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Processo nº 802/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de recurso vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente R... e recorrido o Ministério Público, pelo essencial das razões constantes da exposição do relator - que mereceram a concordância do recorrido e a que o recorrente não respondeu - decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 802/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- R... foi condenado, em processo sumário, no Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, por sentença de 22 de Abril de 1997, além do mais, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no artigo 292º do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituídos, nos termos do nº 1 do artigo 44º do mesmo diploma, por noventa dias de multa, à taxa diária de 1.000$00.
Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da sentença, considerando que esta
'violou e interpretou incorrectamente, entre outras disposições legais, o artigo
292º do Código Penal, os nºs. 1 e 3 do artigo 1º do Código Penal, o nº 1 do artigo 29º da Consti tuição da República Portuguesa e o nº 2 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem aplicável por força do nº 2 do artigo 16º da Constituição da República Portuguesa'.
Em sua tese, o enquadramento jurídico-penal dado pela decisão recorrida à sua situação parte de uma factualidade errada uma vez que, não sendo possível determinar, através dos meios utilizados - teste de alcoolémia mediante o alcoolimetro de marca Seres, modelo 679 T, que mede a concentração de álcool - expelido, em dado momento, pelos pulmões, sob a forma de dióxido de carbono - a quantidade de álcool que o arguido tinha no sangue -
2,60 g/l segundo a decisão - a aplicação do disposto no aludido artigo 292º pode ter lugar por aplicação analógica ou interpretação extensiva.
1.2.- O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21 de Outubro de 1997, rejeitou o recurso, por manifesta improcedência.
Aí se ponderou, nomeadamente:
'A lei condena a condução de veículos, em via pública ou equiparada, por indivíduos sob a influência de álcool, reportando essa influência de álcool a níveis de alcoolémia, ou seja, a níveis de álcool no sangue.'
E, seguindo o estudo 'Álccol e condução: 5 anos depois', publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 384, págs. 5 e segs.:
'Como é óbvio a análise de alcoolémia no sangue de modo directo implica a punção para colheita de sangue. E como é igualmente óbvio as leis de fiscalização da influência alcoólica dos condutores não seriam exequíveis na prática se tivessem que assentar na colheita sistemática de sangue. Por isso elas floresceram a partir do momento em que se desenvolveu e aperfeiçoou a tecnologia da análise indirecta das alcoolémias através do ar expirado como ponto de partida no velho alcoolteste de Dräeger («o balão»).
É que a nível dos pulmões dispomos de uma superfície de contacto ar-sangue de cerca de 70 m separando os dois meios uma membrana permeável ao
álcool.
A uma determinada temperatura o etanol presente no sangue está em equilíbrio com o do ar alveolar, sendo a sua concentração neste último dependente de difusão e regulada pela lei de Henry.
Trabalhos de Harger e de outros autores confirmaram que 2100 c.c. de ar alveolar contém aproximadamente a mesma quantidade de etanol que 1 c.c. de sangue, quando o volume de ar é medido a 34º c (temperatura média a que é expirado). Fundamental: esta relação é processo susceptível de variações individuais significativas. Estudos mais recentes apontam para uma relação
2300/l'. (Vide Estudo, BMJ 384, págs. 6 e 7).
Assim, ao contrário do alegado pelo recorrente, os resultados do exame efectuados no aparelho SERES traduzem a taxa de álcool existente no sangue do indivíduo que é submetido a exame.
Existe uma relação matemática entre a taxa de álcool no sangue e a taxa de álcool detectada no ar expirado, de tal forma que o aparelho SERES, através da análise ao ar expirado, consegue fornecer a taxa de álcool no sangue.
Refere, nesse sentido, a Exma. delegada que, por esse motivo, no próprio talão junto a fls. 5, comprovativo dos resultados do exame efectuado no aparelho SERES se pode ler 'TAS: 2,60 g/l).
Este dado fundamenta a maior parte dos analisadores de ar expirado, nos quais um sistema automático converte a concentração etílica encontrada em taxa de álcool no sangue.
Não assiste, pois, razão ao recorrente quando diz que, pelo facto de não haver sido efectuada qualquer análise ao sangue do arguido - cujo exame o próprio recorrente dispensou para poder servir de contraprova. - não existem quaisquer elementos nos autos que permitam determinar qual a quantidade de
álcool que, no seu sangue, existia.'
1.3.- É deste aresto que vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, suscitando a questão da apreciação da inconstitucionalidade da norma daquele artigo 292º, com a interpretação que lhe foi dada - por violar o disposto no nº 1 do artigo 29º da Constituição e o nº 2 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável por força do nº 2 do artigo 16º da citada Lei Fundamental.
2.- Entende-se não poder conhecer do objecto do recurso.
2.1.- Como é incontroverso e se suporta em reiterada e uniforme jurisprudência deste Tribunal, o recurso de constitucionalidade tem por objecto, unicamente, a constitucionalidade de normas jurídicas - na sua integralidade ou em dada dimensão concreta - que os tribunais tenham desaplicado com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que hajam aplicado, não obstante, durante o processo, o recorrente ter suscitado a questão da sua desadequação constitucional.
O que significa não ter este recurso por objecto as decisões judiciais, em si mesmas consideradas ou as interpretações das normas ou princípios constitucionais, autonomamente considerados, que as decisões tenham adoptado.
Sem embargo, pode suscitar-se a questão da constitucionalidade da interpretação de uma dada norma jurídica desde que esta seja oportunamente enunciada perante o Tribunal recorrido e devidamente identificada na sua dimensão tida por inconstitucional.
2.2.- Pretende o recorrente que o Tribunal recorrido interpretou a norma do artigo 292º do Código Penal de forma extensiva, aplicando-o analogicamente, desde logo violando o disposto no nº 1 do artigo 29º da Constituição.
No entanto, não é o controlo normativo - legitimante do recurso de constitucionalidade - que está em causa.
Se é certo que o preceito pune quem conduz veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, não é essa normação que se equaciona em termos de adequação constitucional, pretendendo-se, afinal, não mais do que a reapreciação da decisão proferida, mormente ao entendimento nela professado, assente em factualidade ora intocável, no tocante à tecnologia da fiscalização da influência alcoólica dos condutores (de resto, na oportunidade, o recorrente formalmente declarou não pretender efectuar exames para efeitos de contraprova).
Ora, esse objectivo não se compagina com aquele controlo normativo, abrindo via, quando muito, a um recurso de amparo que não está entre nós previsto.
Sendo assim - como é, face a qualquer dos enfoques de constitucionalidade perspectivados pelo recorrente - não é admissível o recurso de constitucionalidade por ausência de um dos seus pressupostos de indispensável verificação, relativo à aplicação de norma cuja constitucionalidade se discute.
3.- Emite-se, por conseguinte, parecer no sentido de não conhecimento do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.