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Processo nº 648/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A D..., identificado nos autos, foi, por despacho de 24 de Abril de 1997, lavrado nos autos de inquérito registados sob o nº 8235/97
5.TD.LSB, do 5º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, aplicada a medida de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 202º do Código de Processo Penal (CPP), dado considerar-se indiciada a co-autoria material, por parte do arguido, de um crime de contrafacção de títulos equiparáveis a moeda, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 267º, nº 1, alínea a), e 262º do Código Penal e ainda de um crime de burla qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 218º, nº 2, alínea a), e 217º, do mesmo diploma legal.
Requereu o arguido a substituição dessa medida de coacção por outra alternativa, pretensão que foi indeferida por despacho de 18 de Julho de 1997.
Do assim decidido recorreu o interessado para o Tribunal da Relação de Lisboa que, no entanto, por acórdão de 23 de Setembro seguinte, negou provimento ao recurso, aresto posteriormente rectificado por acórdão de 14 de Outubro, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 380º do CPP, decisão que, no entanto, indeferiu o pedido de aclaração do primeiro aresto, por não lhe encontrar ambiguidade ou obscuridade alguma.
Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão de 23 de Setembro, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das seguintes normas:
- do nº 4 do artigo 97º do CPP, com a interpretação que lhe foi dada no acórdão recorrido, a qual viola o disposto no nº 1 do artigo 208º da Constituição da República (CR);
- dos artigos 193º e 204º, ambos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada no referido acórdão, a qual viola o disposto nos artigos 13º, 15º, nºs. 1 e 2, do artigo 18º, alínea a) do nº 3 do artigo 27º e nº 2 do artigo 28º, todos da CR.
O recurso viria a ser recebido, para subir imediatamente, em separado, com efeito suspensivo.
2.- Neste Tribunal alegaram oportunamente o recorrente e o Ministério Público, como recorrido.
Concluíu o primeiro as suas alegações do seguinte modo:
'1.- O recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma do art. 97º, nº 4 do C.P.P. por considerar que a interpretação dada pelo Tribunal a quo sobre tal normativo fere o disposto no nº 1 do art. 208º da Lei Constitucional.
2.- O recorrente suscitou, igualmente, a inconstitucionalidade das normas dos arts. 193º e 204º do C.P.P. por considerar que a interpretação dada pelo Tribunal a quo sobre tal normativo fere o disposto nos arts. 13º, 15º, nºs. 1 e 2 do art. 18º, alínea a) do nº 3 do art. 27 e do nº 2 do art. 28º, todos da Lei Constitucional.
3.- O Tribunal a quo interpretou o art. 97º, nº 4 do C.P.P. de uma forma que inobserva o conteúdo fundamental da norma constitucional do art.
208º, considerando que o recorrente 'não tem razão, já que dele (despacho) constam, suficientemente expressas, as razões de facto e de direito em que se ancora'.
4.- O despacho sobre o qual o Tribunal a quo entendeu que estavam suficientemente expressas as razões de facto e de direito, limita-se a apresentar, como razões de facto para a manutenção da prisão preventiva, a conclusão de que os documentos apresentados reforçavam os crimes de início imputados ao arguido.
5.- Entende o recorrente que, se a expressão desta conclusão confirma o sentido do art. 97º, nº 4 do C.P.P., o conceito de fundamentação das decisões judiciais perfilhado pelo Tribunal recorrido está em directa oposição teleológica à formulação constitucional do art. 208º.
6.- O sentido, a razão de ser da referida norma constitucional
é permitir reconhecer o íntimo processo de convicção do julgador, aperceber-se da forma como o tribunal conduziu o seu raciocínio e assegurar-se da racionalidade e respeito pela legalidade do tribunal.
7.- A mera formulação de um juízo, desacompanhado de qualquer análise, de qualquer processo descritivo que indique a forma como se elaborou ou construiu tal juízo, não basta para se considerar que está suficientemente fundamentado o discurso em que se insere.
8.- Só se pode aceitar a interpretação do nº 4 do art. 97º do C.P.P. como compatível com a norma constitucional se assegurar a expressão dos motivos, das razões, assim como de todo o processo íntimo de convicção dos julgadores, de modo a ser perceptível a decisão, a ser compreensível o meio como foi determinada, sendo evidentemente insuficiente a redução dos motivos ao princípio da identidade.
9.- Deste modo, a decisão recorrida aplicou a norma do nº 4 do art. 97º do C.P.P. com uma interpretação inconstitucional, incompatível com o art. 208º do C.R.P., a qual havia sido assim considerada pelo recorrente.
10.- Deve ser assim declarada inconstitucional a norma do nº 4 do art. 97º do C.P.P. quando aplicada com a interpretação do Tribunal a quo.
11.- O Tribunal a quo interpretou as normas dos arts. 193º e 204º do C.P.P., considerando que só pode ser aplicada a prisão preventiva quando se revelem inadequadas e insuficientes outras medidas de coacção por se verificarem determinadas circunstâncias que estruturam o caso concreto.
12.- Ora, esta interpretação fere directamente o conteúdo dos arts. 18º, nº 1 e 2, 27º, nº 3, alínea a) e do 28º, nº 2, todos da Lei Constitucional, uma vez que não define que a sua aplicabilidade depende da possibilidade real de se estabelecer uma caução ou determinar a sujeição a uma medida de coacção mais favorável, acautelando, desse modo, os direitos, liberdades e garantias expressamente previstos na Constituição.
13.- O Tribunal a quo confrontava-se com uma situação que permitia a aplicação de caução, não sendo possível esquecer que a indiciação, tal como entendida pelas autoridades judiciárias, se circunscreve aos crimes de burla e de falsificação.
14.- O arguido, ora recorrente, suscitou igualmente a inconstitucionalidade dos artigos já referidos por directa violação do preceito fundamental do art. 13º e 15º, nº 1 da Constituição.
15.- Entende o arguido, ora recorrente, que não é admissível interpretar e concretizar a alínea a) do art. 204º do C.P.P. violando o princípio constitucional da igualdade.
16.- O arguido, ora recorrente, entende que o Tribunal a quo, não se pronunciando sobre a referida inconstitucionalidade, admite a interpretação feita pelo Tribunal de Instrução Criminal.
17.- Esta interpretação determina que se considere, pelo facto de ser um indivíduo estrangeiro, preenchido o requisito da alínea a) do art. 204º do C.P.P.
18.- Deve ser, contudo, entendido que o perigo de fuga só pode ser concretizado sem a violentação ou inobservância do núcleo axiológico do princípio da igualdade.
19.- Não deve permitir-se que se considere verificado em concreto o perigo de fuga pelo facto de ser o arguido de nacionalidade estrangeira.
20.- Esta interpretação prejudica um indivíduo, neste caso o arguido, ora recorrente, unicamente por ser de diferente nacionalidade da portuguesa, como se por este facto se indiciasse ou presumisse o perigo de fuga.
21.- Assim, o preenchimento da alínea a) do art. 204º do C.P.P. baseia-se numa sua interpretação que é evidentemente discriminatória.
22.- Devem ser, nestes termos e com estes fundamentos, declaradas inconstitucionais as normas dos arts. 193º e 204º do C.P.P., quando aplicadas com a interpretação do Tribunal a quo.'
Por sua vez, o magistrado do Ministério Público contra-alegou do modo que assim finaliza:
'1.- O recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa quanto às normas dos artigos 193º e
204º do Código de Processo Penal, limitando-se a pugnar pela violação, pelas decisões proferidas, de certos princípios e preceitos da Lei Fundamental, pelo que não deve, nessa medida, conhecer-se do recurso.
2.- É manifestamente improcedente o recurso de constitucionalidade, enquanto reportado ao segmento do acórdão da Relação que, confirmando inteiramente as precedentes decisões das instâncias sobre a prisão preventiva do arguido, entende que tais decisões estão suficientemente fundamentadas, por expressarem, de forma bastante as razões de facto e de direito em que assentam.'
Finalmente, ouvido sobre a equacionada questão prévia relativa ao não conhecimento parcial do recurso, veio o recorrente aos autos reiterar a tese por si defendida e a correcta suscitação das questões de constitucionalidade que, como tal, devem ser apreciadas.
Dispensaram-se os vistos nos termos do oportunamente despachado. II
1.1.- Constitui objecto do presente recurso, no entendimento defendido pelo recorrente, a conformidade constitucional das interpretações que, em sua tese, o acórdão recorrido concedeu às normas do nº 4 do artigo 97º e dos artigos 193º e
204º do CPP.
A primeira dessas normas impõe que os actos decisórios
(dos juízes) sejam sempre fundamentados.
Por sua vez, a norma do artigo 193º prescreve a observância dos princípios da adequação e da proporcionalidade na aplicação em concreto das medidas de coacção e de garantia patrimonial, que 'devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas' (nº
1), tendo a prisão preventiva lugar apenas 'quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção' (nº 2), e que tudo deve ser compreendido sem prejuízo do exercício dos direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer (nº 3).
Finalmente, estabelece o artigo 204º o elenco de requisitos gerais de indispensável verificação concreta para ser legalmente admissível a aplicação de qualquer das medidas de coacção previstas, excepção feita ao termo de identidade e residência:
'a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.'
1.2.- Para o recorrente - e como já houve oportunidade de referir - a decisão recorrida, perante o disposto no nº 4 do artigo 97º do CPP, ter-se-á contentado com uma interpretação insuficientemente respeitadora do dever de fundamentação imposto pelo artigo 208º da CR, mais precisamente pelo seu nº 1
(texto anterior ao introduzido pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, hoje com parcial correspondência no nº 1 do artigo 205º).
Como observou nas alegações apresentadas, em sua tese,
'a mera formulação de um juízo, desacompanhado de qual quer análise, de qualquer processo descritivo que indique a forma como se elaborou ou construíu tal juízo, não basta para se considerar que está suficientemente fundamentado o discurso em que se insere', somente se compatibilizando uma leitura daquela norma com uma fundamentação que assegure não só a expressão dos motivos como de todo o processo íntimo de convicção dos julgadores, de modo a ser compreensível o meio como a decisão foi determinada.
Isto posto, e num segundo momento, também a interpretação do Tribunal das normas dos artigos 193º e 204º do CPP é constitucionalmente feridente, sempre na perspectiva do arguido; por um lado, na medida em que não define que a aplicabilidade dessas normas depende da possibilidade real de se estabelecer uma caução ou se determinar a sujeição a medida mais favorável, assim se acautelando os direitos, liberdades e garantias expressamente previstos na Constituição; por sua vez, e designadamente no que toca à norma da alínea a) do artigo 204º do CPP, perfilhando uma interpretação que, baseada no facto de o arguido ser de nacionalidade estrangeira - 'como se por este facto se indiciasse ou presumisse o perigo de fuga' - viola o núcleo axiológico do princípio da igualdade e, do mesmo passo, o disposto no artigo 15º do texto constitucional.
1.3.- A apreciação da situação subjacente passa pela área da interpretação normativa, sendo certo que, neste domínio, conforme repetidamente a jurisprudência deste Tribunal o tem observado, não e fácil traçar com segurança a linha divisória entre norma e decisão.
Coloca-se, desde logo, uma questão prévia, atendendo a que o Ministério Público defende não poder conhecer-se do recurso relativamente
às normas dos artigos 193º e 204º do CPP, dado a respectiva questão de constitucionalidade não ter sido suscitada antes da prolação da decisão recorrida, isto é, durante o processo, no sentido que reiterada e uniformemente se vem atribuindo a esta locução.
Com efeito, observa o magistrado recorrido que, na peça processual em que o arguido declara ter equacionado a questão - concretamente, no ponto 7, alíneas b) e c) da resposta que apresentou na Relação ao parecer do Ministério Público - mais não se fez do que sustentar que a consideração da qualidade de cidadão estrangeiro, como factor de ponderação da existência de perigo de fuga, constituiria violação do princípio da igualdade, a essa luz se limitando o arguido a pugnar que seria desproporcionada, inadequada e desnecessária a manutenção da prisão preventiva.
Não se terá, consequentemente, consubstanciado uma suscitação de inconstitucionalidade normativa, idónea e adequadamente. O que verdadeiramente se questiona - acrescenta-se - não são 'normas' nem interpretações normativas sequer, mas a avaliação concreta que as instâncias fizeram da matéria de facto relevante para a apreciação dos pressupostos de imposição de prisão preventiva, sob o ângulo de pretensa lesão dos direitos e garantias do arguido.
Importando abordar, desde já, esta problemática, não pode o julgador deixar de reter e ponderar o que, de pertinente a este respeito, se teve em conta na decisão recorrida.
1.4.- O despacho judicial que determinou a aplicação ao arguido, ora recorrente, da medida de prisão preventiva - o de 24 de Abril de 1997 - após ter entendido encontrar-se indiciada a prática de crimes cujas molduras penais abstractas admitem essa prisão, ponderou o circunstancialismo justificativo da medida para concluir pela pertinência da mesma. Foi, na verdade, entendido que nenhuma outra das medidas de coacção previstas legalmente garantiria a não perturbação da fase de investigação, seja por, de outro modo, se possibilitarem contactos e meios susceptíveis de obstaculizar a recolha e a produção da prova, seja porque, como cidadão estrangeiro, sem residência certa no território nacional (aliás já alterada sem ter dado conhecimento ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) se potencia a existência de perigo efectivo de fuga à acção da Justiça.
Semelhante entendimento foi reafirmado no despacho de 18 de Julho seguinte:
'Vistos os autos e os documentos agora juntos aos mesmos pelo arguido D..., entendemos que se mostram reforçados os indícios da prática pelo mesmo dos crimes imputados em sede de 1º interrogatório judicial.
Por outro lado, as diligências entretanto efectuadas não são de molde, quer a atenuar as exigências cautelares que os autos exigem, quer a afastar os requisitos constantes do art. 204º do Cod.Proc.Penal e referidos no despacho judicial que determinou que o Arguido aguardasse em prisão preventiva os subsequentes termos processuais.
Assim, entendemos que não se mostram alterados os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram o despacho judicial que determinou que o Arguido D... ficasse sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Pelo exposto e nos termos do artigo 213º do Cod.Proc.Penal, determino que o Arguido continue a aguardar em prisão preventiva os ulteriores termos processuais [...].'
Ora, foi sobre este quadro valorativo e de fundamentação que o Tribunal da Relação se veio a pronunciar, com ele concordando.
Como então se observou, 'mantêm-se as circunstâncias justificativas de tal medida - proporcionada aos factos, à gravidade do crime, determinada pela pena aplicável, e única aconselhável - e não se perfila outra válida [...]'.
1.5.- É óbvio que, como diz o Ministério Público, não incumbe ao Tribunal Constitucional apreciar se, in casu, existem ou não concretos e plausíveis
'riscos de fuga' do arguido e se ocorreu ou não 'enfraquecimento' dos indícios da prática por ele de certos crimes. De resto, são coisas manifestamente di ferenciadas 'presumir' a existência de perigo de fuga só pelo facto de o arguido ser estrangeiro ou avaliar, em concreto e face ao circunstancialismo do processo, tal perigo de fuga, cabendo valorar naturalmente o facto de o arguido não ter nacionalidade portuguesa e não se encontrar radicado no País.
Na verdade, como se observa, o que se questiona e pretende reapreciar é a avaliação concreta anteriormente feita numa perspectiva que se acolhe na figura do recurso de amparo, que, no entanto, não está consagrado na Constituição ou na lei. O Tribunal só tem poderes para apreciar a constitucionalidade de normas e não a de decisões ou de procedimentos seguidos por um tribunal, em si mesmos considerados, como decorre seja do artigo 280º da Constituição, seja do artigo 70º da Lei nº 28/82 (neste sentido, cfr. o acórdão nº 29/96, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de maio de 1996).
No caso subjacente, está em causa a correcção da decisão de um modo não normativamente dimensionado: não é a conformidade constitucional das normas contidas nos aludidos artigos 193º e 204º do CPP que se pretende discutir, mas sim o acento do decidido quanto ao substracto fáctico que convocou essas mesmas normas.
Assim sendo, não pode, nesta parte, conhecer-se do objecto do recurso.
2.- Resta, por conseguinte, conhecer deste quanto à norma do nº 4 do artigo 97º do CPP, segundo a qual, repete-se, os actos decisórios são sempre fundamentados.
Ora, a este respeito, é manifesta a improcedência do recurso.
Com efeito, discute o recorrente a constitucionalidade daquela norma 'com a interpretação que lhe foi dada no acórdão recorrido', nessa medida se reportando ao aresto de 23 de Setembro de 1997.
Se é certo que este se limita a registar pretender o recorrente que o despacho recorrido carece de fundamentação, com a consequente violação do artigo 97º, nº 4, concluindo por não lhe assistir razão 'já que dele constam, suficientemente expressas, as razões de facto e de direito em que se ancora', não é menos certo que o grau de suficiência de fundamentação do acórdão não pode ser aferido isoladamente mas sim em articulação com as anteriores decisões - transcritas supra - sobre a matéria, que confirma.
A esta luz, não ocorre qualquer aplicação da norma de modo a poder concluir-se pela sua desadequação constitucional.
Na verdade, o mandato constitucional de fundamentação das decisões do julgador é aberto - como sublinhou o acórdão nº 56/97, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Março de 1997 - limitando-se a exigência constitucional na matéria a devolver ao legislador ordinário o encargo de definir o âmbito e a extensão do dever de fundamentar, conferindo-lhe ampla margem de liberdade constitutiva (sem, evidentemente, significar discricionariedade que postergue, no espaço das decisões judiciais não meramente de expediente, o dever de fundamentar, como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático).
Ora, sob este prisma, não há que censurar uma norma como a do nº 4 do artigo 97º do CPP e, obviamente, em sede de interpretação normativa o mesmo se há-de dizer. E, também aqui seria incompatível com o presente tipo de recurso pretender-se entrar no domínio da reapreciação da matéria fáctica apurada.
Assim é que, nesta parte, o recurso improcede. III
Em face do exposto, decide-se:
a) não tomar conhecimento do recurso quanto à questão de inconstitucionalidade das normas dos artigos 193º e 204º do Código de Processo Penal, na interpretação normativa alegadamente feita na decisão recorrida;
b) julgar improcedente o recurso, negando-lhe provimento, quanto à questão de inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artigo
97º do mesmo Código, na interpretação utilizada.
Lisboa, 4 de Março de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa (Propendi a entender que, mesmo quanto ao nº 4 do artigo 97º do Código de Processo Penal, a questão era, simplesmente, de
'aplicação' dessa norma - insusceptível, portanto de recurso para este Tribunal. Mas claro que, havendo preenchido outro entendimento, quanto a este ponto prévio, votei, na integra a decisão).