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Proc. nº 138/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - A... interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho do juiz de instrução da comarca de Mirandela que, em processo comum contra ele pendente, lhe indeferiu um requerimento onde pedia a confiança dos autos para consulta ou, em alternativa, a entrega gratuita de fotocópias de todo o processado, e, em qualquer caso, a prorrogação do prazo para requerer a abertura da instrução.
O recurso foi rejeitado por manifestamente improcedente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal (CPP), por acórdão de 12 de Novembro de 1998.
Inconformada, a arguida atravessou requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, sob a invocação da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo:
a) que, 'por via principal', se aprecie a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 86º, nº 1, e 89º, nºs. 1, 2 e 3 do CPP - na interpretação de que é vedado ao arguido em processo penal o direito à confiança do processo, após dedução da acusação pública e para efeitos de ponderar requerer a abertura da instrução, no prazo legal, considerando-se a complexidade e o volume do processo; b) de igual modo, que se aprecie a questão de constitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 89º, nºs. 1, 2 e 3 do CPP e 106º, nº 2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), na interpretação que obriga o arguido às despesas avultadas com as fotocópias do processo, dado o volume deste e o facto de estar a correr o prazo para requerer a abertura da instrução; c) ainda, e 'por consequência', se aprecie a própria norma do nº 2 do artigo
107º do CPP, 'na interpretação de que a impossibilidade de consulta, exame e/ou estudo do processo, pelas razões aludidas em ambas as alíneas que antecedem, não determina a ocorrência de uma situação de justo impedimento, determinativo de prorrogação do prazo para requerer a abertura da instrução'; d) 'por via subsidiária', pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 379º do CPP, conjugado com a interpretação obrigatória que dele fez o acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/94 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 11 de Fevereiro de 1994), 'na medida em que enumera de forma taxativa as nulidades das sentenças ou acórdãos proferidos em processo penal, excluindo pura e simplesmente do respectivo âmbito a nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas'.
2. - O Tribunal da Relação do Porto, em conferência, por acórdão de 20 de Janeiro de 1999, considerou o recurso, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 76º da Lei nº 28/82, como 'legalmente inadmissível', assim não o recebendo.
Com efeito, observa, o acórdão anterior rejeitara o recurso da decisão de 1ª instância por manifesta improcedência, visto não se verificar uma situação de 'justo impedimento', legitimante da prorrogação do prazo para requerer a abertura da instrução, pelo que deixou de ter utilidade conhecer das demais questões equacionadas pela recorrente.
Assim, não houve aplicação das normas questionadas por esta sob o ponto de vista jurídico-constitucional, pelo que não se verificam os pressupostos integrativos da alínea b) do nº 1 do citado artigo 70º - e, por conseguinte, é 'completamente descabida a invocação da inconstitucionalidade, ainda que a título subsidiário, do artigo 379º do CPP', atento o já referido.
3. - Novamente inconformada, a recorrente, dirigindo-se aos
'Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional', veio reclamar daquela decisão, ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, pretendendo que, atendida a reclamação, seja admitido o recurso que interpôs oportunamente para este Tribunal.
Ouvido o Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º do mesmo diploma legal, o Senhor Procurador-Geral adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, considerando, por um lado, ter sido apenas aplicada, no aresto recorrido, a norma do nº 2 do artigo
107º do CPP, e, por outro lado, não ter ocorrido uma suscitação atempada da questão de constitucionalidade, ou seja, antes da prolação da decisão impugnada.
Foram dispensados os demais vistos legais, nos termos do nº 3 do artigo 77º da Lei nº 28/82.
Cumpre decidir.
4. - O recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, necessariamente, a congregação de vários requisitos para ser admissível como tal.
Entre estes figuram a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade da norma que serve de fundamento ao recurso, durante o processo, entendendo-se esta locução em sentido funcional, isto é, de modo a que o tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão antes de esgotado o seu poder jurisdicional, e, bem assim, que a decisão recorrida tenha aplicado de forma efectiva, a norma questionada - no seu todo, em algum segmento ou numa dada interpretação - de modo a integrar a ratio decidendi respectiva.
É manifesto que a decisão recorrida, limitada que foi ao problema da prática de acto processual fora do prazo estabelecido na lei - por outras palavras, circunscrita à norma do nº 2 do artigo 107º do CPP - não aplicou, directa ou indirectamente, explicita ou implicitamente, nenhuma das normas impugnadas pela ora reclamante, à excepção daquela.
Consequentemente, configura-se, na verdade, como manifestamente infundado um recurso que tem por objecto normas que não foram aplicadas na decisão de que se pretende recorrer - no caso, as dos artigos 86º, nº 1, 89º, nºs. 1, 2 e 3, e 379º do CPP e do artigo 106º, nº 2, do CCJ - por evidente falta do respectivo pressuposto.
Resta, no entanto, a norma do nº 2 do artigo 107º do primeiro desses Códigos, nos termos da qual, desde que se prove justo impedimento, os actos processuais podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade que dirige a fase do processo a que o acto respeitar, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar.
Entende a reclamante que só perante o acórdão da Relação
é que teve oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade, o que fez, no primeiro momento em que lhe foi possível fazê-lo, ou seja, no próprio requerimento de interposição do recurso, e só então, pois era-lhe totalmente imprevisível a via decisória que a Relação tomou, deixando de conhecer de questões submetidas à sua apreciação, essas sim, determinantes da ocorrência do invocado justo impedimento.
Não tem, no entanto, razão.
Na verdade, esta última questão de constitucionalidade só foi levantada após a Relação ter prolatado o seu primeiro acórdão em termos que constatam ter a reclamante actuado processualmente fora do prazo previsto no nº 2 do artigo 107º do CPP - em conjugação com o estabelecido no nº 1 do artigo
287º do mesmo diploma - sem, na oportunidade, jamais ter invocado justo impedimento. Ponderou-se no acórdão de 12 de Novembro de 1998, pertinentemente, sobre esta questão:
'[...] a recorrente, notificada da acusação e podendo fazer uso da faculdade prevista no artº 89º nº 1 do CPP, estava suficientemente habilitada a fazer o requerimento bem simples e com prazo, tão dilatado para a abertura da instrução. Se não o fez, a culpa só a si lhe cabe, não podendo socorrer-se de expedientes dilatórios e sem fundamento, como claramente se refere no despacho recorrido e nas doutas alegações do Ministério Público na 1ª instância, sendo certo que a celeridade processual, a motivar várias alterações legislativas, tem de ser acentuada pelos tribunais tantas vezes acusados injustificadamente dos atrasos nas conclusões dos processos. Não se verificando uma situação de justo impedimento, a pretensão da recorrente em ver prorrogado o prazo para abertura de Instrução tem de soçobrar. Sendo assim e como tal acto não foi requerido tempestivamente, e já não o pode ser, não tem qualquer utilidade o que fosse decidido quanto à confiança do processo ou à facultação de fotocópias gratuítas, questões estas apreciadas em despacho recorrido com clareza de argumentos, devidamente fundamentados.'
Ora, sendo assim, não se perfila, no concreto caso, nenhuma daquelas situações excepcionais que se compadecem com uma suscitação tardia da questão de constitucionalidade, seja por falta de anterior oportunidade processual, seja pela 'surpresa' resultante de uma interposição inesperada, não razoavelmente compaginável com o grau de prognose exigível. Com efeito, ao requerer a confiança do processo e a entrega de fotocópias, a reclamante tinha perfeita consciência do decurso do prazo para requerer a abertura da instrução, tanto que pediu a prorrogação do prazo legal para o efeito, aí invocando justo impedimento na motivação do recurso para o Tribunal superior. No entanto, nesse momento processual, que seria o adequado para suscitar a questão, não o fez, limitando-se a alegar que, por facto não imputável a si, viu-se impossibilitada de exercer tempestivamente o direito que lhe assistia mercê da violação, pelo juiz, do disposto nos artigos 107º, nº 2, e
287º, nº 1, alínea a), do CPP - e só no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional equaciona a inconstitucionalidade da norma, na dimensão interpretativa já anteriormente registada.
É evidente, por conseguinte, uma suscitação não atempada perante uma decisão que decorre da literalidade do preceito, não assistindo razão à reclamante quando defende que o problema do justo impedimento 'jamais poderia ser analisado unicamente de per si', à revelia das demais questões por si apresentadas, tanto assim que o autonomizou - tardiamente embora - no recurso para este Tribunal.
Qualquer abordagem a respeito dessas questões implicaria sempre, a seu montante, um juízo sobre a existência ou não de justo impedimento, pelo que competiria adoptar as cautelas necessárias na condução de uma estratégia processual adequada.
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 7 de Abril de 1999- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida