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Proc.Nº 213/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - R... intentou contra RN...,S.A. e contra a RS...,S.A.,uma acção emergente de contrato individual de trabalho, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, pedindo que se declare entidade patronal do Autor ea sua reintegração no posto de trabalho ao serviço da 1ª ré e a sua condenação no pagamento de diferenças salariais e retribuições e ainda outras quantias devidas pelo referido contrato de trabalho. Quanto à 2ª Ré, o Autor formula como pedidos subsidiários, os seguintes:que seja condenada a pagar as quantias que quantificou no pedido contra a 1ª Ré, nos termos da atribuição de dívidas feita no acto da cisão ou desde a data em que for considerada entidade patronal do Autor e juros e que seja declarado caduco o procedimento disciplinar e ilícita a decisão de despedimento por diversos funamentos que alega, reitegrando o Autor no seu posto de trabalho de acordo com a sua categoria profissional.
Por ter sido declarada extinta a RN... e o seu património ter sido assumido pelo Estado, o Ministério Público passou a intervir na acção em representação do Estado (artigo 3º, nº1, da LOMP (Lei nº 47/86, de
15 de Outubro), a partir de 25 de Maio de 1996.
Tendo-se procedido ao julgamento da causa, veio a ser proferida em 10 de Dezembro de 1996, a sentença final pela qual se decidiu que a imposição, pela RN..., SA da mudança do Autor para a RS..., sem a sua concordância, configura um despedimento ilícito, pelo que, em consequência, se julga a acção parcialmente procedente contra o Estado, que condena no pagamento ao Autor das remunerações desde 1 de Março de 1991, a liquidar em execução de sentença, absolvendo a RS..., SA, dos pedidos subsidiários contra ela formulados e o Estado do restante pedido.
2. - A RS... notificada desta decisão veio pedir a sua aclaração em dois pontos: (1) se a decisão efectivamente pretendeu absolver a RS..., S.A. dos pedidos contra ela formulados ou antes, não conheceu do mérito por considerar que esse conhecimento se encontra prejudicado pela decisão proferida quanto à RN..., SA e pedidos principais; (2) se a 'ratio decidendi'
última residiu na inconstitucionalidade pura e simples da alínea p) do artigo
119º do Código das Sociedades Comerciais ou na sua inconstitucionalidade numa dada interpretação.
Por decisão de 4 de Fevereiro de 1997, foi proferida a aclaração solicitada, no sentido de que a Ré RS..., SA tinha sido efectivamente absolvida e que na sentença considerou-se inconstitucional o artº 119º, p) quando interpretado no sentido de que era possível ordenar ao Autor a sua mudança para a RS....
Notificada esta decisão às partes, o Ministério Público veio apresentar em 20 de Fevereiro de 1997 - após notificação do despacho que decidiu a aclaração - um requerimento a interpôr recurso obrigatório de constitucionalidade, face à recusa de aplicação da alínea p) do artigo 119º do Código das Sociedades Comerciais (adiante, CSC), com fundamento em inconstitucionalidade da interpretação feita na decisão; a RS..., SA veio também recorrer da decisão na parte da recusa de aplicção daquela norma, invocando que tem legitimidade autónoma para o presente recurso (artº 72º/1/b, da Lei do Tribunal Constitucional), porquanto a revogação daquele juízo de inconstitucionalidade é susceptível de reconduzir a R. na qualidade de entidade patronal do A. de jure, com as inerentes consequências de ordem patrimonial, ao passo que a manutenção do decidido tem, de igual modo, efeitos patrimoniais, uma vez que esta assumiu, perante o A., a posição de entidade patronal de facto, designadamente através do pagamento de quantias entregues a título de remuneração do trabalho.
3. - Depois de apresentadas as alegações do Ministério Público e da recorrente RS..., SA, o trabalhador e recorrido, nas suas contra-alegações veio suscitar duas questões prévias.
A primeira reporta-se à ilegitimidade da RS..., SA. Entende o recorrido que esta empresa tendo sido absolvida não tem legitimidade para recorrer da sentença absolutória.
A segunda questão respeita à tempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público. O recorrido considera que, não tendo o Ministério Público requerido qualquer aclaração ou arguido qualquer nulidade respeitante à sentença, não lhe aproveitaria nunca o facto de o prazo de recurso para a 2ª Ré apenas começar a correr depois da notificação do despacho que decidiu a reclamação (artigo 686º, nº1, do Código de Processo Civil).
Quer o Ministério Público quer a RS..., SA responderam
às questões prévias, mantendo a posição no sentido do respectivo indeferimento.
Corridos que foram os vistos legais referentes a estas questões prévias, cumpre apreciar e decidir.
4. - Quanto à primeira questão, a da legitimidade da RS..., SA para interpor recurso de constitucionalidade importa referir que o artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro - adiante, LTC)) estabelece que podem recorrer para o Tribunal Constitucional (a) o Ministério Público e(b) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.
No caso, porque se tratava da recusa de aplicação de uma norma, numa dada interpretação, o recurso era obrigatório para o Ministério Público, sendo certo que este tipo de recurso aproveita a todos os que tiverem legitimidade para recorrer, assim como o recurso interposto por um interessado ao abrigo da alínea a) do artigo 70º da LTC também aproveita aos restantes interessados (artigo 74º, nºs 1 e 2 da LTC).
Mas, vindo questionada a legitimidade da RS..., importa analisar se, nas circunstâncias do caso, lhe era reconhecida tal legitimidade face à lei processual em vigor para a tramitação procedimental nos Tribunais do Trabalho, âmbito em que a questão se tem de resolver.
De acordo com o preceituado no artigo 77º, nº1, do Código de Processo do Trabalho, um dos requisitos para a admissibilidade do recurso é o da legitimidade do recorrente, mas como não a define há que recorrer ao Código de Processo Civil (adiante, CPC), normação subsidiária do processo laboral (artigo 1º, nº2, alínea a), do CPT).
De acordo com o nº 1 do artigo 680º do CPC, os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, e o nº 2 do preceito regula a posição das pessoas que não sejam parte na causa ou sejam apenas partes acessórias: podem recorrer as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão.
Ora, no caso em apreço, contra a RS... apenas foram formulados pedidos subsidiários. Com efeito, na versão definitiva da petição inicial o Autor formulou contra as rés os seguintes pedidos:
..'1 - Declarar-se a 1ª R. como a entidade patronal do A. e condenar-se a mesma a colocar o A. no posto de trabalho correspondente à sua categoria profissional e a dar-lhe trabalho adequado;
2 - Condenar-se a mesma 1ª R. a pagar ao A.: as diferenças de retribuição referidas no art. 69º da p.i. e as retribuições não pagas desde 1 de Março de
1991 até à colocação do A. no seu posto de trabalho e à retribuição de actividade adequada liquidando as diferenças de retribuições não pagas à data da propositura da acção em 8.453.063$00; o valor correspondente à não entrega e utilização de viatura, enquanto não lhe for entregue, liquidando-se o valor da não utilização até à data da propositura da acção em 4.065.000$00; e valor das despesas para telefone a que tem direito, enquanto não lhe forem pagas; liquidando-se o quantitativo não pago até à data da propositura da presente acção em 261.000$0; importando as quantias vencidas referidas, à data da propositura da presente acção em 12.779.063$00 (doze milhões setecentos e setenta e nove mil e sessenta e três escudos), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação; e Quando assim não se entenda:
3 - Que a 2ª R. seja condenada a pagar as quantias referidas em 2., nos termos da atribuição de dívidas que lhe foi feita no acto da cisão ou quando não lhe tenham sido atribuidas, desde a data que for considerada a entidade patronal do A., mais os juros legais desde a citação;
4 - Que seja declarado caduco o procedimento disciplinar e nula e ilícita a decisão de despedimento, por a decisão ser proferida fora do prazo, por inexistência de justa causa e por amnistia das infracções disciplinares imputadas ao A. (al. ii) do art. 1º da Lei nº 23/91, de 4/7) e, em consequência, reintegrar-se o A. no posto de trabalho a que tem direito, de harmonia com a sua categoria profissional.'
E, se alguma dúvida restava de que a decisão proferida e agora em recurso absolveu a 2ª Ré dos pedidos subsidiários referidos, ela foi, clara e inequivocamente, resolvida pela decisão tomada quanto ao pedido de aclaração formulado pela RS...: esta ré, parte no processo, foi explicitamente absolvida dos pedidos contra ela formulados.
Portanto, de acordo com as regras de processo atrás transcritas, a parte (principal) que não tenha ficado vencida na acção não pode recorrer. Daí que, nesta perspectiva, se possa concluir que a recorrente não dispõe de legitimidade para recorrer.
Porém, admitindo que a RS... - contra quem apenas foram formulados pedidos subsidiários na acção - não possa considerar-se parte principal nos autos, o certo é que ela não pode considerar-se directa e efectivamente prejudicada pela decisão.
Com efeito, a palavra «vencido» do nº1 do artigo 680º do CPC equivale a «prejudicado», ou seja, reporta-se à pessoa ou entidade em relação à qual a decisão recorrida tenha sido desfavorável; ora, em relação à RS... a decisão questionada não foi em nada desfavorável, dado que a decisão a absolveu dos pedidos contra ela formulados.
A RS... pretende que tal desfavorabilidade resulta - não da decisão - mas da possibilidade de a questão de constitucionalidade poder ser decidida em sentido diverso do que foi nessa decisão. Ora, esta possibilidade não pode levar a que a RS... seja considerada como pessoa directa e efectivamente prejudicada.
Nestes termos, entende-se que a RS..., Lda. não dispõe de legitimidade para recorrer da decisão na parte em que nesta se recusou a aplicação , com fundamento em inconstitucionalidade, da norma da alínea p) do artigo 119º do Código das Sociedades Comerciais.
Assim, deferindo esta questão prévia suscitada pelo recorrido, R..., passa-se a apreciar a segunda questão prévia.
4. - Esta questão tem a ver com a tempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público.
O trabalhador recorrido entende que não tendo o Ministério Público requerido qualquer aclaração da decisão ou arguido a sua nulidade, o prazo para o Estado recorrer da decisão não pode beneficiar do alargamento do prazo derivado de um pedido de aclaração da sua co-ré RS..., Lda.
Na sua resposta a esta questão prévia, o Ministério Público pronuncia-se pela sua manifesta improcedência, pois tendo o pedido de aclaração uma relação directa com a questão de inconstitucionalidade suscitada nos autos, o prazo para recorrer desta questão só podia começar a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, nos termos do que se dispõe no artigo 686º do CPC.
Cumpre decidir.
A questão prévia tem claramente de improceder. É certo que o Ministério Público não requereu qualquer aclaração ou arguiu a nulidade da decisão recorrida. Mas, nem por isso deixa o respectivo prazo de recurso de se contar apenas depois de decidida tal questão e de notificada tal decisão às partes.
Como o Ministério Público acentua na sua resposta, o pedido de aclaração tinha directa conexão com a questão de inconstitucionalidade normativa dirimida, pelo que sendo, no caso, o recurso obrigatório para o Ministério Público, a interposição do recurso e do respectivo âmbito dependia do resultado da decisão a proferir sobre a aclaração, sendo indubitavelmente de aplicar o princípio da norma do artigo 686º, nº1, do CPC, que determina que, se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, prevendo o nº 2 do preceito a hipótese de já estar interposto recurso, caso em que o recorrente poderia adaptar o âmbito do recurso
à alteração que a decisão tivesse sofrido.
O recurso interposto respeitou portanto o prazo de oito dias contado da data da notificação ao Ministério Público da decisão que recaiu sobre o pedido de aclaração, pelo que foi interposto tempestivamente.
Tem, assim, de ser indeferida, nesta parte, a questão prévia suscitada pelo trabalhador e ora recorrido. III - DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
A) Deferir a questão prévia da ilegitimidade da firma RS..., Lda, julgando-a parte ilegítima para recorrer da decisão proferida na 1ª instância, não podendo conhecer-se do recurso interposto;
B) Indeferir a questão prévia suscitada relativamente à tempestividade do recurso obrigatório do Ministério Público, do qual deve, por isso, tomar-se conhecimento.
Lisboa, 1998.02.19 Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa