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Procº nº 778/97 Rel. Cons. Alves Correia
Exposição nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro):
1. E. interpôs, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa com processo ordinário contra a CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, EP, em liquidação, para obter desta indemnização pela cessação do contrato de trabalho que o ligava à empresa, e, ainda, diferenças retributivas e o quantitativo correspondente ao aviso prévio em falta. Por sentença de 2 de Fevereiro de 1994, foi tal acção considerada parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a pagar ao Autor a quantia de 143.050$00.
De tal decisão recorreu o Autor e, subordinadamente, a ré, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 26 de Setembro de 1995, a negar provimento ao recurso principal, concedendo provimento ao recurso subordinado na parte em que invocava a remissão obdicativa como forma de extinção dos direitos do autor e que a sentença do Mmº Juiz do 16º Juízo Cível de Lisboa, louvando-se em anterior Acórdão da Relação de Lisboa (de 10 de Janeiro de 1990, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1993, I), entendeu não se verificar.
2. Inconformado, o recorrente apresentou novo recurso, agora para o Tribunal Constitucional, invocando ter a decisão do Supremo Tribunal de Justiça aplicado a norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
138/85, de 3 de Maio, norma essa já declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 162/95, do Tribunal Constitucional. tal recurso não foi, porém, admitido no Tribunal a quo, pelo que o recorrente trouxe reclamação a este Tribunal. Pelo Acórdão nº 661/97, foi tal reclamação deferida e, subsequentemente, substituído o despacho reclamado por um outro, admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Porque a questão de constitucionalidade que ora há-de decidir-se não é nova na jurisprudência deste Tribunal, e porque já ela foi discutida neste processo - porquanto o que esteve em causa na apreciação da reclamação que originou o Acórdão nº 661/97 foi saber se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça tinha ou não aplicado norma já declarada inconstitucional com força obrigatória geral, o que implicou reflectir sobre o sentido de tal declaração de inconstitucionalidade e sobre a fundamentação da decisão recorrida - pode agora sumariar-se o que está em causa remetendo para outras decisões deste Tribunal:
- o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) invoca ter a decisão recorrida aplicado a norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85 (rectius: do Decreto-Lei nº 137/85);
- a decisão recorrida pronunciou-se expressamente sobre a questão, dispersando-se, porém, de a reapreciar, invocando ter ela já sido decidida pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 162/95, publicado no Diário da República, I Série, de 8 de Maio. E, de certa forma, prescindiu dela, julgando procedente uma remissão abdicativa dos direitos sobre a liquidação da empresa, empresa cuja extinção fez decorrer das restantes normas do Decreto-Lei nº 137/85
(sujeito a controlo preventivo da constitucionalidade: cfr. Acórdão nº 26/85, publicado Diário da República, II Série, de 26 de Abril de 1985).
4. Como se pode depreender da argumentação constante do Acórdão nº 661/97, proferido neste processo, a alegação do recorrente e a fundamentação da decisão recorrida não são contraditórias, se bem que tenham sentidos opostos. É que não aplicando explicitamente a norma da alínea c) do nº 1 do artigo
4º do Decreto-Lei nº 137/85 - como também o não fez a decisão recorrida que deu origem ao Acórdão nº 513/97 (ainda inédito) - pode obter-se o mesmo resultado que, justamente, foi o que, por incompatível com o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição, originou o juízo de inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85. O que não significa que sejam inconstitucionais todas as conjugações de normas que contendam com o que no Acórdão nº 528/96 (Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1996) se considerou o 'alcance da declaração de inconstitucionalidade' constante do Acórdão nº 162/95: 'o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e CNN ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo', ou seja: tal não implica, bem entendido, que se substitua um juízo de inconstitucionalidade normativa - que foi o que foi proferido por este tribunal - por um juízo de inconstitucionalidade fáctica, aferidor da subsequente aplicação de quaisquer normas e determinante da sua inconstitucionalidade quando originem esse mesmo resultado. E, portanto, não exclui que por quaisquer razões de direito (ou de facto) os referidos trabalhadores possam ser excluídos do seu direito a tal indemnização. O que não pode é essa exclusão assentar, numa qualquer medida, no conteúdo da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85.
Ora, justamente porque a 'simples extinção das empresas públicas CTM/CNN não tem virtualidade para, de um ponto de vista juridicamente relevante, determinar a extinção dos contratos de trabalho de que eram titulares os trabalhadores ao seu serviço', como escreveu o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, no Parecer que proferiu aquando da reclamação apresentada pelo ora recorrente, a conclusão a que chegava a decisão recorrida passava necessariamente pela mediação do conteúdo da norma declarada inconstitucional. É que a remissão abdicativa pressupõe que já tenha operado a extinção dos contratos de trabalho e esta, por força da declaração de inconstitucionalidade da norma que a contemplava, é ininvocável: veja-se, por
último, o Acórdão nº 564/96 deste Tribunal, ainda inédito, mas que remete para o já citado Acórdão nº 528/96, tirado em Plenário.
5. Entendo, pois, que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que contemple o anteriormente decidido por este Tribunal (Acórdãos nºs. 162/95 e 528/96, já referidos).
6. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, ACÓRDÃO Nº 205/98
Procº 778/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente E. e como recorrida CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, EP, pelos fundamentos da Exposição do relator de fls. 414-416, em que não foram abalados pela resposta da recorrida, decide-se:
a) Fazer aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº 162/95 (publicado no Diário da República,I-A Série, de 8 de Maio de 1995), na parte em que ela tem por objecto a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de maio;
b) Em consequência, conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, que deve ser reformada em conformidade com essa declaração de inconstitucionalidade, com o sentido e alcance que este Tribunal lhe fixou no Acórdão nº 528/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de
1996), e que é o de que tal declaração de inconstitucionalidade 'impede',pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte,a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo'.
Lisboa, 04 de Março de 1998 Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa