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Procºnº 87/98
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida Acordam no Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - F..., S.A. veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação do imposto de capitais relativo ao ano de 1987.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa veio a julgar improcedente tal oposição com fundamento em que não fora ilidida a presunção estabelecida no artigo 14º, § 2, do Código do Imposto de Capitais
(CIC). A sociedade oponente veio pedir esclarecimentos e arguir a nulidade da decisão, requerimentos que foram indeferidos.
Notificada desta decisão, F..., SA, veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) que, por acórdão de 29 de Novembro de
1996, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O STA, para chegar a esta conclusão, desenvolveu a seguinte fundamentação: quanto à ilisão da presunção de juros entendeu que não era aplicável o Código de Imposto sobre o Rendimento Singular (CIRS), mas antes o CIC; e o artigo 14º, § 2, deste diploma estabelece que a presunção só pode ser ilidida «por decisão judicial proferida em acção judicial intentada pelo contribuinte contra o Estado», ou através de declaração do Banco de Portugal, sendo o tribunal comum o competente para declarar a inexistência de juros, não sendo o processo de impugnação o adequado para destruir aquela presunção. Porém,
'ultrapassada a fase do despacho liminar, a consequência incontornável da ausência da necessária sentença judicial é a improcedência da impugnação'.
Notificada desta decisão, a recorrente F... começou por pedir a sua aclaração, indeferida pelo acórdão de 9 de Abril de 1997. Depois, por requerimento de 28 de Abril de 1997, interpôs recurso para o Pleno da Secção, invocando o preceituado nos artigos 30º, alínea a) do E.T.A.F. e 103º, nº3 da L.P.T.A., quanto à matéria da excepção de prescrição, decidida pelo STA em 1º grau de jurisdição.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do relator:
'Sob a invocação dos artºs 30º, a), do ETAF e 130º,3,da LPTA, 'F...' vem, no requerimento de fls. 91, interpor recurso para o Pleno desta Secção do STA do acórdão de fls. 70-74 na 'parte em que indeferiu a matéria da excepção de prescrição suscitada já neste Supremo Tribunal que, quanto a esta, decidiu
(entende a Recte) em 1º grau de jurisdição'. Segundo a alínea a) do sobredito artigo 30º, 'compete ao pleno da Secção do Contencioso Tributário conhecer dos recursos dos acórdãos proferidos pela Secção, em primeiro grau de jurisdição, que não sejam da competência do Plenário'.
É jurisprudência pacífica desta Secção que tal preceito se refere ao julgamento de questões de mérito pela primeira vez (por todos, vide o Acórdão de
13/III/1996 - rec. nº 18129). A questão de fundo decidida no acórdão em referência foi a do modo de elisão da presunção juris tantum do § 2 do artigo 14º do CIC. Seguramente, ela foi aqui decidida em 2º grau de jurisdição, por isso que do dito acórdão não cabe recurso para o Pleno ao «abrigo» da alínea a) do artigo
30º do ETAF. Termos em que não admito o recurso interposto a fls. 91 - artigo 9º, 1),j), in fine, da LPTA.'
Notificada desta decisão, F... veio apresentar uma reclamação para a conferência, pretendendo que o acórdão recorrido decidiu a questão de prescrição em 1ª jurisdição e que se conhecesse das inconstitucionalidades invocadas, recebendo-se o recurso interposto.
Esta reclamação veio a ser indeferida pelo acórdão do STA de 5 de Novembro de 1997, que fundamentou assim a sua decisão:
'O thema decidendum circunscreve-se à questão de saber se o conhecimento, por esta formação, da excepção de prescrição da obrigação tributária invocada na alegação do recurso per saltum da sentença de fls. 22-24 (que sobre aquela se não debruçou) cai no âmbito do «primeiro grau de jurisdição» previsto na alínea a) do artigo 30º do ETAF, sendo, na afirmativa, admissível recurso para o pleno desta Secção do aresto que julgou a mesma excepção improcedente. Quanto à noção de 'grau de jurisdição' e à sua última relação com a escala hierárquica dos tribunais, vide Professor Alberto dos Reis, Processo Ordinário e Sumário, I, 2ª ed., p.472, 2 Comentário ao CPC, I, pág. 104 e 105, realçando que a ordem hierárquica dos tribunais judiciais (artigo 20º da Constituição) se projecta, por analogia, na ordem dos tribunais administrativos e fiscais (artigo
212º da CRP). O acórdão em que se conheceu da prescrição da obrigação tributária foi, claramente, proferido em 2º grau de jurisdição. Ora, arrancar com a pretensa novidade da questão de tal excepção peremptória
'que foi presente ao acórdão de que se pretende recorrer para o pleno da Secção, em contradição com a limitação consagrada no citado artigo 30º,a), quanto à admissibilidade do recurso para aquela formação, constituirá afronta à dita correlação entre grau de jurisdição e grau hierárquico dos tribunais, plenamente aceite em doutrina (Acórdão desta Secção de 14/XII/1994 -rec. nº 10.520).'
Escreve-se mais adiante no acórdão:
'Em suma: o artigo 30º, alínea a), do ETAF refere-se ao julgamento da questão de mérito pela primeira vez. A uma decisão de fundo da questão deduzida, por vez primeira, na Secção de Contencioso Tributário do STA. Este pacífico entendimento desta formação não envolve postergação de qualquer preceito constitucional. Nestes termos, acorda-se em desatender a reclamação em apreço, confirmando-se o despacho reclamado.'
2. - É desta decisão que vem interposto o presente recurso.
A recorrente renova, no requerimento de interposição, a questão da constitucionalidade da interpretação do artigo 297º do Código Civil, na medida em que permita que se cumpra ainda um prazo maior do que o previsto na nova lei e, bem assim, a questão da constitucionalidade do artigo 14º, § 2 do CIC enquanto não permite aos tribunais tributários decretarem a ilisão da presunção legal do vencimento de juros em relação a empréstimos cujo escrita não revelou a atribuição efectiva de juros e, finalmente, a questão da constitucionalidade da alínea a) do artigo 30º do ETAF, enquanto não admite o recurso da Secção para o Pleno.
A recorrente apresentou alegações que concluiu pela forma seguinte:
'a) A obrigação tributária cujo cumprimento se exige nos autos já prescreveu. b) De facto, já decorreu entretanto prazo superior ao de 10 anos que a Lei actual exige (Artº 340 do C.P.T.) para que a prescrição tenha lugar. c) A Lei nova que fixa o prazo de 10 anos para a prescrição (o qual, aliás, ainda é excessivo face ao que, nomeadamente, se passa no nosso C.Civil e ao que se prescreve noutras legislações) deve aplicar-se de imediato e em termos de ser considerado o lapso de tempo decorrido antes da sua entrada em vigor. d) O preceito de direito transitório contido no Artº 297º do C. Civil deve, neste particular, aplicar-se em termos restritivos e portanto por forma a que aquele prazo de prescrição Imposto pela Lei nova não seja ultrapassado. e)De contrário criar-se-iam desigualdades gritantes o que é de molde a violar o princípio da igualdade perante a Lei. f) De facto, não fará sentido, por exemplo, que em relação a determinada obrigação, já tenha decorrido o prazo de ll anos e, não obstante, a nova Lei definir o prazo de 10 anos como limite para que a prescrição aconteça que, por causa do preceito de ' jus ' transitório do referido Artº 297º do C.Civil
(quando interpretado literalmente), se vá obrigar o contribuinte a aguardar mais
9 (nove) anos que se preencha o prazo prescricional. g) Interpretado, como foi, no douto acórdão recorrido, o artº 297º do C. Civil é inconstitucional pois viola nomeadamente o disposto nos artºs 13º nº 1, 18º, nº l e 103º nº 2 da CRP. h) Por outro lado, a verdade é que o douto aresto recorrido conheceu da questão da prescrição pela 1ª vez já que foi já no STA que tal problemática foi suscitada. i) Sendo assim, salvo o devido respeito, de tal douto acórdão caberá recurso para que seja respeitado o princípio constitucional da necessidade de haver ao menos uma possibilidade de reapreciação das questões suscitadas pela lª vez. J) De contrário, interpretando restritivamente a alínea a) do Artº 30º do E.T.A.F. e 130º, nº 3, da L.P.T.A., violar-se-ia o disposto nomeadamente nos artºs 20º e 32º da CRP, que aqueles preceitos contradizem. l) Também, salvo o devido respeito, não podem os Tribunais Tributários hoje em dia recusar-se a apreciar e decidir questões como sejam as da ilisão de meras presunções legais de vencimento de juros. m) Na verdade, após a revogação do Artº 14º, § 2º do C.I.C. pelo artº 70, nº5 do C.I.R.S. (que aludia à propositura de acção contra o Estado, o que não impediu fosse interpretado em termos de permitir que os Tribunais Tributários também se ocupassem de tal matéria), nada obsta a que se exclua tal matéria da competência de decisão dos Tribunais Tributários, até por que são especializados nestas questões e, dada a sua comprovada independência 'judicandi', nada obsta a que decidam casos destes, sobretudo quando os Tribunais Comuns não puderem dar, em tempo razoável, resposta para as mesmas n) Acresce que, ao criarem-se dificuldades exageradas quanto à possibilidade de ilisão de simples presunções de rendimento, daí resulta que se tornam inconstitucionais os preceitos que contemplam estas figuras do direito Fiscal. o) Assim se, restringidos excessivamente na sua aplicação, os artºs 3º,
4º, 7º e 14º, corpo, do antigo C.I.C., tais preceitos violariam nitidamente o prescrito no actual Artº 104º, nº 2 da C. R. P. p) Face ao exposto, evidente se torna que o douto acórdão recorrido enferma das referidas inconstitucionalidades, já que aplicam os referidos preceitos do C. Civil, da L.P.T.A. e do E.T.A.F. em termos de violarem os mencionados artºs 13º, nº1, 18º, nº 1, 103º, nº 2, 104º, nº 2, 20º e 32º da C.R.P. então em vigor, os quais no essencial não foram postos em causa pela
última revisão constitucional e, sendo assim, impõe-se que esse Venerando Tribunal venha a pronunciar-se, a final, pela existência das salientadas inconstitucionalidades e, em consequência, vir a proporcionar ao Supremo Tribunal recorrido a possibilidade de alterar em conformidade o seu aliás douto aresto de fls.'
Pelo seu lado, a Fazenda Nacional também alegou, mas, sem formular conclusões, entende que a recorrente não tem razão nas questões de constitucionalidade que suscita.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - Importa, antes de mais, delimitar o âmbito do presente recurso. Com efeito, a decisão em recurso é o acórdão do STA que, confirmando o despacho do relator, indeferiu o recurso interposto pela recorrente para o Pleno da Secção.
Ora, tanto o despacho reclamado como o acórdão recorrido que o confirmou apenas aplicaram a norma do artigo 30º, alínea a) do ETAF.
Assim, como o recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, um dos pressupostos para se poder conhecer de tal tipo de recursos é o de que as normas questionadas tenham sido aplicadas na decisão recorrida. Ora, quer a norma do artigo 297º do Código Civil quer a norma do artigo 14º, § 2 do CIC quer a norma do artigo 130º, nº3, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho), não foram utilizados como fundamento normativo da decisão recorrida, não tendo ali sido aplicados, pelo que, nessa parte, não pode conhecer-se do recurso.
O objecto do presente recurso é, assim, a norma do artigo 30º, alínea a), do ETAF, se interpretada por forma a não admitir o recurso interposto para o Pleno da Secção, relativamente a matéria que por este seja decidida em recurso, pela primeira vez.
4. - A norma em causa tem a seguinte redacção:
'Artigo 30º
(Competência da Secção em Pleno) Compete ao pleno da Secção do contencioso Tributário conhecer: a) Dos recursos de acórdãos proferidos pela Secção, em primeiro ou segundo grau de jurisdição, que não sejam da competência do plenário'.
Por sua vez, o plenário do STA tem a sua competência fixado no artigo 22º do ETAF.
A questão que vem suscitada pela recorrente é a da não admissão de recurso para o Pleno da Secção Tributária do STA sempre que a Secção se pronuncie, na sequência de um recurso interposto, pela primeira vez no processo sobre uma dada matéria.
Ou seja, o recorrente entende que nas decisões da Secção Tributária do STA deve existir sempre a possibilidade de recurso para o Pleno quando, no seguimento de um recurso, a Secção decide pela primeira vez uma dada matéria. Para assim concluir, o recorrente, considera que, em tal caso, a Secção decidiu tal matéria - uma excepção de prescrição - «em 1º grau de jurisdição», ao contrário do defendido na decisão recorrida que considera que o artigo 30º, alínea a) do ETAF se refere'ao julgamento da questão de mérito pela primeira vez', a 'uma decisão de fundo da questão deduzida pela primeira vez, na Secção de contencioso Tributário do STA'.
Será inconstitucional a limitação do recurso das decisões da Secção de Contencioso Tributário para o Pleno da Secção aos acórdãos proferidos em primeiro grau de jurisdição?
O Tribunal Constitucional tem vindo a entender que, salvo o caso de sentença penal condenatória, o direito de acesso à justiça consignado no artigo 20º da Constituição não é violado pelo asseguramento do recurso num único grau de jurisdição.
Com efeito, tal direito não garante necessariamente em todos os casos e por si só o direito a um duplo grau de jurisdição: garante sim, a todos e sem discriminação de ordem económica, o acesso à via judiciária correspondente a um grau de jurisdição.
Por outro lado, uma vez que a Constituição prevê a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, tal como na ordem dos tribunais administrativos e fiscais, não será lícito ao legislador ordinário suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou sequer limitar de tal maneira o direito de recorrer que tal equivalesse na prática à sua supressão.
Porém, o legislador ordinário tem nesta matéria uma ampla liberdade de conformação legislativa podendo criar ou suprimir certos recursos judiciais. Assim, uma norma como a do artigo 30º, alínea a) do ETAF, interpretada como não admitindo recurso das decisões da Secção de Contencioso Tributário para o Pleno da Secção quando conhece, pela primeira vez, no seguimento de recurso de determinada matéria (excepção de prescrição), não pode considerar-se inconstitucional por violação do artigo 20º da Constituição, uma vez que tal limitação do recurso se insere na liberdade de conformação do legislador.
Também tal interpretação normativa não viola o princípio da igualdade, na medida em que não existe qualquer tratamento discriminatório ou arbitrário não sendo também uma solução desproporcionada ou excessiva, pelo que não merece ser censurada por violadora da Constituição. III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada. Lisboa, 1999.03.09 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa