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Procº nº 714/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. O..., A..., AF... e R... intentaram no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra o Estado Português e C..., acção visando a condenação dos réus a pagarem-lhes, na qualidade de herdeiros de Manuel Rosa Ferreira, a quantia de Esc. 6.389.975$00, na qual se incluía um montante devido pela indemnização por despedimento.
Por saneador/sentença proferida pelo Juiz do 1º Juízo daquele Tribunal em 8 de Julho de 1997, foi o réu Estado absolvido da instância, sendo a ré C... absolvida dos pedidos.
Para tanto, e no que ora releva, a absolvição da ré fundou-se na circunstância de se ter entendido que ocorreu a excepção da prescrição.
Na verdade, pode ler-se naquela sentença:-
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O que acontece é que ultimamente e na sequência do acordão nº 162/95 do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral, muitos foram os trabalhadores que interpuseram acções sem que, senão na generalidade pelo menos na grande maioria dos casos (no que se refere a processos distribuídos nesta secção), tenham anteriormente demandado a R.. Porquê? É algo cuja resposta não importa nesta sede.
Aliás a orientação que se segue no sentido de que o mencionado acordão não tem quaisquer efeitos no caso vertente veja-se o que anteriormente sustentou J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 1991,
1083. Escreve este autor: 'pode também entender-se que os limites à rectroactividade se encontrem na definitiva consolidação de situações, actos, relações, negócios a que se refere a norma declarada inconstitucional. Se as questões de facto ou de direito reguladas pela norma julgada inconstitucional se encontram definitivamente encerradas por que sobre elas incidiu caso julgado judicial, porque se perdeu um direito por prescrição ou por caducidade, porque o acto se tornou ininpugnável, porque a relação se extinguiu com o cumprimento da obrigação, então a dedução de inconstitucionalidade, com a consequente nulidade ipso jure, não perturba através da sua eficácia retroactiva esta vasta gama de situações ou relações consolidadas(sublinhado meu).
Do que fica exposto retira-se a conclusão de que não ocorreu qualquer facto impeditivo do decurso do prazo de prescrição.
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E, mais à frente, conquanto referindo que, em face da solução dada à questão da prescrição, estaria prejudicada a apreciação daqueloutra questão ligada à caducidade, que haveria de proceder, disse-se:-
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Para a discussão da temática emergente da posição das partes e que consiste no essencial em saber se o DL 137/85, de 3.5. que extinguiu a R. operou ou não a caducidade do contrato de trabalho, importa ter como pano de fundo o Acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da al. c) do nº 1 do artº 4º do referido diploma.
Da leitura do DL. 137/85, de 3.5., verificamos que o facto extintivo da relação de trabalho é um facto jurídico em sentido estrito. Ou seja, o facto extintivo não decorre de uma declaração de vontade por parte da entidade patronal.
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Não obsta a esta conclusão o facto de ter sido declarada inconstitucional o segmento de norma constante da al. c) do artº 4º do diploma extintivo, visto que na referida norma apenas se contem uma dilação, ou se se preferir, uma qualificação relativamente à modalidade de cessação dos contratos de trabalho.
O argumento de que o diploma em causa não prevê qualquer indemnização
(como a cessação por caducidade exige por força de normas imperativas da antiga Lei dos Despedimentos (artº 88 do DL 372-A/ /75), não afasta necessariamente a qualificação da situação sub judice como de caducidade de nem a aplicação do respectivo regime.
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2. Do assim decidido intentaram os autores recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, já que, aduziram, a sentença recorrida fez 'aplicação implícita das alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95, publicada no Diário da República, I Série, de 8 de Maio de 1995', no passo em que se referiu naquela sentença que o mencionado aresto não tinha quaisquer efeitos no caso.
Por despacho do aludido Juiz, datado de 15 de Julho de
1997, não foi admitido o recurso, visto que, na sua óptica, não foi, ainda que implicitamente, aplicada a norma indicada no requerimento de interposição de recurso.
É desse despacho que vem interposta a vertente reclamação, sobre a qual o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da respectiva procedência.
Cumpre decidir.
II
1. Como se viu, o fundamento da não admissão do recurso situou-se em que a decisão desejada impugnar não aplicou, de modo directo ou indirecto, a norma constante da alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio.
Que não houve aplicação expressa dessa norma, é algo de que se não pode duvidar em face do teor da sentença querida pôr sob censura deste Tribunal.
Poderá, porém, dizer-se o mesmo no tocante a uma sua aplicação implícita, ou que não houve um acatamento da decisão de inconstitucionalidade com foça obrigatória geral levada a efeito por intermédio do Acórdão deste Tribunal nº 162/95, publicado na I-A Série do Diário da República de 8 de Maio de 1995, não acatamento esse que seria o pressuposto do presente recurso, estribado que está na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/ /82?
A tal questão dá este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa resposta negativa.
Na realidade, o recurso estribado naquela alínea tem por fim impedir que subsistam decisões jurisdicionais que, no fundo, venham a efectuar julgamentos com base em normativos que, quanto à respectiva questão de constitucionalidade, sejam ajuizados de forma diversa daquela que foi levada a efeito pelo Tribunal Constitucional e, para tanto, não relevando que a decisão tomada por este o tenha sido em recursos de fiscalização concreta ou em processo de fiscalização abstracta sucessiva (quanto a esta, aliás, por maioria de razão
- cfr. Acórdão nº 214/90 in Diário da República, 2ª Série, de 17 de Setembro de
1990).
Diz-se no despacho sob reclamação que da sentença prolatada em 8 de Julho de 1997 não se pode extrair 'qualquer conexão ainda que implícita com a norma declarada inconstitucional', pois 'que o fundamento da improcedência da acção foi a prescrição do direito da autora'.
Uma tal argumentação não convence.
2. Efectivamente, estava em causa na acção um pedido de condenação da C... (além do Estado Português, mas que, para o caso, não interessa) no pagamento que seria devido a um trabalhador daquela Companhia (e de que os autores eram únicos e legítimos herdeiros), solicitendo-se, inter alia, um determinado montante a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho entre um e outra celebrado.
Dados os termos desse pedido, torna-se claro que o quantitativo correspondente à falada indemnização haveria que ser deduzido com base na consideração de que a cessação do contrato de trabalho fora ilegal.
Ora, o sentido da declaração de inconstitucionalidade produzida pelo mencionado Acórdão nº 162/95, tal qual resulta do Acórdão nº
528/96 (Diário da República, 2ª Série, de 18 de Julho de 1996) foi o de que ela
'impede, pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo', pelo que daquela declaração haverá que extrair um alcance mínimo segundo o qual 'existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas C... e CN... ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo'.
Pois bem:
Discutindo-se na acção em causa, por entre o mais, a cessação do contrato de trabalho levado a efeito por força da norma contida na alínea a) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 137/85, ao menos como causa do pedido de indemnização formulado, à aceitação de tal cessação (que não foi posta em causa na sentença) haveria, implicitamente, de subjazer aquela norma, pois que o decurso de um determinado prazo que operou a prescrição foi, pela mesma sentença, contado desde a caducidade dos contratos de trabalho, ainda que com a
«roupagem» de que tal caducidade se não teria operado por força daquela norma, mas sim pela circunstância, de facto, de ter a C... deixado de poder, em termos abolutos e definitivos, receber o labor dos seus trabalhadores.
Assim sendo, pelo menos neste particular, ou se quiser, com tal dimensão, foi a norma implicitamente aplicada.
Aliás, em questão em tudo idêntica à presente já este Tribunal se pronunciou no seu Acórdão nº 513/97 (ainda inédito e cuja fotocópia se determina que seja junta , concomitantemente com a exposição prévia do relator que nele se menciona, ao presente aresto).
Concluindo-se pela aplicação implícita da norma em apreço, torna-se inevitável o deferimento da presente reclamação e, porque nos situamos perante esta espécie processual, não será, de todo, cabido adiantar o que quer que seja sobre a circunstância de saber se aquela aplicação desrespeitou, ou não, o sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade já referenciada.
III
Em face do que se deixa dito, defere-se a presente reclamação.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Luis Nunes de Almeida