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Procº nº 830/95. ACÓRDÃO Nº 475/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A fez intentar, pelo 14º Juízo do Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção especial de despejo contra B e mulher..
Vindo a acção a ser julgada procedente, da respectiva sentença apelaram os então réus para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 3 de Março de 1994, julgou procedente o recurso, assim os absolvendo dos pedidos formulados pelo então autor, o que fez, em síntese, por considerar que se não verificava, no caso, a existência do requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artº 1098º do Código Civil, pois que este último tinha já usado da faculdade de propositura de acção visando a 'denúncia para habitação do andar arrendado ao R. na acção de despejo nº 4954/82 da 1ª Secção do 15.º Juízo Cível desta comarca - na qual os Réus foram absolvidos do pedido por sentença transitada em julgado a 7-12-1982'.
2. Não se conformando com essa decisão, e com base em violação de caso julgado, recorreu A para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na alegação que produziu, apresentado as seguintes conclusões:-
'1) Julgou [o acórdão recorrido], em contradição, com a sentença proferida no proc. 4954/82 do 15ª Juízo Cível de Lisboa, transitado em julgado, que considerou, com força de caso julgado, que o contrato cuja denuncia se pedi- ra naquele processo, não produzia quaisquer efeitos jurídicos entre A. e RR, que são os mesmos no presente processo, e por isso absolveu os RR do pedido;
2) De facto, no Acórdão recorrido a revogação da douta sentença da 1ª Instância, baseou-se exclusivamente na consideração de que o A. já tinha usado da faculdade de denunciar o con- trato de arrendamento relativo ao andar no proc. 4954/82, quando isso não só não é verdade, como significa extrair efeitos jurí- dicos fundamentais do contrato alegado no proc. 4954/82, sobre o A. e os RR neste pro- cesso, contrariando frontalmente a decisão, com autoridade de 'res judicata' assumida naquele processo;
3) Sendo certo que a autoridade do caso julgado envolve a expressão decisória completa - 'absolvo o Réu porque o contrato alegado é ineficaz 'lato sensu' entre A. e R.' - não se poderá, posteriormente, em qualquer acção judicial reconhecer efeitos jurídicos entre o A. e os RR., derivados daquele contrato, sob pena de contradição e violação da autoridade do caso julgado, como o impõe o disposto no art. 673º do C.P.C. e o art. 2º da Constitu- ção da República;
4) Além disso, o Acórdão recorrido ao interpretar o art. 1098º nº 1 alínea a) do C. Civil, limitando o direito de propriedade do senhorio na denúncia do contrato de arrenda- mento para habitação aos casos em que o senho- rio nunca tivesse intentado qualquer processo contra o inquilino, fosse qual fosse o seu desfecho, realizou uma interpretação desrazoável desproporcionada e injustificada do direi- to de propriedade, constante do art. 62º nº 1 da C.R.P., que desrespeita ainda o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art.
13º CRP), de forma inaceitável, e por isso materialmente inconstitucional, que este Tri bunal não pode aplicar;
5) Além disso o Acórdão recorrido cometeu um erro grave de julgamento ao considerar que o A. já antes denunciara, em 1982, o contrato de arrendamento celebrado com os RR. em Setembro de 1974, o que fez, pela primeira a única vez, neste processo;
6) Acresce que, o Acórdão recorrido decidiu questão fundamental que traçou a sorte do processo, sem que tal questão tivesse sido suscitada pelos recorrentes na alegação de recurso e nas suas conclusões, onde se fixam como é jurisprudência firme desse Meritíssimo Tribunal, os fundamentos do recurso;
7) Ao fazê-lo, não sendo tal matéria de conhecimento oficioso, desrespeitou-se a sen- tença da 1ª Instância, neste particular já de- finitiva, e o disposto nos art. 690º nº 1 e 684º nº 4 do CPC, contrariando os princípios gerais do dispositivo e do contraditório, (artº 3º do C.P. Civil), este último, de natureza constitucional, como constitutivo do Estado de Direito Democrático,
(art. 2º da C.R.P.);
8) A Actuação referida em 6) desrespeita ainda o princípio da confiança jurídica, de assento constitucional que impõe a interpretação dos arts. 690º nº
1 e 684º nº 4 do C.P.C., como concretização dos princípios gerais do dispositivo e do contraditório, de molde a impedir que as partes sejam surpreendidas com decisões judiciais, com que não poderiam legi- timamente contar e sobre cuja matéria de fundo se não pronunciaram;
9) O entendimento contrário implícito no Acórdão, com a interpretação que este deu aos arts. 690º nº 1 e 684º nº 4 do C.P.C., traduz uma interpretação inconstitucional destes pre- ceitos, violadora dos princípios do contradi- tório e da confiança jurídica, constitutivos do Estado de Direito Democrático previsto no art. 2º da C.R.P.'
3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 16 de Fevereiro de 1995, negou provimento ao recurso.
Disse-se, por entre o mais, nesse aresto:-
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3. De apenas duas das questões que vêm postas nas conclusões da alegação do agravante cumpre conhecer no recurso: uma que consiste em saber se no acordão recorrido se ofendeu o caso julgado formado com o saneador-sentença proferido na acção com processo especial de despejo nº 4954/82, que correu pelo
15º Juízo Cível de Lisboa, e outra, a de saber se no mesmo acordão se ofendeu o caso julgado, chamado de formal pelos agravantes (cfr. fls. 722), formado pela sentença na 1ª instância, a folhas 426 v. e segs., enquanto decidiu pela verificação do requisito da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, que estava previsto no artigo 1098º, nº 1, alínea c), do Cód. Civil. É que o valor da causa encontra-se definitivamente fixado em 135.000$00, portanto dentro da alçada do tribunal de 1ª instância (cfr. artº 20º, nº 1, da Lei nº 38/87, de
23 de Dezembro), com o recurso interposto da sentença proferida na 1ª instância para a Relação a ser admitido independentemente do valor da causa, de acordo com o disposto no artigo 57º, nº 1, do R.A.U., aprovado pelo Decreto--Lei nº
321-B/90, de 15 de Outubro, mas sendo apenas com o invocado fundamento de ofensa de caso julgado que o recurso interposto do acordão da Relação foi admitido, atento o preceito do artigo 678º, nº 2, do Cod. de Proc. Civil, a esse fundamento ficando pois restrito o objecto do mesmo recurso, sem possibilidade de conhecimento nele de outras questões estranhas ao tema, conforme entendimento da doutrina (...).Ora, na acção especial de despejo nº 4954/82, que correu pelo
15º Juízo Cível da comarca de Lisboa, o efeito jurídico que o A. pretendeu fazer valer foi a denúncia (para o termo do prazo da renovação, em 1 de Setembro de
1982 - certidão de fls. 138 e segs) do contrato de arrendamento celebrado em 6 de Setembro de 1973 entre António Correia e o R. marido, tendo por objecto o andar despejando, enquanto que, na presente acção, o efeito jurídico que o A. pretende obter é a denúncia, para o termo do prazo de renovação, em 4 de Fevereiro de 1990, do contrato de arrendamento celebrado entre o mesmo A. e o R. marido, com início em Fevereiro de 1974, a ter por objecto o identificado andar.
É pois manifesto que, nas duas acções, o efeito jurídico que o A. pretende obter não é o mesmo - são distintos os contratos de arrendamento cuja destruição por denúncia é visado, como diferentes são as datas para a produção dos efeitos dessas denúncias - razão pela qual, e face ao preceito do artigo
498º, nº. 3, não há identidade de pedidos nas duas acções.
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Está, consequentemente e desde logo, afastada a repetição, com a presente acção, da causa na acção de despejo nº 4954/82, que correu pelo 15º Juízo Cível. E, não havendo repetição dessa causa, o acordão recorrido não pode ter ofendido o caso julgado formado com o despacho saneador-sentença, transitado, nela proferido a recair sobre a relação substancial (...).
5. Passando à outra questão de que cumpre conhecer, a de ofensa pelo acordão recorrido do caso julgado formado com a sentença da 1ª instância nesta acção a fls. 426 vº, e segs, chamado de caso julgado formal pelo agravante, importará começar por dizer-se que, nessa sentença, nada foi decidido a recair sobre a relação processual, razão porque nela não pode ter-se formado caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo (cfr. artigo 672º).
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E contendo-se na parte dispositiva da mesma sentença distintas decisões sobre a relação material controvertida, todas desfavoráveis aos RR, o certo é que, no requerimento de interposição do recurso dela, os RR., recorrentes, não especificaram a decisão de que recorriam, em vista do que o recurso admitido abrangeu tudo o que na parte dispositiva da sentença lhes era desfavorável (cfr. artigo 684º, nº 2).
Tão pouco nas conclusões da alegação respectiva os recorrentes restringiram, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso, como lhes era permitido pelo nº 3 do artigo 684º.
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Daí que nenhuma das distintas decisões desfavoráveis aos RR. recorrentes, contidas na parte dispositiva da sentença, tenha passado em julgado, atento o preceito do artigo 677º.
Por outro lado, o conhecimento no acordão recorrido da questão da verificação do requisito da denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento, que era exigido pelo artigo 1098º, nº 1, alínea c) do Cód. Civil, sem que tenha sido posta para resolver nas conclusões da alegação dos agravantes, configuraria, isso sim, o conhecimento indevido de tal questão, causa de nulidade do acordão contemplada no artº 668º, nº 1, alínea d), aplicável por força do artigo 716º, nº 1.
Mas porque do mesmo acordão só era admissível recurso com fundamento numa das excepções à regra sobre a admissibilidade do recurso constante do nº 1 do artº 678º, previstas nos nºs 2 e 3, atento o valor da causa definitivamente fixado, com o objecto do recurso restrito à apreciação da matéria que justificou a sua admissão, ficando consequentemente vedado o conhecimento de questões estranhas a esse tema, como se disse atrás, aquela nulidade assacada ao acordão deveria ter sido arguida perante o Tribunal da Relação, que o proferiu (cfr. art. 668º, nº 3), meio processual adequado de que o A. não fez uso.
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4. Do acórdão de que parte substancial acima se encontra transcrita ainda arguiu a respectiva nulidade o ora reclamante, e, sendo essa arguição indeferida por aresto do S.T.J. de 8 de Junho de 1995, atravessou aquele nos autos requerimento por intermédio do qual pretendeu interpôr 'recurso contencioso' para o Tribunal Constitucional, nele vindo dizer que o falado acórdão 'aplicou no caso 'sub judice', o disposto no art. 1098º nº 1 alínea c) do Cód. Civil, norma manifestamente inconstitucional com a interpretação dada' e, 'ao confirmar a interpretação que o acórdão da Relação, deu dos arts. 690º nº
1 e 684º nº 4 do Cód. Proc. Civil aplicou estas duas normas inconstitucionalmente'.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 3 de Julho de 1995, não admitiu o recurso, fundado na circunstância de o acórdão pretendido recorrer 'se ter ficado pelo conhecimento das questão da violação do caso julgado', pelo que 'interpretou e aplicou a norma do artigo 497º do Cód. de Proc. Civil, mas não aplicou e interpretou as normas citadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso'.
5. Do referido despacho reclamou para o Tribunal Constitucional A, despacho que o S.T.J. confirmou por acórdão de 4 de Outubro de
1995.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, tendo
«vista» dos autos, pronunciou-se no sentido de ser indeferida a vertente reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Resulta desde logo da extensa transcrição, acima efectuada, do acórdão intentado censurar, que o mesmo, de todo em todo, não fez qualquer aplicação, explícita ou implícta, do normativo contido na alínea c) do nº 1 do artº 1098º do Código Civil.
Por outro lado, resulta também inequívoco que, tocantemente às normas ínsitas nos artigos 690º, nº 1, e 684º, nº 4, do Código de Processo Civil, não foram elas convocadas por tal aresto em sede de suporte da decisão nele ínsita.
Aliás, no que concerne à alínea c) do nº 1 do artº 1098º do diploma civil substantivo, nem se concebe como o Supremo Tribunal de Justiça,
(para o qual o recurso do acórdão prolatado na Relação de Lisboa foi interposto unicamente com fundamento na alegada violação de caso julgado, pois que, in casu, se tratava de uma acção especial de despejo a que, definitivamente, foi dado o valor de Esc. 135.000$00), poderia curar de uma eventual censura sobre a forma como foi interpretada e ou aplicada aquela disposição em termos de regulação da relação jurídica substantiva controvertida.
De outra banda, quanto às normas constantes do diploma adjectivo civil, torna-se por demais claro que, postando-nos perante um recurso como aquele que foi interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, este Alto
órgão de administração de justiça apenas, no que ao fundamento de um tal recurso diz respeito, poderia - como aliás o fez - circunscrever a sua análise à questão de saber se, no vertente caso, se verificava ou não o circunstancionalismo da ofensa de caso julgado, o que, necessariamente, haveria de acarretar a convocação das normas dos artigos 497º, 498º, 671º, 672º e 673º do dito diploma.
Em nenhum tropo do acórdão pretendido impugnar, como se disse já, se encontra a mínima referência aos normativos indicados pelo reclamante no requerimento por via do qual desejou recorrer para este Tribunal, sendo ainda certo que do discurso argumentativo ali utilizado nenhum subsídio se colhe de onde resulte que, ainda que implicitamente, tais normas serviram de base ao decidido.
Não se pode, por isso, dizer, como o faz o reclamante, que, em recursos do jaez daquele que foi interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, ao ser negado provimento ao mesmo, se está a confirmar a decisão recorrida no que tange às questões aí resolvidas e que se não prendam com a eventual ofensa de caso julgado.
2. Ora, sabido como é que os recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Lei Fundamental e na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por entre outros requisitos, exigem que na decisão recorrenda tenha sido aplicada a norma cuja conformidade constitucional foi questionada pela «parte» que pretenda interpôr essa forma de impugnação, então torna-se nítido que, no caso sub specie, esse mesmo requisito se não configura.
De onde, manifestamente, não poder o recurso agora desejado interpôr ter cabimento, motivo pelo qual não merece censura o despacho reclamado e, bem assim, o acórdão que o confirmou.
IV
Em face do que se deixa dito, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta. Lisboa, 19 de Março de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Messias Bento Farnando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa