Imprimir acórdão
Proc. nº 374/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – M... (ora recorrida) requereu, por apenso à acção de divórcio que instaurou contra I... (ora recorrente), que lhe fosse atribuído o direito ao arrendamento da casa de morada de família, vindo tal pretensão a ser considerada procedente pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira.
2 – Inconformado com a decisão de atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada de família à autora/requerente o réu/requerido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 11 de Julho de 1996, negou provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida. Logo nas alegações que apresentou naquele Tribunal, disse o recorrente:
'...P) Uma vez que o recorrente não contestou a acção de divórcio – de nada serve estar agora a dizer e explicar porque não o soube fazer – é inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 84º do RAU, por ser discriminatória e violar o disposto no artigo 13º da CRP. Q) Decidindo pelo modo que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 84º do RAU e 13º da CRP.'
3 – Ainda inconformado o recorrente interpôs novo recurso, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por decisão de 22 de Abril de 1997, negou provimento ao mesmo, confirmando a decisão recorrida. Sobre a questão de constitucionalidade do artigo 84º do RAU disse, a concluir as alegações que apresentou naquele Tribunal, o recorrente:
'...P) Uma vez que o recorrente não contestou a acção de divórcio – de nada serve estar agora a dizer e explicar porque não o soube fazer – é inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 84º do RAU, por ser discriminatória e violar o disposto no artigo 13º da CRP, pois o agravante nunca foi citado com a comunicação de que se fosse culpado no divórcio ficaria em desvantagem na atribuição da casa de morada de família, circunstância que poderia tê-lo levado a encarar o processo de divórcio de forma diferente da que tomou. Q) Decidindo pelo modo que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 84º do RAU e 13º da CRP.'
4 - É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 84º, nº2, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, na interpretação que dela fez a decisão recorrida, por entender que tal norma viola o disposto no artigo 13º da CRP e os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e informação.
4 – Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'A) A questão da inconstitucionalidade ora em apreço foi suscitada pelo recorrente em todas as anteriores instâncias, quer no Venerando Tribunal da Relação, quer no Venerando Supremo Tribunal de Justiça. B) A interpretação dada no douto acórdão recorrido ao artigo 84º do RAU, em particular ao seu nº 2, é inconstitucional, por violar o disposto no artigo 13º da CRP e os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e informação. C) Não foram asseguradas todas as garantias de defesa do recorrente já que houve omissão na citação para os autos de divórcio das consequências que lhe adviriam da sua não intervenção nos autos com referência à atribuição da casa de morada de família. D) Daí que quando da análise dos factos conducentes à formação da decisão sobre tal questão não pudesse ser considerada a culpa na verificação do divórcio. E) Sob pena de profunda disponibilidade de conhecimento entre as partes nas consequências que tal questão teria na atribuição da casa de morada de família
(que como se vê é realmente a verdadeira questão de fundo e que interessava quer ao recorrente quer ao recorrido). F) Assim, a interpretação dada pelo douto Acórdão recorrido àquela norma inquina de inconstitucionalidade material a qual deverá ser declarada e revogado, deste modo, o douto Acórdão 'sub-judice'.
5 – Igualmente notificada para alegar, disse a recorrida, a concluiu, o seguinte:
'1º - Não existe qualquer disposição legal que, nas acções de divórcio litigioso, imponha a obrigação de, no acto de citação, dever o réu ser advertido de que, se for declarado culpado, ficará em desvantagem na atribuição da casa de morada de família.
2º - Por outro lado, a ignorância da lei não isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.
3º - O artigo 84º do RAU enuncia os critérios da atribuição da casa de morada de família no caso de divórcio ou separação litigiosa de pessoas e bens.
4º - Na interpretação e aplicação do artigo 84º do RAU, as instâncias fizeram-no com base em critérios objectivos e no integral e rigoroso respeito da lei.
5º - Não há qualquer violação do artigo 13º da Constituição, sendo descabida a pretensa inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente,
6º - que tem, apenas, os propósitos inconfessáveis de entorpecer e retardar, injustificadamente, a acção da justiça.
7º - Deve manter-se a douta decisão recorrida, que bem interpretou e aplicou a lei (art. 84º do RAU), como é de justiça.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
6 – É o seguinte o teor do artigo 84º, nº 2, do RAU:
Artigo 84º
(Transmissão por divórcio)
1. Obtido o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens podem os cônjuges acordar em que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.
2. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a situação patrimonial dos cônjuges, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa imputada ao arrendatário na separação ou divórcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento e quaisquer outras razões atendíveis.
3. (...)
4. (...).
7 – No entender do recorrente o disposto no nº 2 do supra citado artigo 84º do RAU é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e informação, quando interpretado no sentido de que deve ainda o tribunal atender à 'culpa imputada ao arrendatário na separação ou divórcio' quando este não tenha sido citado (para a acção de divórcio) com a expressa indicação de que o grau de culpa que lhe venha a ser atribuído no divórcio é um factor relevante para a decisão sobre a atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada de família. Vejamos se tem razão.
8 – O ora recorrente foi regularmente citado para contestar a acção de divórcio litigioso que contra ele foi interposta pela ora recorrida e, nesses termos, chamado ao processo para dela se defender, o que, voluntariamente, optou por não fazer. Alega agora que na altura não ponderou as consequências que daí poderiam advir em matéria de atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada de família - porque para elas não foi expressamente alertado pelo tribunal aquando da citação para contestar a acção de divórcio - pelo que, no seu entender, não poderá agora o tribunal, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e informação, tomar em consideração a culpa que lhe veio a ser imputada na sentença que decretou o divórcio.
É, porém, manifesto que o argumento não pode proceder.
É que, ao contrário do que sustenta, é às partes que, por princípio, cabe ponderar as consequências que possam decorrer da estratégia processual por que, em cada momento, decidam optar, e não ao tribunal que incumbe a tarefa de alertar as partes em litígio para todas as possíveis consequências das várias estratégias processuais por que optem. Era, pois, ao réu (ora recorrente), e não ao tribunal, que cabia o ónus de ponderar as eventuais consequências previstas na lei para a hipótese de opção por uma estratégia processual traduzida na não contestação da acção de divórcio. Não o tendo feito, não pode agora escudar-se numa alegada violação do princípio constitucional da igualdade que, inequivocamente, não se verifica. Nesta matéria aquele princípio constitucional impõe que ao réu e ao autor sejam dadas iguais condições para poderem fazer valer em juízo a sua pretensão (o que, efectivamente, aconteceu), mas já não impede, como é bom de ver, que às partes sejam imputadas as consequências previstas na lei que hajam de decorrer da sua própria opção por uma determinada estratégia de defesa. Foi o recorrente que, ao ter optado por não contestar a acção de divórcio que contra ele foi movida, se colocou numa situação de desvantagem em face dos critérios previstos no artigo 84º, nº 2, do RAU, pelo que não pode agora alegar que aquela norma, na interpretação da decisão recorrida, é discriminatória e viola o disposto no artigo 13º da CRP. Não se vê pois, em suma, na norma que na interpretação da decisão recorrida se extrai do artigo 84º, nº2, do RAU, qualquer violação de preceito ou princípio constitucional, designadamente do princípio da igualdade consagrado pelo artigo
13º da Constituição.
III – Decisão Assim, e pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida quanto à suscitada questão de inconstitucionalidade. Lisboa, 5 de Março de 1999 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com dispensa de visto) Luís Nunes de Almeida