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Proc. nº 446/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. L..., notificado da Conta de Custas nº 49 (fls. 599 e ss.), reclamou junto do Tribunal Judicial de Silves.
A reclamação da conta foi indeferida por despacho de fls. 608.
2. L... interpôs recurso do despacho de fls. 608 para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas respectivas alegações, o recorrente sustentou que as normas contidas nos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, são inconstitucionais, por violação do artigo 62º da Constituição. Nas conclusões, afirmou também que as normas dos artigos 138º e
139º do Código das Custas Judiciais violam o artigo 62º da Constituição.
O recurso foi julgado deserto, pelo que L... recorreu também desse despacho.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 15 de Janeiro de
1998, decidiu revogar o despacho que julgou deserto o recurso, negando provimento ao recurso do despacho que indeferiu a reclamação da conta de custas.
3. L... interpôs recurso do acórdão de 15 de Janeiro de 1998 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) da Lei do Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento o recorrente indicou as normas contidas nos artigos 8º, nº 1, alínea s), 126º, nº 2, 138º e 139º, do Código das Custas Judiciais.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente alegou, concluindo, o seguinte: Primeira O Acórdão recorrido ao aceitar a CONTA efectuada em 29.1.96, a fls. 598 a 600, permite que o expropriado seja pura e simplesmente esbulhado do seu terreno, não recebendo indemnização e ainda tendo de pagar 85.899$00 e outros valores relativos a custas subsequentes.
Segunda O Acórdão recorrido, na sua tecnicidade formal e errada, permite um 'furto legal' a favor do ESTADO, que obtém um enriquecimento sem causa.
Terceira Assim, o Acórdão recorrido, acompanhando essa 'CONTA MALFAZEJA', atropela e viola o art. 62º da Lei Fundamental.
Quarta A conta e o Acórdão em crise são duplamente confiscatórios, em terreno e em custas superiores ao produto da expropriação.
Quinta A interpretação dada, neste caso, aos arts. 8º/1/s/, 126º/2/, 138º e 139º do CCJ, faz deles normas inconstitucionais, por colidirem com os arts. 8º/2, 13º/1/ e 62º da Lei Fundamental e com o art. 6º/1/ da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Sexta O Acórdão recorrido aplica princípios inconstitucionais, pois em processo expropriativo movido pelo ESTADO este não pode figurar na dupla qualidade de expropriante e arrecadador de custas, não havendo lugar, em termos constitucionais, à elaboração da CONTA, por ser uma operação inútil, já que o processo expropriativo deve ser gratuito.
Sétima O ESTADO não pode surgir, em sede expropriativa, como parte judicialmente superior e privilegiada, pois não pode ser comprador de terreno e vendedor de custas.
Oitava Donde, o despacho apoia-se nas normas inconstitucionais dos arts. 8º/1/s/,
126º/2/, 138º e 139º do CCJ, contrárias ao comando fundamental dos arts. 8º/2/,
13º/1/ e 62º da CRP e do art. 6º/1/ da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Por seu turno, o recorrido contra-alegou, tirando as seguintes conclusões:
1º O instituto da reclamação da conta tem como exclusiva finalidade apreciar a legalidade do acto de secretaria em que se traduziu a respectiva elaboração, não podendo tal meio de impugnação servir para questionar a decisão judicial, transitada em julgado, que já decidiu serem devidas custas por determinada parte, com base no valor especificado em tal decisão.
2º Pelo que a decisão recorrida - ao considerar precludida tal controvérsia nesta fase do processo - não aplicou as normas que regem sobre a não gratuitidade do processo expropriando e sobre os critérios de determinação do seu valor tributário.
3º Não padecem obviamente de qualquer inconstitucionalidade as normas do Código das Custas Judiciais que regem sobre o âmbito da reclamação da conta, inviabilizando que, a propósito desta, se pretendam recolocar questões já precludidas, em consequência do trânsito em julgado da decisão que condenou certa parte no pagamento das custas decorrentes da sua actividade processual, pelo que improcede manifestamente o presente recurso, enquanto reportado às normas dos artigos 138º e 139º do Código das Custas Judiciais.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Fundamentação A Recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
5. O recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do mesmo preceito.
Porém, nas peças processuais indicadas no requerimento de fls. 670 e
671 não foi aflorada qualquer questão de ilegalidade normativa. Com efeito, nos requerimentos de fls. 606 e 697 e de 611 e 612, bem como nas alegações de fls.
623 e ss., o recorrente não alude, minimamente, a nenhuma questão dessa natureza.
Nessa medida, o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional.
B Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
6. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto do acórdão do Tribunal da Relação que negou provimento ao despacho que indeferiu a reclamação da conta de custas.
O recorrente, nas alegações apresentadas junto do Tribunal Constitucional, insurge-se contra a obrigação de pagar custas no processo de expropriação, sustentando que as normas dos artigos 8º, nº 1, alínea s), 126º, nº 2, 138º e 139º são inconstitucionais. O recorrente afirma ainda que o acórdão recorrido aplica princípios inconstitucionais, sem especificar, no entanto, de quais se trata.
Ora, a decisão que condenou o recorrente em custas (sentença de fls.
185 e ss.) já transitou em julgado.
A reclamação da conta de custas é um mecanismo por via do qual se reage contra o modo como a conta foi elaborada, quando se verifiquem erros técnicos, contabilísticos ou violação das disposições legais aplicáveis.
O recorrente não contesta a forma como a conta reclamada foi elaborada, sustentando, somente, que não deve pagar custas.
Assim, apreciar-se-á em primeiro lugar a conformidade à Constituição das normas dos artigos 138º e 139º do Código das Custas Judiciais, na medida em que limitam o âmbito da reclamação da conta à apreciação de aspectos técnicos da elaboração da conta de custas.
7. A conta de custas é elaborada pelo funcionário contador (cf. artigos 133º, nº 1, e 139º, nº 1, do Código das Custas Judiciais), depois do trânsito em julgado da sentença que condena em custas. Se a parte entende que não deve ser condenada no pagamento de custas terá de impugnar a decisão que condena em custas e não o acto de secretaria consistente na elaboração da respectiva conta.
No momento da elaboração da conta de custas só pode estar em causa o respectivo modo de execução, afigurando-se natural que a decisão que decide das custas já não possa ser impugnada.
As normas que subjazem a esta delimitação, que mais não fazem do que espelhar o normal processamento da cobrança das custas, não colidem com qualquer princípio ou norma constitucional, nomeadamente com o disposto nos artigos 8º, nº 2, 13º, nº 1, e 62º da Constituição. Na verdade, tais normas não impedem a reacção contra a decisão que condena em custas. Apenas determinam que, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, quando se procede à elaboração da respectiva conta, não se pode utilizar um mecanismo destinado à correcção de aspectos técnicos da feitura da conta pelo funcionário contador, para impugnar a decisão judicial que condena em custas. Nessa medida, não violam o princípio da igualdade ou mesmo o direito à propriedade consagrado constitucionalmente nem tão-pouco a exigência de um processo equitativo que, à semelhança do que ocorre no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, também se espelha na Constituição portuguesa, nomeadamente no seu artigo 20º.
8. Alcançada esta conclusão, afigura-se evidente que a decisão recorrida não fez, nem tinha de fazer, qualquer apreciação das custas devidas. Assim, não se apreciará a conformidade à Constituição das normas que regem a não gratuitidade do processo expropriativo e os critérios de determinação do seu valor tributário [artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais], dado que tais normas não foram o fundamento da decisão recorrida.
III Decisão
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional; b. não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita às normas constantes dos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais; c. não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 138º e 139º do Código das Custas Judiciais; d. confirmar, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs. Lisboa, 23 de Março de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa