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Proc. nº 657/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente E... e como recorrido o Ministério Público, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 68/99, de 3 de Fevereiro de 1999, decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso, em virtude de o tribunal recorrido não ter aplicado as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada [artigos 410º, nº 2, alínea b), 426º 436º do Código de Processo Penal].
2. O recorrente vem agora requerer a aclaração do Acórdão nº 68/99, pretendendo que o Tribunal esclareça se considerou, no Acórdão aclarando, que as normas contidas nos artigos 410º, 426º 436º do Código de Processo Penal não foram apenas aplicadas pela decisão recorrida, sendo porém aplicáveis em abstracto, ou se considerou que tais normas não poderiam ter sido aplicadas, por não terem como destinatário o tribunal que realizou o segundo julgamento, caso em que o Tribunal Constitucional teria então aplicado tais normas em sentido inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 29º, nº 2 e 32º, nºs 1 e
5, da Constituição.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da presente aclaração, uma vez que o Tribunal Constitucional não tem de se pronunciar sobre se as normas impugnadas seriam abstractamente aplicáveis, mas tão só averiguar se essas normas foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
3. A aclaração da sentença visa o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha [cf. artigo 669º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável no presente recurso de constitucionalidade por força do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional].
No recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o Tribunal procede à apreciação da conformidade à Constituição de normas aplicadas pela decisão recorrida (cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pela recorrente durante o processo). Assim, o Tribunal Constitucional deve averiguar se o tribunal a quo procedeu ou não no caso concreto (trata-se de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade) à aplicação das normas impugnadas. Tal averiguação traduz- se numa tarefa interpretativa da decisão recorrida, cujo resultado será um dos seguintes: ou a norma foi aplicada pela decisão impugnada ou não o foi. Se se concluir que a norma foi aplicada, verifica-se o pressuposto processual do recurso interposto, procedendo-se, consequentemente, à apreciação da conformidade à Constituição da norma (uma vez verificados os demais pressupostos processuais). Se a conclusão for negativa, falta o pressuposto processual consistente na aplicação pela decisão recorrida da norma impugnada, não tomando o Tribunal, nessa medida, conhecimento do objecto do recurso, pois faltando esse pressuposto processual, qualquer juízo do Tribunal Constitucional sobre a norma impugnada não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, dado aquela não ter sido a ratio decidendi desta.
Ora, nos presentes autos, o Tribunal Constitucional concluiu que a decisão recorrida não aplicou as normas impugnadas. Do Acórdão aclarando resulta clara e expressamente que tal conclusão, devidamente baseada na interpretação do acórdão recorrido, foi o fundamento da decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto.
O reclamante pretende que o Tribunal Constitucional esclareça se o Acórdão nº 68/99 considerou que as normas impugnadas não poderiam ser aplicadas por não terem como destinatário o tribunal que efectuou o segundo julgamento.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 68/99, ao averiguar se a decisão recorrida fez ou não aplicação das normas impugnadas, não pôde deixar de atender aos próprios fundamentos da não aplicação das normas pelo tribunal a quo. Com efeito, verificar se uma decisão faz ou não aplicação de uma dada norma não consiste apenas na detecção de uma referência expressa a essa norma no texto da decisão, implicando antes a demonstração material de que a decisão jurídica não teve por fundamento a norma em questão. Nessa demonstração, há-de ter-se, necessariamente, em conta o conteúdo normativo do próprio preceito que se pretende saber se foi aplicado. Contudo, o Tribunal Constitucional não procede à aplicação dessa norma. Com efeito, apenas a convoca como elemento interpretativo da própria decisão recorrida. Assim, é sempre à interpretação do acórdão recorrido que o Tribunal Constitucional procede e não à aplicação de uma qualquer dimensão normativa do preceito infraconstitucional.
De acordo com o exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 68/99, apenas procedeu à verificação do pressuposto processual do recurso, pressuposto consistente na aplicação pela decisão recorrida da norma impugnada pelo recorrente.
4. A questão de constitucionalidade que o reclamante pretende suscitar no requerimento de aclaração não tem, deste modo, qualquer pertinência no presente momento processual. Ela apenas poderia ter sido suscitada com oportunidade em eventual recurso de constitucionalidade do primeiro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 1996 que aplicou efectivamente a norma dos artigos 410º, nº 2, alínea b), 426º e 436º do Código de Processo Penal.
5. Conclui- se, pois, que o Acórdão aclarando não enferma de qualquer obscuridade ou ambiguidade que cumpra esclarecer, pelo que a presente aclaração deve ser indeferida.
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a aclaração requerida, confirmando, consequentemente, o Acórdão aclarando.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs. Lisboa, 16 de Março de 1999 Maria Fernanda Palma Artur Maurício Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa