Imprimir acórdão
Proc. nº 580/93
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – Por decisão de 19 de Fevereiro de 1992 o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Loures (ora recorrida), de 20 de Outubro de 1991, que ordenou a demolição das construções existentes no topo NW do terreno, assim como dos muros de vedação circundantes, sito na Quinta da Fábrica, Rua Joaquim Carvalho Luís, Catujal, Loures. Considerou aquele Tribunal, para sustentar a sua decisão, que não estava verificado o pressuposto negativo da alínea b) do nº 1 do artigo 76º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (LPTA).
2 – Inconformado com o teor daquela decisão o ora recorrente, L..., recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão de 15 de Junho de 1993, veio a negar provimento ao recurso e confirmou, embora por fundamentos diferentes, a decisão recorrida. Considerou aquele Supremo Tribunal que não se verificando o requisito da alínea a) do nº 1 do art. 76º da LPTA, tal era suficiente para negar provimento à pretendida suspensão de eficácia do acto administrativo.
3 – Notificado do teor do acórdão supra referido o requerente arguiu então a sua nulidade ao abrigo do artigo 668º do Código de Processo Civil. Fundamentou o requerente essa nulidade na seguinte ordem de razões:
'Com efeito, o recorrente nas suas alegações de recurso concluiu pela inconstitucionalidade do art. 76ºº, nº 1, da LPTA, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva. Contudo, no aliás douto acórdão recorrido, este Venerando Supremo Tribunal, não decidiu, nem conheceu a questão de inconstitucionalidade suscitada, deixando, desse modo, por resolver uma das questões jurídicas que lhe haviam sido colocadas e sobre a qual tinha o dever de decidir. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 690ºdo CPC, o recorrente tem o ónus de alegar e formular conclusões, as quais vão delimitar objectivamente o recurso e, consequentemente o poder/dever de conhecimento do Tribunal.
É que, nos termos do art. 660º do CPC «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação». Ora, em sede de recurso jurisdicional as questões que as partes submetem à apreciação do Juiz são determinadas com base nas conclusões das alegações de recurso. Assim, tendo o recorrente, na conclusão 4ª das suas alegações de recurso, suscitado a inconstitucionalidade do art. 76º/1 da LPTA, com fundamento na violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º e
268º da Constituição, é manifesto que impendia sobre este Venerando Supremo Tribunal o dever de decidir essa questão, tanto mais que se trata de invocação de inconstitucionalidade da norma que foi aplicada para julgar improcedente o recurso. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 207º da Constituição, «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados', o que torna ainda mais gravosa a omissão da questão de inconstitucionalidade suscitada'.
4 – O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 4 de Agosto de 1993, veio a desatender o pedido de declaração de nulidade, apoiando-se para tanto na seguinte fundamentação:
'A questão que vem colocada para decisão delimita-se e circunscreve-se à determinação da eventual nulidade do acórdão proferido no processo por este Tribunal, em 15 de Junho último, por omissão de pronúncia. A alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC enuncia como causa de nulidade da sentença quando nela o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar. Tal vício relaciona-se, para sua compreensão completa, com o disposto no nº 2 do artigo 660º do mesmo Código, onde se impõe que o juiz deva resolver todas as questões que as partes tenha submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução de outras. Pondo de lado as múltiplas questões que a interpretação destes dispositivos colocam ao Técnico do Direito, de que nos dão conta tanto a doutrina como a jurisprudência, entendemos que, contrariamente a alguma mas inexpressiva corrente, o juiz não terá de apreciar na sentença todas as questões suscitadas pelas partes, quer tenham ou não razão de ser, sejam ou não legalmente relevantes. Como ensina Anselmo de Castro 'seria erro inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei: «exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» (cfr., Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pp. 142 e 143). Igual caminho e orientação foi-nos legado por Alberto dos Reis, como melhor decorre da anotação que faz ao artigo 660º, no IV volume do seu Código de Processo Civil Anotado. Analisando o caso concreto à luz destes considerandos convir-se-á que a inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1, da LPTA, alegada pelo agravante e constante da conclusão 4ª das suas alegações é para ele integrada com «a interpretação que lhe foi dada pela aliás douta sentença recorrida», que negou a concessão da suspensão de eficácia solicitada, devido à falta do pressuposto negativo da al. b), do nº 1, do citado artigo 76º. A eventual inconstitucionalidade circunscreve-a, pois, a agravante, à interpretação que da lei fez o julgador da 1ª instância na fundamentação do que veio a decidir, em desfavor do requerente. Contudo, como bem resulta da decisão proferida por este Supremo Tribunal, o fundamento da decisão recorrida foi totalmente abandonado como justificativo da improcedência do pedido para se cifrar, não na falta do requisito negativo da alínea b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA, mas sim na falta do pressuposto positivo constante da sua alínea a). Como tal percurso de actuação, atento o novo e diverso fundamento que serviu de base ao decidido pelo Tribunal de recurso, tendo em vista o total abandono dos motivos e razões que alicerçaram a decisão agravada, prejudicado ficou o conhecimento de todas as questões relacionadas com tais fundamentos, incluindo a constante da conclusão 4ª das suas alegações.
É o que resulta claro do acórdão de fls. 134 e seguintes onde se deixou expresso que a sentença recorrida era confirmada, por outros fundamentos que não os ali invocados, a prejudicar, por isso, o conhecimento, de quaisquer outras questões. Sendo assim, atento a orientação seguida pelo acórdão cuja nulidade se pede, a questão que se diz ter sido submetida não deveria ter sido resolvida. Tudo a impor a inexistência da invocada nulidade por omissão de pronuncia'.
5 – É desta decisão que foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade dos artigos
660º, 668º e 684º do Código de Processo Civil e do 76º, nº1, do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho (LPTA), por violação do direito de defesa consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4 da Constituição.
6 – Recebido o recurso foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1ª - Com a autonomização, na 2ª Revisão Constitucional de 1989, de um preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa, não apenas para o «reconhecimento» - como se dispunha no texto anterior -, mas também para a tutela de direitos ou de interesses legalmente protegidos (268º, nº 5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário do recurso de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito à tutela jurisdicional efectiva, pelo que: a) abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos administrados perante a administração; b) reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição subjectiva de vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico, digna da atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva realização;
2ª - A elevação do princípio da tutela jurisdicional efectiva a direito fundamental, nos termos dos artigos 20º e 268º/4 e 5 da Constituição, implica a concretização do seu conteúdo preceptivo mínimo ao nível da Constituição, traduzido nos seguintes vectores: a) primeiro, a garantia de uma jurisdicional administrativa sem lacunas, consubstanciada no princípio de que a qualquer ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da Administração Pública deve corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada; b) segundo, a garantia da existência de meios necessários com vista à sua plena exequibilidade e operatividade, no sentido de que o direito à tutela jurisdicional efectiva se tem de traduzir obrigatoriamente na plena eficácia da decisão jurisdicional na esfera jurídica do particular; c) terceiro, e em consequência, a paralisação do privilégio da execução prévia inerente à actividade administrativa, no caso de a sua violação ou da possibilidade de preclusão da sua tutela eficaz, em obediência ao comando constitucional do artigo 266º, nº 1, da Constituição;
3ª - A Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental à suspensão da eficácia dos actos administrativos de que se haja interposto ou de que se pretenda interpor recurso contencioso de anulação, sendo reconduzível ao núcleo fundamental do direito dos administrados à tutela jurisdicional efectiva, pelo que é de afastar o entendimento segundo o qual a suspensão da eficácia é uma providência de carácter excepcional;
4ª - A presunção de legalidade dos actos administrativos nunca pode funcionar como meio ou critério de prova, ainda que sumária, no quadro do incidente da suspensão da eficácia, sob pena de se violar o núcleo fundamental do direito à tutela jurisdicional efectiva, vertido nos artigos 20º e 268º/4 e 5 da Constituição;
5ª - O requisito negativo vertido na alínea b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA está ferido de inconstitucionalidade, porquanto: a) é, desde logo, redundante, no sentido de que toda a suspensão da eficácia de um determinado acto administrativo lesa sempre o interesse público, tal como é configurado por uma Administração executiva, tal como é a nossa, pelo que se constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento desse meio jurisdicional, denegando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 20º e 268º/4 e 5 da Constituição; b) apela a uma valoração judicial da gravidade da lesão do interesse público contrária à ideia material do Direito prosseguida pela Administração, no sentido de que recorta a actividade por esta desenvolvida numa feição contrária aos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, violando, pois, o preceituado no art. 266º/1 da Constituição;
6ª - O artigo 76º/1/b da LPTA está ferido de inconstitucionalidade material, por restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à tutela jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação do artigo 18º/2 e 3 da Constituição;
7ª - A 1ª parte do nº 2 do artigo 660º do CPC, ao permitir ao juiz o desconhecimento de questões alegadas pelas partes, viola o direito dos particulares à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 20º e 268º/4 e 5 da Constituição, derrogando o princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional administrativa, pelo que deve ser julgado materialmente inconstitucional;
8ª - O artigo 668º/3 contraria a regra fundamental do nosso ordenamento jurídico do duplo grau de jurisdição, criando situações discriminatórias entre os recorrentes, pelo que deve ser julgado inconstitucional por violação dos artigos
13º e 20º da Constituição'.
7 – Igualmente notificada para alegar a recorrida veio, para além de contestar as alegadas inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente, suscitar uma questão prévia, traduzida na circunstância de apenas a alínea a) do nº 1 do artigo 76º da LPTA ter sido aplicada pela decisão recorrida, enquanto o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da alínea b), do nº 1, daquele artigo 76º.
8 – Notificado para responder à questão prévia suscitada pela recorrida o recorrente veio sustentar a sua improcedência porquanto, no seu entender, suscitou a questão da constitucionalidade de todo o nº 1 do artigo 76º da LPTA quer nas conclusões das suas alegações de recurso para o STA, quer no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, quer, finalmente, no próprio pedido das alegações de recurso que apresentou neste Tribunal.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
10 – Questão prévia da delimitação e possibilidade de conhecimento do objecto do recurso. Pretende o recorrente, nos termos do requerimento de interposição do recurso, ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 660º, 668º e 684º do Código de Processo Civil e do 76º, nº1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (LPTA), por violação do direito de defesa consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição. Importa, porém, começar por delimitar e decidir da possibilidade de conhecer o objecto do recurso.
10.1. Da delimitação e possibilidade de conhecer do objecto do recurso na parte que se refere aos normativos constantes dos artigos 660º, 668º e 684º do Código de Processo Civil.
10.1.1. - No requerimento de interposição do recurso o recorrente apresentou como objecto do mesmo a apreciação da constitucionalidade dos artigos 660º, 668º e 684º do Código de Processo Civil. Contudo, a verdade é que nas subsequentes alegações que produziu neste Tribunal o mesmo recorrente vem restringir, nesta parte, o objecto assim delineado. De facto, quer no ponto IV das alegações de recurso apresentadas no Tribunal Constitucional (nºs 22 a 25), quer nas conclusões 7ª e 8ª da mesma peça processual o recorrente apenas suscita e sustenta a questão da constitucionalidade da 1ª parte do nº 2 do artigo 660º e dos nºs 1, alínea d) e
3 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil. Deixou pois o recorrente de fazer referência quer aos restantes números dos artigos 660º e 668º quer ao artigo 684º. Em face do exposto, é de concluir que o objecto do recurso apenas versa, nesta parte, os normativos constantes da 1ª parte do nº 2 do artigo 660º e dos nºs 1, alínea d) e 3 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil. É que, como tem sido por diversas vezes afirmado por este Tribunal, é possível ao recorrente restringir, na fase das alegações, a indicação das normas objecto de recurso
(cf. nesse sentido, entre outros, os acórdãos nºs 71/92, 323/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol. pp. 245 e ss. e 25º vol., pp. 403 e ss., respectivamente), o que, no caso, efectivamente aconteceu.
10.1.2 – Delimitado, assim, nesta parte, o objecto do recurso, cumpre decidir da possibilidade do seu conhecimento à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional). O recurso previsto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional –o interposto pelo ora recorrente – pressupõe, para além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica – ou de uma sua interpretação normativa – e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso, como sua ratio decidendi. Ora, constitui desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo quando tal se faz em tempo de o Tribunal recorrido a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver – o que exige que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita (ou seja: em regra, antes da prolação da decisão recorrida). Somente tem este Tribunal admitido que a questão da constitucionalidade de uma norma jurídica – ou de uma sua interpretação normativa – seja suscitada depois de proferida a decisão em hipóteses, excepcionais, em que o recorrente não tenha tido oportunidade processual de o fazer antes - designadamente por ter sido confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação dessa norma, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da sua constitucionalidade antes da prolação da decisão - ou em que o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, não se tenha esgotado com a prolação da decisão recorrida. Do que antecede decorre, como vamos ver, que no caso dos autos não é possível conhecer, nesta parte, do objecto do recurso, por a questão de constitucionalidade dos artigos 660º, nº 2 (1ª parte) e 668º, nº 1, alínea d), e nº 3, do Código de Processo Civil, não ter sido suscitada durante o processo - entendida a expressão no sentido antes exposto.
É que nem o recorrente suscitou a questão da constitucionalidade da 1ª parte do nº 2 do artigo 660º e dos nºs 1, alínea d) e 3 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil, antes da prolação da decisão recorrida - uma vez que, como o próprio recorrente reconhece, só o fez, pela primeira vez, já no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – nem a aplicação das normas em causa pela decisão recorrida foi de todo em todo insólita e imprevisível, em termos de não lhe ser exigível que antecipasse essa aplicação. De facto, a interpretação dos preceitos questionados por que optou a decisão recorrida - no sentido de que o tribunal não tem de pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes e, nomeadamente, não tem de pronunciar-se sobre aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução de outras - corresponde ao entendimento que a esses preceitos tem sido dado por uma parte significativa da doutrina e da jurisprudência portuguesa. A esse propósito a própria decisão recorrida cita, designadamente, Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pp. 142 e 143) e Alberto dos Reis
(Código de Processo Civil Anotado, IV vol., anotação ao artigo 660º). Como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, 'cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão' (por todos, vide acórdão nº
489/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., pp. 415 e ss.). Em suma: quer a aplicação daqueles preceitos, quer a sua aplicação com o sentido com que vieram a ser aplicados, era perfeitamente previsível, em termos de ser exigível ao recorrente que, antecipando essa aplicação, suscitasse desde logo as questões de constitucionalidade. Assim, não tendo sido suscitada durante o processo a questão da constitucionalidade das normas que se extraem dos artigos 660º, nº 2 e 668º, nº
1 alínea d) e nº 3, ambos do Código de Processo Civil, conforme exige a al. b) do nº 1 do art. 70º da lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da qual é interposto o recurso, tal obsta, só por si, à possibilidade de conhecer, nesta parte, do objecto do mesmo.
10.2. Da delimitação e possibilidade de conhecer do objecto do recurso na parte que se refere aos normativos constantes do artigo 76º, nº 1, da LPTA. Pretende ainda o recorrente ver apreciada a constitucionalidade do 76º, nº1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (LPTA). Porém, como vai ver-se, também nesta parte não é possível conhecer do objecto do recurso. Pressuposto de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional é - para além da facto de a questão de constitucionalidade ter sido suscitada durante o processo - que a decisão recorrida tenha feito efectiva aplicação, como sua ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, o que, no caso, como vamos ver, não aconteceu.
É que o presente recurso foi interposto não da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Junho de 1993 - que negou provimento ao recurso interposto da decisão de 19 de Fevereiro de 1992 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Loures - mas da decisão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Agosto de 1993, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, quando foi aquela decisão, e não esta, que aplicou a norma do artigo 76º, nº 1, alínea a) da LPTA, que o recorrente reputa de inconstitucional. Nestes termos, desnecessário se torna decidir da procedência da questão prévia suscitada pela recorrida. É que a questão de saber se o recurso foi interposto para apreciação da constitucionalidade de todo o nº 1 do artigo 76º da LPTA, ou apenas da sua alínea b), só seria relevante se o presente recurso tivesse sido interposto da decisão do Supremo Tribunal Administrativo que, ao negar provimento ao recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, confirmou a decisão de não suspender a eficácia do acto administrativo em apreciação, o que, como vimos, não aconteceu. O presente recurso vem interposto da decisão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Agosto de 1993, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, e esta decisão, manifestamente, não aplicou o artigo 76º da LPTA. Assim, não tendo a decisão recorrida aplicado a norma arguida de inconstitucional, não pode também conhecer-se, nesta parte, do objecto do recurso. III – Decisão Assim, e pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta. Lisboa, 3 de Março de 1999 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Luís Nunes de Almeida