do RDM por violação dos artigos 27º, n.ºs 1,2 e 3, 32º, n.º3 e 30º, n.º4 da Constituição, ou seja, enquanto se reportam à aplicação de penas privativas de liberdade ou a garantias de defesa do processo criminal.
Ora, como salienta o Digno Procurador-geral adjunto nas sua alegações, no caso em apreço e na decisão recorrida, a sanção disciplinar aplicada foi a de separação de serviço, prevista no n.º 9 do artigo 34º do RDM.
É assim manifesto que as normas em causa não foram aplicadas na decisão recorrida, não o tendo sido sequer com o sentido inconstitucional que o ora reclamante lhe atribui e que estava directamente ligado à aplicação de uma pena privativa de liberdade. As normas questionadas não foram efectivamente o fundamento normativo da decisão recorrida.
Assim sendo, não se verifica um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que a presente reclamação não pode proceder.
4. – Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC’s.
Lisboa, 7 de Abril de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida