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Processo nº 264/97
2' Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1- L..., S. A. , com sede em Lisboa, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário), de 12 de Fevereiro de 1997, que negou provimento ao recurso por ela interposto e decidiu 'confirmar o acórdão recorrido', ou seja,
'o acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância, de 95.12.05, que negou provimento ao recurso interposto da sentença de 94.09.29 do Tribunal Tributário de 1 ª Instância de Lisboa (1º Juízo – 1ª Secção) e na qual se julgou improcedente a impugnação judicial deduzido contra o acto de liquidação da contribuição autárquica do ano de 1992 relativa ao seu prédio urbano sito em Lisboa, na Avª. Gago Coutinho, 28', dizendo no respectivo requerimento o seguinte:
'1º - Compreendiam-se , no objecto da Impugnação e do Recurso, entre outras, como causas de pedir, de ordem substantiva: A inconstitucionalidade do Artigo
37º da Lei nº 106/88 de 17 de Setembro e do Decreto-Lei nº 442-C/88, se tais preceitos legais fossem interpretados nos termos em que foram aplicados pela Administração Fiscal e pelos Tribunais Tributários de Iª e de 2ª Instância; e o erro de direito cometido por tais Entidades ou órgãos administrativos e judiciais quanto a tal interpretação e aplicação.
2ª - Tanto nas decisões das Instâncias Judiciais como no Acórdão ora recorrido se interpretaram e aplicaram aqueles preceitos legais nos termos em que haviam sido considerados e aplicados no acto tributário; e se aplicaram, assim, normas cuia inconstitucionalidade havia sido suscitada durante o processo, e como tal se mantém.
3ª - Pede, pois, que recebido o recurso, quanto à matéria anteriormente referida seja o Processo remetido, com efeito suspensivo, ao Tribunal 'ad quem', para nele ser decidido a inconstitucionalidade daqueles diplomas e revogado ou anulado o Acórdão, face ao correspondente erro de direito cometido na sua interpretação, atenta a violação dos arts. 2º e 106º nºs. 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa'.
2- Nas suas alegações concluiu assim a recorrente:
'1ª- A Contribuição Autárquica é um imposto novo do Sistema Fiscal português, de carácter geral mas de natureza local, baseado nos elementos justificativos do poder autárquico de exigir prestações tributárias para satisfação de necessidades colectivas específicas da respectiva área e na justa distribuição do dever contributivo, segundo os pressupostos do nº 1 do Artº l06º da Constituição.
2ª Tomado como elemento revelador de tal capacidade e da referida justa repartição do dever contributivo o 'valor patrimonial' dos prédios rústicos e urbanos sitos na área de cada autarquia, o pensamento legislativo do artº 37º da Lei nº 106/88, de 17 de Setembro, quanto ao conceito jurídico-tributário de
'valor patrimonial', só pode ser o da expressão do acréscimo de valor dos prédios em relação ao respectivo valor fundiário normal, decorrente das obras ou acções da autarquia que beneficiem os prédios por aumento da sua aptidão e utilidade para os fins que se destinam.
3ª O artº 37º da lei nº 106/88, não definindo expressamente o conceito tributário de 'valor patrimonial', consagrou, porém, no seu nº 4, a avaliação como meio jurídico-procedimental de determinação do valor daquela relação de conexão entre o valor fundiário dos prédios e do acréscimo de utilidade ou valor da sua aptidão. Não estabeleceu, porém, o legislador quaisquer elementos ou dados típicos de valoração daquela relação de conexão, deixando ao Governo o encargo de proceder a tal tipificação no diploma da revisão do regime das avaliações, nos termos do novo imposto e do tipo de incidência ínsito no pensamento legislativo do nº 1 do Artº 37, o que não lhe era permitido, segundo o nº 2 do artº 106 e nº 2 do artº 168º da Constituição.
4ª O Governo elaborou o Código da Contribuição Autárquica em harmonia com os termos da autorização legislativa, baseando tal contribuição no valor patrimonial determinado nos termos do Código das Avaliações. Sucede que o Governo não publicou o Código das Avaliações.
5ª O pensamento legislativo subjacente ao diploma que aprovou o Código da Contribuição Autárquica - o Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro - foi expresso no Relatório Preambular do referido Código: a impossibilidade de dispor do Código de Avaliações 'no próximo ano' e a vantagem de,' no primeiro ano', o novo imposto 'não ser influenciado pelo regime de avaliações'. E foi na base desse pensamento legislativo que o Governo estabeleceu, no Decreto-Lei nº
442-C/88, várias normas de recurso transitório ao regime das matrizes prediais elaboradas e actualizadas nos termos do Código da Contribuição Predial e estabeleceu várias normas de actualização dos valores constantes das matrizes em
31.12.88, através de capitalização dos respectivos rendimentos. Nelas fez apenas expressa menção, aos valores da capitalização dos rendimentos dos prédios rústicos e dos prédios urbanos não arrendados.
6ª Este tipo de incidência real adoptado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, consistindo na capitalização do rendimento colectável segundo o regime da Contribuição Predial, é um tipo inteiramente diverso do consagrado no artº 37º da Lei 106/8 8.
7º Sucede que o nº I do Artº 6º do mesmo diploma é confuso na sua expressão literal e na sua articulação quer com o regime geral do artº 37º da lei 106/88, quer com o próprio artº 9º do mesmo Decreto-Lei, o qual manda aplicar o Código da Contribuição Predial à organização e conservação das matrizes prediais.
8ª A leitura do Decreto-Lei nº 442-C/88, e, em especial do nº 1 do seu artº 6º, articulado com o artº 9º só admite uma interpretação harmónica com o Artº 37º da Lei nº 106/88 e com a Constituição: a de que o pensamento legislativo sobre o objecto de actualização dos valores é o de que só os rendimentos matriciais dos prédios rústicos e dos prédios urbanos não arrendados carecia, nesse 'período transitório', de actualização legal expressa, pois respeitavam as matrizes muito antigas e desactualizadas. De tal actualização não careciam as matrizes dos prédios urbanos arrendados, porque essas se encontravam sempre automaticamente actualizadas, nos termos dos arts 113º, 116º e 20 1º nº3 do Código da Contribuição Predial ex vi artº 9º do mesmo Decreto-Lei.
9ª O nº 1 do artº 6º do Decreto-Lei nº 442-C/88, sendo norma do carácter geral para as situações existentes de matrizes desactualizadas, só poderia abranger, no pensamento legislativo, quanto aos prédios arrendados, aquelas situações em que o contribuinte não tivesse cumprido o artº 116º do Código da Contribuição Predial, ou em que a Administração Fiscal tivessem realizado a sua avaliação por não haver como válida a declaração de rendas efectivas ou o contrato de arrendamento. Nele não se abrangia, até por desnecessidade da Ordem Jurídica e do pensamento legislativo correspondente, a situação dos prédios arrendados em se que tivessem cumprido aquelas disposições.
10ª Se não for esta a interpretação do Decreto-Lei nº 442-C/88, e, designadamente, do nº 1 do seu artº 6º, tal diploma encontra-se ferido de manifesta inconstitucionalidade, porquanto: a) nele se criou um tipo de incidência real diverso do estabelecido no artº 37º da Lei de Autorização, assim se violando os preceitos do nº 2 do artº l06º e nº
2 do artº 168º da Constituição; b) nele se defraudou o pensamento legislativo expresso no Relatório Preambular do Código da Contribuição Autárquica, no qual se reporta só ao ano de 1989 o regime transitório, enquanto o pensamento legislativo do Decreto-Lei, na interpretação contrária à adoptada, é o de substituição permanente do tipo aprovado pela Lei de autorização. c) nele se violou o Estado de Direito e o nº 1 do Artº 106º da Constituição, na parte em que, nessa anómala interpretação do nº I do Artº 6º do referido Decreto-Lei, se fixou a data de 31.12.88 para valer 'ad aeternum' quanto, aos dados que ocasionalmente figurassem nas matrizes relativamente aos prédios arrendados, criando a iniquidade, a desproporcionalidade e a injustiça na distribuição do dever contributivo e, em consequência, violando enquadramento constitucional do correspondente poder de tributar. d) todo o regime da Contribuição Autárquica consubstanciou uma violação da Lei nº 106/88. Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a V. Exªs. se dignem: a) Interpretar o Decreto-Lei nº 442-C/88 e, em especial o nº I do seu artº 6º, nos termos em que a ora Recorrente o interpretou no decurso do processo de impugnação e que se resume na 9ª Conclusão destas alegações. b) Ou que, subsidiariamente, se se houver como correcta a interpretação que
àqueles preceitos foi dado pela Administração Fiscal e pelo Acórdão recorrido, reconhecer e declarar a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 6º do Decreto-Lei nº 442-C/88, ou de todo o mesmo diploma. c) E ainda, subsidiariamente, se não for reconhecida a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 6º ou de todo o Decreto-Lei nº 442-C/88, declarar a inconstitucionalidade de todo o regime da Contribuição Autárquica, por violação do nº 2 do artº 168º da Constituição pelo próprio artº 37º da Lei nº 106/88 e pelo referido Decreto-Lei, através do qual o Governo legislou sem a devida habilitação legal. d) Ordenar, em todos os casos, a revisão do Acórdão, na base do reconhecimento da sua má interpretação ou de aplicação de normas inconstitucionais.'
3- Contra –alegou a recorrida Fazenda Pública, concluindo como se segue:
'a) A autorização legislativa de aplicação do regime transitório, constante do n.º 5 do art. 37.º da Lei n.º 106/88 de 17/9, não baliza períodos fixos de vigência desse regime transitório. b) O regime transitório permitido pelo n.º 5 do art. 37.º da Lei n.º 106/88 prevalece enquanto não for criado o regime definitivo. c) Os dados relativos aos prédios arrendados figuram nas matrizes conforme o seu valor locativo. d) O valor locativo dos prédios arrendados assenta no valor das rendas convencionadas. e) O valor locativo dos prédios não arrendados corresponde à justa renda em regime de liberdade contratual. f) Os dados relativos aos prédios arrendados não figuram nas matrizes apenas ocasionalmente mas são a expressão do seu valor locativo. g) A eleição do critério de capitalização do valor da renda para determinação do valor patrimonial colhe justiça e equidade do dado real de que o valor do prédio
é tanto mais elevado quanto mais elevado é a renda que proporciona ao seu titular. Termos em que não ocorre a alegada inconstitucionalidade, devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido'.
4- Após os vistos foi junta aos autos documentação enviada pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (1º Juízo- 1ª Secção), dando conta de uma informação do Chefe da Repartição de Finanças do 5º Bairro Fiscal de Lisboa, segundo a qual, e relativamente à 'Impugnação nº 93/300008.7 e 95/300027.3, em nome de L..., S. A.', as execuções fiscais 'encontram-se findas por anulação da dívida'. Posteriormente, e em resposta a um pedido do Relator, foi junta fotocópia dos despachos do citado Chefe da Repartição, documentando 'o arquivamento dos autos', com referência às execuções fiscais em nome da recorrente. Notificadas as partes de tal documentação, veio a Fazenda Pública dizer que 'o presente recurso perdeu o objecto pela satisfação da pretensão da recorrente com a consequente inutilidade no seu prosseguimento' e veio a recorrente sustentar que a informação prestada nos autos pelas entidades fiscais 'vem efectivamente de encontro aos pedidos formulados pela Recorrente nas instâncias que apreciaram a matéria de facto' ('No entanto, e na presente instância, aprecia-se a constitucionalidade da norma constante do art. 6º do DL nº 442-C/88, tendo sido pedido pelo Recorrente a declaração de inconstitucionalidade da mesma, o que, desde logo, dota o presente recurso de um âmbito maior do que o da apreciação de um mero interesse subjectivo da Recorrente, até pelas consequências que com a eventual declaração de inconstitucionalidade em três casos concretos poderá ter quanto à interpretação da norma com força obrigatória geral'- acrescenta ainda a recorrente).
5- Vê-se do exposto que os presentes autos tiveram origem num processo de impugnação instaurado pela recorrente no Tribunal de 1ª Instância de Lisboa, tendo por objecto 'o acto tributário praticado na Repartição de Finanças do 15º Bairro Fiscal de Lisboa, em que lhe foi liquidada Contribuição Autárquica relativamente ao ano de 1992, no montante de 9 945 000$00', havendo coincidência entre a identificação desse processo e a informação trás aludida acerca do arquivamento das execuções fiscais, 'por anulação da dívida'. Daí que haja concordância das partes quanto à satisfação da pretensão da recorrente, o que é circunstância superveniente que terá que reflectir-se no prosseguimento dos autos e em concreto do presente recurso de constitucionalidade. Com efeito, sabido que o recurso de constitucionalidade tem uma função instrumental, só haverá que dele conhecer quando se verifique um interesse jurídico relevante quanto à pronuncia pelo Tribunal Constitucional de um juízo, positivo ou negativo, acerca da questão que perante ele vem posta. Sendo isto assim, é evidente que seria meramente académico tomar conhecimento da questão de (in)constitucionalidade das normas dos artigos 37º, da Lei nº 106/88, de 17 de Setembro, e 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro, em matéria de contribuição autárquica, exactamente porque a dívida fiscal em causa foi anulada, indo 'efectivamente de encontro aos pedidos formulados pela Recorrente nas instâncias que apreciaram a matéria de facto', talqualmente diz a recorrente. Tanto basta para concluir que se deve julgar extinto o presente recurso, por supervenientemente deixar de ter juridicamente interesse o seu conhecimento.
6- Termos em que, DECIDINDO, julga-se extinto o recurso, por inutilidade superveniente do mesmo. Lisboa, 3 de Março de 1999- Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida