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Proc. nº 1070/98 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
Por decisão sumária, de fls. 167 e segs., não tomou o Tribunal conhecimento do recurso interposto por I... do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra que indeferira reclamação apresentada pela mesma recorrente de despacho de não admissão do recurso da decisão instrutória, de fls. 28 e segs.
Constitui fundamento da referida decisão o facto de a norma questionada pela recorrente não ter sido aplicada, como razão do decidido, na dimensão interpretativa que a recorrente atribuía ao julgado e a fazia incorrer em inconstitucionalidade material.
É esta a decisão ora reclamada nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da Lei nº. 28/82.
Alega a reclamante:
'A douta decisão reclamada considerou que as normas cuja inconstitucionalidade e ilegalidade foram invocadas não foram aplicadas no despacho recorrido como razão do decidido e, por isso, não admitiu o recurso.
A reclamante entende, todavia, que, muito embora não lhes faça expressa menção, o despacho recorrido pressupõe e acolhe efectivamente a aplicação das normas em causa com a interpretação indicada no requerimento de recurso, assim, implicitamente as aplicando como fundamental razão do decidido. Por isso se afirma, na própria decisão recorrida, que 'o recurso não é admissível porque a decisão instrutória é, tendo havido acusação do M. P., em princípio irrecorrível'.
Acresce que, ao contrário do que considerou a douta decisão reclamada, se o despacho recorrido tivesse recusado a aplicação das normas em causa, cuja inconstitucionalidade na indicada interpretação é invocada, o recurso da decisão instrutória seria forçosamente admitido e subiria ao Tribunal da Relação para ser julgado – que é o que pelo presente recurso se pretende.
Depois, se o Tribunal da Relação, por esse ou por outra razão, o não considerasse admissível, poderia a ora reclamante, ou não reagir contra essa decisão – mas não é isso que neste momento, no presente recurso, está em causa.
Com efeito, objecto do presente recurso é a decisão que não admitiu o recurso considerando que a decisão instrutória pronunciou a arguida pelos mesmos factos por que vinha acusada, decisão que se fundamentou – expressamente (caso do primeiro despacho, proferido pela srª. Juíza de Instrução) ou implicitamente
(caso da decisão proferida em sede de reclamação pelo sr. Juiz Desembargador Presidente da Relação de Coimbra) – na norma cuja inconstitucionalidade e ilegalidade vêm aqui invocadas.'
Em resposta, sustenta o Ministério Público que a reclamação deve ser desatendida e confirmada a decisão sumária.
Cumpre decidir.
2 – Como claramente se evidenciou na decisão sumária, o despacho recorrido assentou em que, arguida a nulidade da decisão instrutória por alteração substancial dos factos constantes da acusação, não caberia recurso desta decisão mas tão só do despacho que viesse a julgar a alegada nulidade, tudo por força do disposto nos artigos 310º nº. 2 e 410º nº. 3 do Código de Processo Penal (CPP).
Ora, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal pedia a recorrente a apreciação da ilegalidade e inconstitucionalidade das normas dos artigos 687º nº. 3 do Código do Processo Civil e 310º nº. 1 do CPP
'interpretadas e aplicadas (...) no sentido de permitirem ao juiz que proferiu a pronúncia decidir que a mesma se baseia nos factos descritos na acusação pública e é por isso irrecorrível, consequentemente lhe permitindo indeferir o requerimento de interposição de recurso'.
É, assim, manifesto que esta interpretação/aplicação dos citados preceitos legais não têm qualquer atinência ao despacho recorrido que, em parte alguma, alicerça a sua decisão de não admissão do recurso no poder do juiz que emite a decisão instrutória se pronunciar no despacho de (não) recebimento do recurso sobre a alegada alteração substancial dos factos.
Conforme o despacho impugnado, não fica o arguido impedido de impugnar a decisão que ulteriormente vier a pronunciar-se sobre a nulidade respeitante à aludida alteração, situação diversa da da (ir)recorribilidade da decisão instrutória nos termos do artigo 310º nº. 1 do CPP.
É certo que no mesmo despacho se diz que 'na fase em que o processo se encontra, o recurso não é admissível, porque a decisão instrutória é, tendo havido acusação do M. P., em princípio irrecorrível'.
Mas não era esta, como agora a reclamante pretende fazer crer, a questão de constitucionalidade suscitada. Ela não se reportava à inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade da decisão instrutória mas – repete-se – à interpretação dessa norma no sentido da decisão sobre a admissibilidade do recurso radicar num juízo formulado pelo próprio autor da decisão instrutória impugnada sobre a (in)existência de alteração substancial dos factos.
Interpretação esta que – como se demonstrou na decisão reclamada e agora se confirma – se não mostra acolhida no despacho recorrido como razão do julgado.
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 9 de Março de 1999 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa