Imprimir acórdão
Processo nº 662/97:
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
A- Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, exarou o Relator a seguinte EXPOSIÇÃO ( nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, anteriormente à redacção introduzida pelo artigo 1º, da Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro):
1. F..., E..., M... e I..., Ldª, todos com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto no artº 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa
(C.R.P.), e no artº 70º, nº 1, alínea b), da lei nº 28/82, de 15 de Setembro
(com a redacção da lei orgânica nº 85/89, de 7 de Setembro)', do acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 1997, que apreciou o acórdão de 19 de Junho de 1996, do Tribunal Colectivo da 2ª Secção da
7ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, perante o qual os recorrentes responderam
à acusação do Ministério Público 'da prática de um crime de desvio de subsídio, p. e p. pelos arts. 3º, 7º e 37º-1 e 3 do D.L. nº 28/84, de 20/01 e de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelos arts 3º, 7º e 36º-1 a) e 8 a) e b) do mesmo D.L. nº 28/84'. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invocaram os recorrentes que a ' interpretação aí perfilhada (perfilhada no acórdão recorrido) de algumas normas jurídicas viola princípios e preceitos constitucionais, inconstitucionalidades essas que, nos termos da Constituição e da Lei, foram suscitadas durante o processo' (segue-se a indicação das violações
'da proibição constitucional de criação arbitrária de medidas penais', 'do princípio da legalidade, previsto no artº 29º da C.R.P.', 'do artº 32º,nº 1 da C.R.P., que estatui que deverão ser asseguradas todas as garantias de defesa do Arguido', e dos 'arts 205º, nº 2, e 207º da C.R.P.' A convite do Relator, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75º-A, nºs 1 e 5, da citada Lei nº 28/82, vieram os recorrentes, em síntese, dizer que
'trata-se de:
* procurar uma interpretação da expressão 'pena aplicada' constante do nº 1 do artº 50º do Código Penal conformemente com o princípio da legalidade das penas, formal e directamente consagrado no nº 3 do artº 29º da Constituição;
* pedir a inclusão da interpretação e aplicação das causas de atenuação especial da pena, em face do arrependimento verificado no processo, entre a totalidade das garantias de defesa que em processo penal são concedidas aos arguidos, por conjugação entre o art. 72º do Código Penal e o artº 32º, nº 1, da Constituição'.
2. Não oferecendo dúvidas que o presente recurso se funda na invocada alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82 (correspondente à alínea b), do nº 1, do artigo 280º, da Constituição), tudo está em saber se houve ou não arguição de inconstitucionalidade durante o processo daquelas normas do Código Penal, ligadas à matéria de penas (suspensão e atenuação especial), com a interpretação que, na óptica dos recorrentes, deveria ter sido perfilhada. Pois que, faltando este requisito específico do tipo de recurso de constitucionalidade em causa, não se pode tomar conhecimento do presente recurso. Ora, facilmente se alcança que tal suscitação não se mostra adequadamente feita nas várias peças processuais apresentadas pelos recorrentes na fase do recurso interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça. O que há é uma constante afirmação dos recorrentes de que o acórdão recorrido da primeira instância incorreu na violação deste ou daquele artigo da Constituição. Assim:
- o recorrente F... conclui, entre o mais, a motivação de fls. 2297 e seguintes com a invocação de que ao condenar-se 'o Recorrente como o fez, violou o douto Acórdão as disposições constantes dos artºs 28º e 32º da C.R.P.' (posição mantida, nos mesmos termos, depois nas alegações apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 2480 e seguintes).
- os outros recorrentes concluem, entre o mais, a motivação de fls. 2 316 e seguintes com a afirmação de que o 'Tribunal 'a quo' ao cometer notórios erros na apreciação da prova violou os artºs 29º e 32º da C.R.P.' e 'ao não atenuar especialmente a pena dos AA. e ao não suspender tais penas até tendo como referência a pena penal e concreta aplicada, o Tribunal 'a quo' violou o artº
50º do C.P.P. e artº 29º/3 da C.R.P.'. Tanto assim que no acórdão recorrido o Supremo Tribunal de Justiça ao enunciar as questões a apreciar 'pela ordem seguinte', não enumera nenhuma questão de constitucionalidade e não trata de matérias de constitucionalidade quando aborda as questões relativas à medida concreta das penas aplicadas aos recorrentes e à suspensão da execução das penas (aliás, registe-se mesmo que acaba por decretar
'a suspensão da execução das penas de prisão e multa aplicadas aos arguidos Fernando Barata, Emídio Almeida e Manuel Almeida pelo período de 3 (três) anos'). Em suma, não há durante o processo uma suscitação de inconstitucionalidade normativa, com referência às apontadas normas do Código Penal, antes e apenas uma censura da decisão em causa, na óptica da violação de normas da Constituição. Os recorrentes, aliás, acabam por sentir a dificuldade quando apontam 'os dois seguintes erros com relevância jurídico-constitucional cometidos na 1ª instância
(e que, salvo o devido respeito, viriam a ser mantidos no Supremo Tribunal de Justiça): a) Por um lado, a razão sobre que assentara a não suspensão da execução da pena era a de que a pena decretada era superior a três anos, ultrapassando, por isso, o limite indicado no art. 50º, nº 1, do Código Penal; b) Por outro lado, a razão pela qual os próprios Recorrentes se achavam e acham no direito de pedir e esperar da Justiça a concessão do regime de atenuação especial da pena foi explicitamente dito que resultava da verificação in casu da previsão correspondente à alínea c) do nº 2 do artº 72º do Código penal (a saber, o 'ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente')'. Por consequência, erros apontados às decisões e não arguição de inconstitucionalidades normativas. Tanto basta para que se não possa tomar conhecimento do presente recurso.
3. Ouçam-se as partes por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da citada Lei nº 28/82'. B- Não se conformando com essa EXPOSIÇÃO, vieram os recorrentes dizer que 'tanto da Motivação do seu recurso ordinário para o S.T.J. como das respectivas conclusões consta a chamada de atenção expressa para as questões a que diz respeito o presente recurso de constitucionalidade', juntando, para o efeito, um Parecer académico e, segundo entendem, 'são os recorrentes desde logo por esse Estudo apoiados na arguição que durante o processo fizeram da necessidade da interpretação conforme à Constituição do nº 1 do art. 50º do Código Penal' (e nesse Parecer sustenta-se, além do mais, que, compulsando os autos, a 'questão que assim surge nos autos é uma questão técnica de constitucionalidade', acrescentando-se ainda: 'O que se procura é saber se o conceito utilizado no nº
1 do art. 50º do Código Penal 'pena de prisão aplicada' corresponde ao conceito de pena decretada pelo tribunal antes do atendimento a medidas imperativas de clemência; dizendo-se que, se assim for, os tribunais que o aceitem (como in casu, o fez tanto a primeira instância como o Supremo Tribunal de Justiça) estarão a criar uma medida penal nova, exorbitante do quadro legal previsto'). C- Respondeu também o Ministério Público, sustentando uma diferente perspectiva, a de que a 'única questão de inconstitucionalidade normativa que os arguidos - embora de forma deficiente e pouco clara - terão eventualmente suscitado
'durante o processo', ligada à interpretação da expressão 'pena aplicada', constante do artigo 50º do Código Penal e relativa aos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, está claramente precludida, face ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça', e, assim, 'atento o carácter instrumental dos recursos de constitucionalidade', não se deve tomar conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada.
É esta a linha argumentativa do Ministério Público:
'2º Assim, os arguidos haviam sido condenados, em 1ª instância nas penas de 3 anos e
6 meses de prisão efectiva, tendo-lhe sido aplicado o perdão de 1 ano, decorrente do preceituado no artigo 14º da Lei nº 23/91.
3º Recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando - entre muitas outras questões que suscitam - pela suspensão de execução de tais penas de prisão efectiva.
4º Sendo precisamente, a propósito de tal pretensão, que se reportam, de forma vaga e deficiente, à 'inconstitucionalidade' conexa com a referida interpretação do artigo 50º do Código Penal.
5º Pretendendo, no fim de contas e em termos lineares e sintéticos, que o colectivo deveria ter atendido à pena efectivamente cominada, após aplicação do perdão, para ajuizar da verificação dos pressupostos de admissibilidade da suspensão da respectiva execução.
6º Sucede, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, acabou por suspender efectivamente as penas de prisão cominadas aos arguidos ora recorrentes, e que graduou em apenas 3 anos de prisão (fls. 2610).
7º Considerando (fls. 2611) que 'não se fazem sentir relativamente aos factos em apreço especiais necessidades de prevenção geral, não se nos afigurando que a aplicação de pena de substituição vá pôr em causa a crença da comunidade e a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais', valorando ainda o 'bom comportamento' dos arguidos, as suas idades e a dilação verificada entre os factos e a condenação.
8º Daí que se haja 'alterado' o acórdão proferido em 1ª instância e condenado os arguidos na 'pena de 3 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de
2000$00, ou seja, na multa de 200 000$00, a que se declararam perdoados 1 ano de prisão e 100 000$00 de multa, ao abrigo do artigo 14º-1 alíneas b) e c) da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos'.
9º Obtiveram, pois, os arguidos integralmente o benefício da suspensão da execução da pena cominada, o que obviamente torna perfeitamente inútil a questão de constitucionalidade suscitada, ligada aos às pressupostos de aplicação da dita suspensão de execução da pena de prisão - e que só teria, aliás, sentido se aos arguidos houvesse sido cominada pena cuja medida concreta fosse superior a 3 anos de prisão.' D- Vistos os autos, cumpre decidir. Não se vislumbram razões que infirmem a posição tomada na EXPOSIÇÃO, pois não se vê onde esteja uma arguição de inconstitucionalidade normativa dirigida, em especial, à norma do artigo 50º, nº 1, do Código Penal. A leitura dos locais identificados pelos recorrentes - nomeadamente o trecho transcrito no Parecer - revela que a censura é dirigida à decisão recorrida, pois insiste-se sempre que 'julgando como julgou o Tribunal 'a quo' violou os artºs 29º e 32º da C.R.P., dado que deveria ter suspendido a execução da pena e não o fez' (o tribunal 'a quo', 'ao fazê-lo, não só violou a correcta interpretação do preceito (cujas soluções e limites, efectivamente, só à luz do que atrás se disse são compreendidas), como violou a proibição constitucional de criação arbitrária de medidas penais' - é outra afirmação dos recorrentes, dirigida também e directamente à decisão recorrida). E o Ministério Público, na sua resposta, não deixa de registar a 'forma deficiente e pouco clara' com que os recorrentes 'terão eventualmente suscitado(...)' a 'única questão de inconstitucionalidade normativa', ligada 'à interpretação da expressão 'pena aplicada', constante do artigo 50º do Código Penal e relativa aos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão'. Tanto bastaria para concluir que se não podia tomar conhecimento do presente recurso, por faltar o pressuposto específico da arguição de inconstitucionalidade normativa de uma questão de inconstitucionalidade. De todo o modo, sempre subsiste o fundamento invocado pelo Ministério Público, no sentido da falta de utilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade aqui posta. E- Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso e condenam-se os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 3 de Março de 1999 Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Maria Dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida