Imprimir acórdão
Procº nº 615/95. ACÓRDÃO Nº 494/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa e em que figuram, como recorrente, A e, como recorrida, B, E.P., em liquidação, concordando-se com a exposição lavrada pelo relator, que aqui se dá por integralmente reproduzida e cujos fundamentos não são abalados pela
«pronúncia» que sobre a mesma efectuou o recorrente, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 20 de Março de 1996 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 615/95.
2ª Secção.
1. A fez instaurar no Tribunal Cível da comarca de Lisboa e contra B, E.P., em liquidação, acção seguindo a forma de processo sumário, por intermédio da qual solicitou a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 1.298.027$00, a título de diferenças retributivas e de indemnização pela cessação do contrato de trabalho que vinculava o autor à ré, e a incluir esse crédito no mapa a que se reporta o nº 2 do artº 8º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio.
Por sentença de 12 de Abril de 1993, foi a acção julgada parcialmente procedente, vindo a ré a ser condenada a pagar ao autor o montante de Esc. 628.750$00 e a incluí-lo no indicado mapa.
Não se conformando com o assim decidido recorreu B para o Tribunal da Relação de Lisboa, identicamente recorrendo, mas subordinadamente, A.
Por acórdão de 25 de Maio de 1995, a Relação de Lisboa deu provimento ao recurso principal e negou-o ao recurso subordinado.
Para assim decidir, efectuaram-se nesse aresto as seguintes considerações:-
'.............................................
O autor entende ser credor da ré da quantia de 209 507$00, proveniente de diferenças retributivas.
Será assim?
A resposta é negativa.
Por despacho conjunto dos Secretários de Estado do Trabalho e dos Transportes Exteriores e Comunicações, datado de 12 de Maio de 1983 e publicado no Diário da República de 25 do mesmo mês 'é determinado, de acordo com a proposta veículada pela empresa nesse sentido, a autonomização do processo negocial de contratação colectiva em curso para a B., abrangendo todos os trabalhadores ao seu serviço, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro'.
À data da publicação desse despacho não tinham sido ainda publicadas as alterações ao CCT de 8-7-83 e de 29-9-84.
Tendo sido afastada do processo negocial por despacho da administração de data anterior, não são, pois, aplicáveis à ré as alterações salariais de 1983 e 1984.
Inexiste, pois, o referido crédito de 209 507$00.
Entende também o autor ter um crédito de 1 088 520$00 sobre a ré resultante da indemni- zação pela cessação do contrato de trabalho.
Será assim?
Com a publicação do Decreto-Lei nº 138/ /85, de 3 de Maio, extinguiu-se a empresa pública B, que nessa data entrou em liquidação.
Nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea c), daquele diploma, a extinção da B implica a extinção, por caducidade, de todos os contratos de trabalho em que a empresa seja parte.
Esta norma foi, porém, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional, de
28-3-1995, publicado no D.R., I-A, de 8-5- -1995.
É de referir, no entanto que esta inconstiitucionalidade não é decisiva para a resolução da causa.
Na verdade, independentemente do disposto no referido artigo 4º, nº
1, alínea c), a caducidade dos contratos de trabalho do autor sempre resultaria do disposto no artigo 8º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, segundo o qual o contrato de trabalho caduca nos casos previstos nos termos gerias de direito, nomeadamente verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu serviço ou de a empresa o receber.
Não se vê que esta norma, o falado artigo 8º, nº1, seja inconstitucional, pois limita-se a constatar uma realidade da vida: se à empre- sa se torna impossível, absoluta e definitiva- mente, receber o trabalho do trabalhador, o respectivo contrato laboral caduca, por ser impensável manter uma relação de trabalho com uma empresa que, por exemplo, deixou de existir.
O que, de resto, está em consonância com os 'termos gerais de direito', já que, de har- monia com o disposto no nº 1 do artigo 790º do Código Civil, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
É o caso dos autos.
A ré foi extinta, não por vontade própria, mas por um acto do Estado.
Extinta a empresa, caducou, por isso, o contrato de trabalho do autor.
A caducidade do contrato de trabalho não significa, porém, que o trabalhador não tenha um direito de indemnização pelo dano sofrido com a cessação do vínculo laboral, por aplica- ção analógica da Lei dos Despedimentos.
Manterá o autor este direito?
Tudo depende da solução a dar à questão da remissão abdicativa.
Trata-se de interpretar, para saber qual a eficácia, do documento junto a fls. 33 (e outro não há, ao contrário do expendido pelo recorrente subordinado, que se refere aos recibos de fls. 38 e 39).
Nesse documento de fls. 33, o autor declarou ter recebido da ré, por conta e ordem do Estado Português, a quantia de 517 200$00 e considerou
'integralmente satisfeitos even- tuais direitos de crédito que detenha sobre o património em liquidação em virtude da cessa- ção do seu contrato de trabalho por força da extinção de B'.
Esta declaração do autor foi já posterior à cessação do contrato de trabalho que o ligava à ré, pelo que o problema da indispon bilidade ou irrenunciabilidade da retribuição nem sequer se coloca. O autor, ao tempo, já não era trabalhador da ré.
A remissão, como causa extintiva da obrigação, vem regulada nos artigos 863º e segs. do Código Civil.
Trata-se de um contrato para pôr fim à vida de uma relação obrigacional.
..............................................
..............................................
O autor assinou o recibo de fls. 33, emitindo a declaração que dele consta. A ré, por seu turno, havia emitido o escrito de fls. 47, relativo ao pagamento de compensações, enviando aquele recibo para o autor assinar, se com isso concordasse.
Houve, assim, um contrato, ou seja, um acordo em que as partes se vincularam à produção de efeitos jurídicos, harmonizando os seus interesses, acordo esse que resultou da acei- tação da proposta negocial feita pela ré (cfr. artigos 224º e 232º do Código Civil).
Esse contrato mais não é do que a remissão de qualquer dívida que pudesse haver por parte da ré para com o autor.
Os termos desse contrato, designadamente o recibo assinado pelo autor, traduzem manifestamente a disposição das partes de preveni- rem todo e qualquer contencioso sobre eventuais créditos do autor sobre a ré, fosse qual fosse a sua origem desde que directa- mente relacionados com o extinto contrato de trabalho.
Com a remissão assim operada, extinguiu- -se a obrigação da ré cujo cumprimento é pedi do pelo autor nesta acção.
.............................................'
Do acórdão de que parte substancial acima se encontra transcrita recorreu para o Tribunal Constitucional A, dizendo no requerimento consubstanciador da interposição de recurso que aquele aresto 'recusou a aplicação da norma constante do artº 4º nº 1 alínea c) do Dec. Lei nº 137/85, de
3 de Maio' [parece ter havido lapso na indicação do Dec. Lei nº 137/84, pois que o aresto em sindicância unicamente faz referência ao Decreto-Lei nº 138/85, da mesma data].
Tal recurso foi admitido por despacho do Desembargador Realtor, datado de 19 de Junho de 1995.
2. Dos termos utilizados no requerimento de recurso extrai-se, sem que dúvidas a esse respeito se possam levantar, que o mesmo é fundado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/ /82, de 15 de Novembro, pois que só assim será entendível a locução 'recusou a aplicação da norma...'.
Ora, efectivamente, como deflui da transcrição supra efectuada, no acórdão produzido no Tribunal a quo, muito embora à causa sujeita
à respectiva apreciação fosse, em abstracto, aplicável a norma constante da alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 138/85, o que é certo é que tal dispositivo não foi objecto de aplicação, e isso em virtude de o mesmo, conforme se assinala no aresto, ter já, aquando da sua prolação, sido objecto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, sendo que, no entanto, essa recusa de apllicação não se repercutiu na decisão que foi tomada.
Na verdade, muito embora a norma em apreço tivesse sido objecto de uma recusa de aplicação, o que é certo é que, por uma outra via, a decisão constante do aresto ora impugnado veio a ser, justamente, a mesma que se tomaria caso tal recusa se não tivesse operado, o que significa que o juízo de desaplicação nenhuma influência teve no tocante ao decidido.
Assente estes parâmetros, e sabido que o recurso de constitucionalidade tem uma função instrumental de tal sorte que só será cabido se a decisão sobre a questão de constitucionalidade se repercutir na causa, então, necessariamente, há que reconhecer que o presente recurso nenhuma projecção poderá ter quanto ao desfecho dessa mesma causa, pois que, mesmo que em tese fosse possível conceder provimento ao recurso, nem por isso a decisão tomada na Relação de Lisboa deixaria de ser a mesma.
Daí que se propugne por se não dever tomar conhecimento do objecto do recurso, o que justifica a feitura, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da aludida Lei nº 28/82, da presente exposição.
Cumpra-se a parte final do mencionado nº 1 do artº 78º-
-A.
Lisboa, 2 de Novembro de 1995. Bravo Serra