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Processo nº 377/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional M..., identificada nos autos, interpôs recurso de revisão, nos termos da alínea f) do artigo 771º do Código de Processo Civil (CPC) - falta de citação - da sentença proferida em acção de despejo contra ela instaurado por A..., que correu termos no 4º Juízo do Tribunal Cível da comarca de Lisboa, de acordo com a qual foi o contrato de arrendamento, em que era locatária, declarado resolvido e ordenada a entrega do local arrendado à locadora, livre de pessoas e bens.
Em seu entender, foi empregada indevidamente a citação edital, pelo que há falta de citação, nos termos do artigo 195º, nº 1, alínea c), do CPC (redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
O senhor Juiz, após produção de prova testemunhal, decidiu-se pela improcedência do recurso, dada a sua intempestividade, mantendo a decisão proferida.
Inconformada, recorreu a interessada para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22 de Fevereiro de 1996 (fls. 83 e segs.), negou provimento ao recurso e confirmou a decisão agravada.
É desta decisão que a mesma interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, na medida em que nesse acórdão se fez aplicação do artigo 144º, nº 4, do CPC à contagem do prazo de trinta dias consagrado no artigo 772º, nº 2, do mesmo Código, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no artigo 20º da Constituição da República (CR), conforme nas alegações do recurso para a Relação já alegara.
Recebido o recurso, alegaram ambas as partes.
Conclui, deste modo, a recorrente:
'1ª- O prazo de trinta dias consagrado no artº 772º/2 do CPC para a interposição do recurso de revisão reveste natureza processual, suspendendo-se durante as férias, sábados, domingos e dias feriados, pelo que constitui uma excepção ao disposto no artº 144º/4 do CPC;
2ª- O artº 144º/4 do CPC só se aplica, em sede de recurso de revisão, ao prazo de caducidade de cinco anos consagrado no artº 772º/2 do CPC, sob pena de a sua extensão ao prazo de trinta dias previsto no mesmo artigo redundar na violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artº 20º/1 da Constituição;
Assim,
3ª- O artº 144º/4 do CPC é inconstitucional, por violação do referido artº 20º/1 da Constituição, quando interpretado no sentido de que o prazo de trinta dias previsto no artº 772º/2 do CPC reveste natureza substantiva.'
E, por sua vez, remata assim a recorrida, as respectivas alegações:
'1º- O prazo de interposição do recurso de revisão de sentença judicial transitada em julgado é um prazo substantivo e não um prazo processual.
2º- Quer a letra quer o espírito dos artigos 772º e 144º do Cód. Proc. Civil impõem que esse prazo não se suspenda aos sábados, domingos e feriados.
3º- Quer a doutrina quer a jurisprudência são unânimes neste ponto,
4º- sem que até hoje tivesse sido levantada, sequer, alguma vez a questão da inconstitucionalidade desse prazo por violação do direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º da Constituição. O que não deixa de ser significativo.
5º- A estatuição de um prazo substantivo de 30 dias para o exercício do direito de interposição do recurso de revisão não se traduz numa preclusão, suprimento ou compressão do direito da recorrente.
6º- Pelo contrário, tal prazo afigura-se como absolutamente razoável e adequado para o direito de acção,
7º- até porque permite, de facto, o seu exercício efectivo.
8º- Não se apresentando o presente prazo substantivo de 30 dias como exíguo, nem com dimensão temporal desproporcionada de que resultam efectivas limitações do direito tutelado, não se vislumbram inadequações ao direito de acesso aos tribunais.
9º- E assim não se mostra violado o artigo 20º da Constituição.
Conclui pela improcedência do pedido, com as legais consequências.'
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1.- O artigo 144º citado, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, após dispor que o prazo judicial é contínuo (nº
2), suspendendo-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e dias feriados (nº 3), subtraía os prazos de propositura das acções, com excepção dos embargos de terceiro, e os prazos de interposição dos recursos extraordinários a essa regra de contagem (nº 4 do preceito).
O artigo 772º do mesmo Código, também na redacção anterior àquele diploma legal, dispunha, por sua vez, no seu nº 2, não poder o recurso de revisão ser interposto depois de terem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, sendo o respectivo prazo de interposição de trinta dias, contados desde o trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão, nos casos previstos nas alíneas a), b) e d) do artigo 771º, consoante nos diz a sua alínea a), e, nos demais casos, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, de acordo com a sua alínea b).
No caso sub judice - reconduzível à situação hipotizada na alínea b) do nº 2 do artigo 772º - discute-se se a interpretação dada à norma questionada viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da CR.
Sendo este o objecto do recurso de constitucionalidade, importa atentar, desde já, no suporte fáctico da decisão recorrida.
Na verdade, em termos ora insindicáveis, teve-se aí por assente que a acção de despejo intentada contra a ora recorrente atingiu o seu epílogo na sentença de 17 de Novembro de 1992, tendo a interessada conhecimento da acção pelo menos desde 25 de Fevereiro de 1993, não obstante só ter interposto recurso de revisão aos 29 de Março desse ano.
Ora, foi entendido na 1ª instância - e a Relação secundou - que, nesta última data, já decorrera o prazo de trinta dias referido no citado artigo 772º, uma vez que se trata de um prazo de caducidade que, como tal, não se suspende nem interrompe - contrariamente à tese professada pela ora recorrente que entende tempestiva a interposição do recurso por se dever observar o nº 4 do artigo 144º. A Relação considerou a este propósito, por um lado, não ser aplicável o disposto neste normativo dado se tratar de recurso extraordinário, de acordo com o nº 2 do artigo 676º do CPC; e, por outro lado, não ter o prazo dos trinta dias natureza adjectiva, dado ser de caducidade, como tal encontrando-se a respectiva contagem sujeita ao regime previsto no artigo
279º do Código Civil.
Em que medida, então, se pode afirmar ter a decisão recorrida interpretado o nº 4 do artigo 144º do CPC por forma a consubstanciar violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva?
2.- A qualificação da natureza jurídica do prazo não é, em si, controlável por este Tribunal.
Ela, de resto, alicerça-se no ensinamento de José Alberto dos Reis, seguindo Carnelutti, que vê na função do prazo judicial a função de 'regular a distância entre os actos do processo', configurando-se como
'o período de tempo fixado para se produzir determinado efeito processual', o que é meramente processual e nada tem a ver com a determinação do período de tempo' dentro do qual se pode exercer o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material' (cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra, 1944, pág. 57). E logra impressivo apoio jurisprudencial (cfr., inter alia, o acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de Junho de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. III, pág. 119, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro e de 13 de Março de
1991, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nº s. 404, pág. 381 e segs., e 405, págs. 385 e segs., respectivamente).
Admitindo, a partir destas premissas, que não é a decisão judicial, em si mesma considerada, que vem questionada mas a interpretação que ao aludido artigo 144º, nº 4 se terá dado, conjugadamente com o nº 3 do mesmo preceito e o artigo 772º, nº 2 - e sabe-se como, por vezes, é particularmente delicado surpreender a linha divisória entre norma e decisão - não se vê em que medida está posto em causa o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CR, mais propriamente na vertente da tutela jurisdicional efectiva.
Na verdade, sendo esse direito uma das garantias a que se reporta o Título II da Parte I da Lei Fundamental sobre direitos e deveres fundamentais, o direito de acesso aos tribunais traduz-se, neste enfoque, na proibição das normas processuais impedirem seja o direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, seja o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (cfr., por todos, o acórdão nº 440/94, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Setembro de 1994).
Trata-se da chamada proibição da indefesa que, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, consiste 'na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág.
164).
Ora, a esta luz, não se vê que a interpretação impugnada tenha, de alguma forma, posto em causa, em termos constitucionalmente censuráveis, o direito de recorrer por via de revisão, até pela elementar razão de que a interpretação da natureza do prazo e, consequentemente, o critério da sua contagem seguiram a linha jurisprudencial comummente aceite, com apoio doutrinal, em nada se revestindo de surpreendente ou anómalo.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido na parte impugnada.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa