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Proc. nº 266/97
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. J... interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, de 7 de Março de
1995, que o posicionou em 34º lugar na graduação de concorrentes necessários ao STJ.
Considerou, para tanto, que aquela deliberação era, desde logo, nula, nos termos do disposto no artigo 133º, nº 1, alínea h), do Código de Procedimento Administrativo, por violação de caso julgado, concretamente,
«violação do acórdão do STJ de 26.5.1994, transitado em julgado» - o qual, considerando procedente o recurso então intentado pelo também ora recorrente, havia anulado a anterior deliberação do plenário do mesmo CSM de 30 de Junho de
1992 que, na mesma graduação, o posicionara em 45º lugar -, porquanto tal deliberação violava «de modo grosseiro» aquele aresto. O recorrente entendeu, com efeito, que o CSM não atendera aos seus índices de mérito, reconhecidos no referido acórdão como «superiores aos de todos os concorrentes situados entre o
26º e o 44º lugares, inclusive», e «sensivelmente semelhantes aos dos concorrentes» graduados em 24º e 25º lugares, pelo que, funcionando depois, entre eles, o critério da antiguidade, e visto que o recorrente era mais antigo que os concorrentes posicionados nos mencionados 24º e 25º lugares, seria inquestionável que o respeito pelo acórdão do STJ deveria levar o CSM a graduar o recorrente em 24º lugar.
E, para o caso de assim se não entender, considerou ainda que a mesma deliberação padecia dos vícios de forma e de violação de lei: aquele, por
«falta de fundamentação» da deliberação recorrida; e este, por «erro manifesto ou grosseiro de interpretação e aplicação dos critérios de graduação».
Contestando, o CSM entendeu que, estando-se «perante um caso de discricionaridade técnica em que um dos pressupostos a atender são os trabalhos apresentados, comparados entre os diversos concorrentes», fora essa a razão da decisão recorrida, não padecendo a mesma de qualquer vício.
2. Juntas alegações pelo recorrente e pelo recorrido, veio o Ministério Público, para além do mais, sustentar que deixara de ter sentido útil o prosseguimento e conhecimento do objecto do recurso, uma vez que o recorrente, entretanto, já fora nomeado juiz-conselheiro do STJ e se jubilara.
É que, embora tal graduação se traduza, «enquanto corolário de uma carreira na magistratura, num interesse extremamente válido, quer moral, quer academicamente», tal «se repercute apenas em termos estritamente subjectivos e como tal desmerecedores de tutela jurídica», pelo que o recorrente perdera o interesse em agir.
3. Notificado deste parecer, veio, então, o recorrente, na sua resposta, suscitar a questão da incompetência do STJ, nos seguintes termos:
[...] a 2ª revisão constitucional modificou este estado de coisas, consagrando no artº 211º, nº 1, al. b), do novo texto constitucional a obrigatoriedade da existência de tribunais administrativos e fiscais. E visto que tais tribunais passaram a ser de existência obrigatória, a CR deixou de relegar implicitamente para a lei ordinária a fixação da sua competência, estabelecendo-a directamente, o que fez no nº 3 do artº 214º.
Ora, segundo este preceito, a competência destes tribunais é delimitada pela natureza administrativa dos conflitos a dirimir, na linha do artº 3º do ETAF, preceito que lhe serviu de modelo. (...)
E, visto que o nº 3 do artº 214º da Constituição não comporta qualquer excepção, a norma do artº 168º, nºs 1 e 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho (que substituiu o artº
175º da Lei nº 87/77), tornou-se materialmente inconstitucional.
Donde decorre que a competência para o recurso dos actos administrativos do CSM cabe aos tribunais administrativos.
No tocante à questão da falta de interesse em agir, embora reconhecendo que nenhum interesse patrimonial se encontrava em jogo, uma vez que, à data da graduação, exercia funções como juiz-conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente sustentou que «o entendimento de que os juízes jubilados, por o serem, perdem o interesse processual em prosseguir recursos contenciosos de declaração de nulidades ou de anulação que hajam interposto de deliberações de graduação para acesso ao STJ implica a inconstitucionalidade material do artigo 67º, nºs 1 e 2, do referido Estatuto, por violação do PRINCÍPIO DA IGUALDADE, consagrado no artº 13º da Constituição da República».
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da excepcionada incompetência.
Por acórdão de 8 de Abril de 1997, em conferência, o STJ julgou improcedente a arguição de incompetência e extinto o recurso, nos termos do artigo 287º, alínea e), do CPC.
Aí se entendeu, além do mais, que «ao consagrar na Constituição a competência dos tribunais administrativos, aquando da revisão de 1989, não se pretendeu reduzir as garantias de independência e auto-gestão da Magistratura Judicial, subtraindo ao STJ a competência em causa». E, no tocante à questão do interesse processual, afirmou-se nesse aresto:
(...) o recorrente, uma vez jubilado, deixou de possuir, quanto à sua graduação para o STJ, aquele interesse profissional objectivo a que a lei atende no concurso e que, por isso, é o único juridicamente relevante, como razão de ser dela.
Embora respeitável, o interesse de ordem moral, invocado pelo recorrente, é meramente subjectivo e desprovido de tutela jurídica, por não abrangido pela finalidade legal da graduação.
É que os interesses de ordem moral só gozam de protecção, nos casos em que a Ordem Jurídica lhes reconhece relevância para tanto. Como sucede, v. g., com o direito à reparação dos danos não patrimoniais, previsto no artº 496º do Código Civil só para aqueles que assumam certa gravidade.
Equivale isto a dizer que o recorrente, com a jubilação, deixou de ter o interesse processual necessário para fazer prosseguir o recurso. Perdeu o chamado 'interesse em agir', que tanto a jurisprudência como a doutrina consideram indispensável pressuposto da lide, traduzindo a utilidade em sentido
útil da demanda, assente numa necessidade desta, justificada e bastante, que vai além da legitimidade inicial e dos interesses apenas subjectivos.
4. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação das questões de inconstitucionalidade:
- «do artº 168º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais – Lei nº 21/85, de 30.7.1985 -, por violação do artº nº 214º, nº 3, da Constituição»;
- e «do artº 67º, nºs 1 e 2, do mesmo Estatuto, por violação do princípio da igualdade».
Já neste Tribunal, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1ª- O disposto no artº 168º, nºs 1 e 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais é materialmente inconstitucional por violação do prescrito no nº 3 do artº 214º, em conjugação com o preceituado no nº 2 do artº 113º, ambos da Constituição;
2ª- O entendimento de que os magistrados judiciais perdem, pela sua jubilação, o interesse em agir em recursos contenciosos interpostos contra actos do Conselho Superior da Magistratura, praticados no âmbito de concursos de graduação para acesso a juiz do Supremo Tribunal de Justiça, implica a inconstitucionalidade material do disposto no nº 2 do artº 67º do mesmo Estatuto, por violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artº 13º, em conjugação com o artº 20º, nº 1, ambos da Constituição.
Por sua vez, o recorrido CSM concluiu pela não inconstitucionalidade de qualquer dos normativos apontados.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
5. No tocante à norma do artigo 67º, do EMJ, o recorrente veio, nas suas alegações, de forma clara e inequívoca, restringir o objecto do recurso apenas à norma contida no seu nº 2, o qual dispõe o seguinte:
Os magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem asistir de traje profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço activo.
Pois bem: o que o recorrente considera inconstitucional é «o entendimento de que os magistrados judiciais perdem, pela sua jubilação, o interesse em agir em recursos contenciosos interpostos contra actos do Conselho Superior de Magistratura, praticados no âmbito de concursos de graduação para acesso a juiz do Supremo Tribunal de Justiça». E o que se entendeu na decisão recorrida foi que «o recorrente, com a jubilação, deixou de ter o interesse processual necessário para fazer prosseguir o recurso. Perdeu o chamado
'interesse em agir'».
Como aí se pode ler:
Com a jubilação, o magistrado conserva os deveres estatutários, mantendo também os títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria – conforme dispõe o artº 67º do EMJ. Porém, desligado como fica do serviço activo, passa a não depender dos efeitos que a sua graduação em concursos podia projectar sobre o respectivo percurso profissional como juiz.
Só que não é, obviamente, a norma do artigo 67º do EMJ que estabelece as regras atinentes à legitimidade para a interposição dos recursos e, designadamente, não é dela que se pode extrair, de qualquer modo, o princípio da exigência do interesse em agir, do qual resulta que a sua cessação consequencia a inutilidade superveniente da lide. O mencionado artigo 67º, nº 2, apenas foi citado para se apontar o estatuto dos jubilados – é, assim, uma norma que estabelece um regime material.
Ora, o que o recorrente questiona não é o conteúdo desse estatuto dos jubilados, fixado naquele artigo 67º, nº 2. O que ele contesta é a norma adjectiva atinente ao «interesse em agir», interpretada de modo a excluí-lo relativamente àqueles que se encontrem na referida situação, isto é, sujeitos ao mencionado regime material. A norma sobre o interesse em agir não se encontra, pois, vertida no preceito indicado pelo recorrente, mas naqueles que consagram o interesse processual, ou interesse em agir, como fundamento de legitimidade processual (cfr. artigo 46º, 1º, do Regulamento do STA, e artigo 26º do Código de Processo Civil).
Quer isto dizer que o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma – referida a um concreto preceito legal – efectivamente aplicada pela decisão recorrida, pelo que se verifica a falta de um pressuposto essencial para o conhecimento do recurso: nos termos do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC e no artigo 281º, nº1, alínea b), da Constituição, aquele só pode ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Não se pode, pois, conhecer do recurso, nessa parte.
6. Por fim, quanto à questão de inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 168º do EMJ, já este Tribunal se pronunciou sobre a mesma, no Acórdão nº 374/97 (Diário da República, II série, de 25 de Julho de
1997) e, mais recentemente, nos Acórdão nº 687/98 (ainda inédito, de que se junta cópia aos autos), concluindo pela não inconstitucionalidade daquela norma.
É esse julgamento de não inconstitucionalidade que aqui se reitera, pelos fundamentos constantes dessa jurisprudência.
III – DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, na parte em que dele se toma conhecimento. Lisboa, 3 de Março de 1999 Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa