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Proc. nº 27/99 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
C..., S.A ., intentou no tribunal cível da comarca de Lisboa acção ordinária contra E..., Lda. pedindo que:
· se declarasse que o contrato celebrado com a Ré , em 30/12/58, mediante o qual a esta fora cedido, pela quantia mensal de 4.000$00, o exclusivo de ocupação, durante o prazo de 5 anos e para os fins de publicidade luminosa, da parte do telhado correspondente à fachada voltada ao Largo D. João da Câmara do prédio, de que a A . é proprietária, sito em Lisboa com frente para a Praça D. João da Câmara nº. 4 e lados para a Praça D. Pedro IV e Rua 1º de Dezembro, se extinguiu automaticamente ou de pleno direito e sem efeito retroactivo, por caducidade imprópria, em consequência ou por efeito irrecusável da respectiva denúncia feita pela A . à R. tempestivamente e por forma adequada e convencionada, e ainda por não se haver renovado a coberto do artigo 1056º do Código Civil, atenta a correspondente oposição bastante da A ., extinguindo-se assim tal contrato no fim do prazo estipulado para o atinente período de renovação contratual então decorrente, ocorrido em 30 de Setembro de 1989, conforme entendimento concorde da A . e da R., e ainda que o termo final desse período de renovação contratual houvesse de ocorrer em 1/7/90.
· ou subsidiariamente, se declarasse que aquele contrato caducou
'proprio sensu', pelo decurso do aludido prazo de renovação contratual, verificadas que foram as ditas denúncia e oposição da A .
· e que a R. fosse condenada a proceder à imediata desmontagem de todo o material instalado na referida parte do telhado e para o reclamo luminoso
'Sagres', inclusive da coluna montada que da portinhola liga a instalação ao sector das Companhias Reunidas Gás e Electricidade (hoje EDP), deixando o telhado no estado de perfeita conservação em que se encontrava ao tempo da celebração do mesmo contrato, e entregando à A . , inteiramente livre e desocupada, a dita parte do telhado que antes lhe estava locada. A acção foi julgada improcedente e da respectiva sentença apelou a A . para a Relação de Lisboa. Por acórdão documentado a fls. 38 e segs., o recurso foi provido, julgando-se a acção procedente e declarando-se denunciado o 'referido contrato de arrendamento'. Para tanto, o dito acórdão, suprindo nulidade por omissão de pronúncia, começou por entender que ocorrera uma impossibilidade legal superveniente de cumprimento do contrato – o que levava à extinção da obrigação da autora nos termos do artigo 790º nº. 1 e 795º nº. 1 do Código Civil – radicando tal impossibilidade no artigo 46º do Regulamento sobre Publicidade, publicado no Suplemento do Diário Municipal nº. 15.823, de 26/2/90, que estabeleceu que não podem ser renovadas as licenças que, à data da entrada em vigor do Regulamento, não estivessem conformes com os princípios nele contidos. Acrescentou que 'houvesse ou não licença camarária' ao contrato não poderia ser aplicado o disposto no artigo 1095º do Código Civil (o anúncio colocado num telhado não poderia ser considerado um estabelecimento comercial), sendo-lhe aplicáveis as regras gerais do contrato de locação nos termos dos artigos 1022º e segs. do mesmo Código, podendo esse contrato ser livremente denunciado nos termos do artigo 1055º: Escreveu-se, ainda:
'A lei actual é, aliás, bem clara: o RAU não é aplicável aos arrendamentos dos espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, salvo quando realizados em conjunto com arrendamento de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio (artigo 5º nº. 2 alínea r) do RAU). Esse regime é aplicável aos contratos celebrados no domínio da lei antiga, por força do disposto na 2ª parte do nº. 2 do artigo 12º do Código Civil (...)'. A R. interpôs então recurso de revista deste acórdão. Nas suas alegações sustentou então a recorrente, entre outros fundamentos que para o caso não interessam, o seguinte:
· que o arrendamento em causa é comercial nos termos do artigo 110º do RAU, pelo que o acórdão violara este preceito ao não entender assim e ao decidir que o contrato não estava sujeito à regra do artigo 1095º do Código Civil.
· que o artigo 12º nº. 2 do Código Civil se não aplica ao artigo 5º nº.
2 al. e) do RAU já que, se a nova lei fosse de aplicação imediata, tal representaria uma agressão ao princípio da liberdade contratual.
· que, mesmo sendo o referido preceito do RAU imediatamente aplicável, ele não terá aplicação ao contrato em apreço, uma vez que este, pela sua natureza, está submetido às regras vinculísticas que regulam os arrendamentos para comércio ou indústria.
· que o mesmo artigo 5º nº. 2 alínea e ) do RAU, ao conter matéria inovadora que vem retirar do âmbito do artigo 1095º do Código Civil, hoje revogado pelo RAU, arrendamento para afixação de publicidade e inseri-los no
âmbito das normas gerais da locação civil, tornando desta forma aqueles contratos livremente denunciáveis, matéria esta que é da competência da Assembleia da República sem que este órgão tenha autorizado o Governo a criar aquele regime excepcional, é organicamente inconstitucional pois invade a esfera própria da competência da Assembleia da República, por violação do artigo 168º, nº. 1, alínea h) da CRP. Pelo acórdão documentado a fls. 84 e segs., o STJ negou a revista. Apreciando as 'questões substantivas' sustentadas pela recorrente, o acórdão acaba por reconduzi-las à qualificação do contrato em causa – arrendamento comercial ou não – 'para daí se aferir se o mesmo se assume ou não como um arrendamento vinculístico; será a partir daqui que se cairá no problema, como assim, da aplicação ao mesmo do regime dos artigos 1095º e 1112º do C. Civil – ou das correspondentes disposições do RAU – ou, antes, do seu enquadramento nas regras gerais de locação (art. 1022º e segs. C. Civ.) e, como tal, livremente denunciável pelo senhorio nos termos gerais dos arts. 432º, 1054º e 1055º, também do C. Civ.' E, depois de qualificar o contrato como arrendamento, repete o aresto:
'O problema consistirá, assim, em, dentro de tal classificação em geral, concluir se se trata de um arrendamento comercial e como tal sujeito ao regime vinculístico entretanto consagrado no art. 1095º cit. – abrangente de toda a secção VIII do capítulo IV do C. Civ., onde se compreendiam os arrendamentos para comércio e indústria previstos no seu art. 1112º - e agora no RAU (v.g. art. 68º e 118º) impeditivo, como assim, da cláusula contida no artigo segundo referido (pelo que se refere ao senhorio pois tal cláusula seria ferida de nulidade nos termos dos arts. 398º nºs. 4 e 5, 280º e 284º do C. Civ.) ou se se trata antes de um arrendamento enquadrável nas disposições gerais dos arts.
1022º e segs. – secção I e VII inclusive daquele mesmo capítulo – e, desse modo, denunciável por aquele mesmo senhorio, verificado que seja o mesmo condicionalismo dos cits. arts. 1054º e 1055º.' O acórdão resolve a questão não qualificando o contrato como comercial e enquadrando-o no regime da locação em geral. E acrescenta:
'Tais contratos de arrendamento, como o presente, não estavam já pelo direito anterior ao mencionado RAU, aprovado pelo DL nº. 321-B/90 de 15/10, sujeitos ao regime vinculístico não valendo quanto a eles a proibição de denúncia que o cit. art. 1095º estabelecia'. E conclui:
'Portanto, já no direito anterior ao RAU, sob cuja vigência a Ré fez à A . a declaração de que não queria a renovação do contrato de arrendamento, conforme a cláusula nele estipulada e para produzir efeitos ainda nessa mesma vigência, não era aplicável a este tipo de locação a regra da proibição da denúncia pelo senhorio, estabelecida no art. 1095º citado, sendo válida aquela cláusula, por não violadora do preceito do artigo 1055º nº. 1 alínea b) e 2 do C. Civil'
(sublinhado nosso). No que concerne à questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, considerou o acórdão prejudicado o seu conhecimento nos seguintes termos:
'Mediante a solução dada à questão da qualificação do contrato, logo se vê como as disposições que entendemos ser-lhe aplicáveis – nomeadamente quanto à possibilidade de denúncia por parte do senhorio – continuam em vigor quer face ao disposto no artigo 3º do cit. DL 321-B/90, quer face ao nº. 1 do art. 5º do RAU, aprovado pelo art. 1º do mesmo Decreto-Lei. Deste modo, está obviamente prejudicado o conhecimento da questão de inconstitucionalidade da norma da cit. al. e) do nº. 2 daquele cit. art. 5º enquanto referenciado ao também citado art.
12º nº. 2 do C. Civ., motivo pelo qual se não conhece dessa mesma questão (art.
660º nº. 2, 713º nº. 2 e 726º)'. Termina nos seguintes termos:
'Termos em que vai negada a revista para ficar mantido o acórdão recorrido embora por uma motivação não inteiramente coincidente'. A recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82. No respectivo requerimento indicou a norma do art. 5º nº. 2 al. e) do RAU como sendo aquela cuja inconstitucionalidade (por violação do disposto no artigo 165º nº. 1 al. h) da CRP) suscitara e pretendia ver apreciada por este Tribunal. O recurso não foi admitido pelo despacho documentado a fls. 102, nos seguintes termos:
'Na economia do acórdão de fls. 397 e segs. a questão da possível inconstitucionalidade do art. 5º nº. 2 al. e) do RAU foi dada como prejudicada e, por isso, dela não se conheceu; assim como a mencionada disposição não foi objecto de aplicação no mesmo acórdão pelos motivos do mesmo constantes. Deste modo, não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional por não se verificar o condicionalismo do art. 70º nº. 1 al. b) da Lei nº. 28/82 de 15/11, disposição esta em que o requerente estriba o seu requerimento de interposição do recurso para aquele Tribunal que, por isso mesmo também é manifestamente infundado. Termos em que, face ao disposto no nº. 2 do art. 76º da cit. Lei vai o requerimento em apreço desde já indeferido'.
É deste despacho que vem apresentada a presente reclamação nos termos do art.
76º nº. 4 da Lei nº. 28/82. A reclamante sintetiza os fundamentos da sua reclamação, nos seguintes termos:
'1 – A questão central do presente processo sempre foi – e continua a sê-lo – o de saber se o contrato de arrendamento urbano em questão nos autos estará (ou não) sujeito ao regime geral que impõe a renovação obrigatória do contrato a favor do inquilino.
2 – Conforme o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de afirmar, de forma perfeitamente incontroversa, 'as condições e causas de extinção do contrato de arrendamento urbano é regime dessa mesma figura negocial...'
3 – O Tribunal da Relação de Lisboa – na esteira de jurisprudência do S.T.J., a qual foi citada, atente-se – decidiu que a cláusula contratual que no caso concreto dos autos permitiria ao senhorio denunciar o contrato seria válida pois o contrato seguia o regime geral da locação civil por força da aplicação da norma do artigo 5º/2/e) do RAU introduzido pelo D.L. nº. 321-B/90 de 15 de Outubro.
4 – Nas alegações de recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, veio a reclamante, aí recorrente, levantar um incidente de inconstitucionalidade reportado a essa norma.
5 – O Supremo Tribunal de Justiça veio confirmar a decisão da Relação decidindo que seria mesmo o regime geral da locação civil aquele a que estaria sujeito o contrato de arrendamento em questão.
6 – E este mesmo S.T.J. decide, de forma perfeitamente paradigmática, não conhecer da inconstitucionalidade suscitada pela reclamante, aí recorrente.
7 – E, logo de seguida, de forma insólita, indefere mesmo a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, no despacho aqui reclamado.
8 – Conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional e, por todos, o acórdão nº. 481/94, in Diário da República, II Série, nº. 289, de 15 de Dezembro de
1994, onde se decidiu que deve adoptar o Tribunal Constitucional uma 'visão substancial das coisas', sustentando-se 'que há recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos Tribunais que aplicam o regime estatuído pela norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, mesmo quando essa aplicação é feita sob a invocação de outro ou outros preceitos jurídicos', pelo que o recurso interposto não poderia, legalmente, ser indeferido.
9 – Nem de outra forma se poderia entender pois, caso contrário, todas as decisões que a Relação tomasse seguindo a esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (o que acontece na maioria dos casos) e viesse a ser confirmada por este último Tribunal, embora por fundamentos diversos, e não obstante se levantarem questões de (in)constitucionalidade estas últimas viriam a cair em 'saco roto' e, desse modo, ir-se-ia firmando jurisprudência nos tribunais superiores sem qualquer espécie de controle por parte do Tribunal Constitucional a quem cabe, nos termos constitucionais, a incumbência de decidir, em última instância, essas mesmas questões de (in)constitucionalidade.
10 – Salvo o devido respeito entrar-se-ia num círculo vicioso que levaria a uma actuação desconforme com a própria função jurisdicional.
11 – Salvo melhor opinião o que aqui se passou é um exemplo disso mesmo que, em si, e por razões óbvias, não deixa de constituir um risco para o Estado de Direito.
12 – No mínimo, o despacho aqui reclamado é ilegal por todos os fundamentos já invocados na presente peça.'
2 – De acordo com o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a norma cuja inconstitucionalidade (orgânica) a recorrente pretende ver apreciada é a que consta do artigo 5º nº. 2 alínea e) do RAU, nos seguintes termos:
'Para os termos e efeitos do disposto no artigo 75º-A/2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a norma cuja inconstitucionalidade foi e é suscitada é a do artigo
5º/2/e) do RAU, norma essa que é organicamente inconstitucional pois o Governo ao aprovar tal norma excedeu os limites impostos na Lei 42/90, de 10 de Agosto e nomeadamente o seu artigo 2/c), pelo que invadiu a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e, desse modo, violou o disposto no artigo 165º/1/h) da C.R.P.' Como se viu, o recurso não foi admitido pelo despacho ora reclamado com fundamento em que aquela norma não fora aplicada no acórdão certificado a fls.
84 e segs. Ora, a confirmar-se um tal fundamento, impor-se-á, seguramente, o indeferimento da reclamação. Isto porque a admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82 está condicionada à verificação, entre outros, do requisito de a norma em causa ter sido aplicada, explicita ou implicitamente,, na decisão impugnada, como fundamento do julgado. E, tratando-se de um 'recurso', meio de impugnação de uma determinada decisão judicial, é na concreta decisão recorrida que haverá de verificar-se a efectiva aplicação da dita norma. Por outras palavras, na sucessão de decisões judiciais recorridas no processo, releva apenas, para verificação do aludido requisito, a que foi directamente impugnada no recurso para o Tribunal Constitucional.
Nesta medida, deverá entender-se preenchido o mesmo requisito quando o acórdão recorrido confirma, nos seus precisos termos, a decisão judicial então em causa que tenha feito aplicação da norma pretensamente inconstitucional ou, denegando provimento ao recurso, o faça assente em fundamentos de direito que se traduzam na aplicação - não feita na decisão impugnada - dessa norma.
É, na verdade, a última decisão, com a sua concreta fundamentação, que prevalecerá na ordem jurídica e é, assim, por ela que se deverá aferir a afectação da parte pela aplicação da norma que ela entende contrária à Constituição.
Seria, de facto, absurdo, que se abrisse o recurso de constitucionalidade por via da aplicação da norma arguida de inconstitucional em decisão judicial anterior que, embora confirmada, o vem a ser com fundamentos que, expressa ou implicitamente, afastam a aplicação dessa mesma norma.
Importa, por último acentuar que, para efeitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade não releva, decisivamente, o facto de a decisão recorrida não conhecer da questão de constitucionalidade suscitada nos casos em que o devia ter sido.
E aceita-se, também, tal como defende a reclamante e conforme jurisprudência deste Tribunal, a admissibilidade do recurso quando a decisão recorrida não deixa de aplicar o regime estatuído pela norma cuja inconstitucionalidade se suscita, ainda que essa aplicação seja feita sob a invocação de outro ou outros preceitos jurídicos (cfr. Acórdão nº 481/94 in DR, II Série, de 15/12/94).
Da leitura do acórdão recorrido resulta, desde logo, patente que nele não é feita qualquer aplicação expressa do artigo 5º nº 2 alínea e) do RAU e que se considerou prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade da norma contida naquele preceito.
Ora, pelo que deixou dito, a questão fulcral da presente reclamação acaba por residir em saber se uma tal decisão de não conhecimento foi decorrência lógica dos fundamentos em que assentou a denegação da revista, ou seja, se a esta é de todo alheia a citada norma ínsita no artigo 5º nº 2 alínea e) do RAU.
O discurso fundamentador do acórdão recorrido radica, basicamente, na qualificação do contrato de arrendamento em causa, mais concretamente, se ele
é ou não um contrato de arrendamento comercial; feita a qualificação, logo se determinaria a legalidade da denúncia efectuada pela A. do mesmo contrato, questão a que as partes davam resposta diversa: para a A a denúncia era válida, por força do disposto nos artigos 1054º e 1055º do Código Civil. para a R., ora reclamante, legalmente inadmissível por força do artigo 1095º do mesmo Código.
O acórdão recorrido não qualifica o dito contrato como de arrendamento comercial, sujeito ao regime vinculístico, mas como enquadrável nas disposições gerais dos artigos 1022 e segs do Código Civil.
E assim o faz no quadro normativo vigente na altura em que a declaração da A. de não renovação do contrato foi efectuada e para produzir efeitos nesse mesmo quadro - anterior à publicação do RAU - por interpretação das normas contidas no Código Civil respeitantes ao contrato de locação e com apelo a doutrina expendida em data muito anterior à daquela publicação (Antunes Varela in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, pág. 83).
Para a qualificação do contrato e pertinente regime legal não há, deste modo, qualquer apelo relevante - relativo, designadamente, à sua possível natureza interpretativa - à norma cuja constitucionalidade a reclamante questionou e que, dispondo sobre as normas aplicáveis ao arrendamento urbano, exclui da aplicação do disposto no RAU 'os arrendamentos de espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, armazenagem, parqueamento de viaturas, ou outros fins limitados, especificados no contrato, salvo quando realizados com arrendamentos de locais para habitação ou para o exercício do comércio'
O conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente ficaria, pois, como de resto ficou, prejudicado, já que ele, e qualquer que fosse o seu resultado, nunca tangeria o fundamento do decidido.
A situação é aqui substancialmente diversa da que foi objecto do Acórdão deste Tribunal nº 115/98 que a reclamante chama em apoio da sua tese.
Na verdade, o que estava então em causa era, no essencial, a norma constante do artigo 1083º do Código Civil que, no despacho de não admissão do recurso, se dizia não ter sido aplicada no acórdão recorrido; este fundamento não o acolheu o Tribunal Constitucional, no acórdão que deferiu a reclamação, por entender que, afastada pelo STJ a aplicação da regra do artigo 1095º do mesmo Código (que obsta à denúncia do contrato de arrendamento), tal implicava o prévio enquadramento do contrato em alguma das excepções do nº 2 daquele artigo
1083º.
Ora, no caso em apreço, afastada também no acórdão recorrido a aplicação do artigo 1095º, não é já a norma do artigo 1083º (revogado pelo artigo 3º do DL nº 321-B/90) que a reclamante questiona, mas a do artigo 5º nº 2 alínea e) do RAU que, não sendo expressamente fundamento do decidido, não constitui, também, necessário pressuposto (implícito) do julgado. Com efeito, se a determinação do regime aplicável ao contrato, em matéria de denúncia, de igual modo pressupôs a qualificação do mesmo contrato, a verdade é que esta se não baseou no disposto no citado artigo 5º nº 2 alínea e) do RAU e aquela assentou, como bem assinala o Exmo Magistrado do Ministério Público, em regras de direito transitório (artigo 12º do Código Civil), tendo claramente em conta o momento em que a A. fez a declaração de não renovação do contrato. Nenhum reparo merece, pois, o despacho reclamado.
3 - Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 9 de Março de 1999 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa