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Procº nº 402/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. P... e F... foram julgadas, juntamente com outros arguidos, na 2ª Secção da 5ª Vara Criminal de Lisboa, tendo, por Acórdão de 13 de Dezembro de
1996, sido a primeira condenada a pena de prisão e a segunda absolvida. Em requerimento ditado para a acta, a primeira interpôs recurso da decisão, vindo a apresentar a respectiva motivação em 10 de Janeiro de 1997, data em que também a segunda pretendeu interpor recurso.
Ao ter vista dos autos, a Procuradora-Geral Adjunta em funções no Supremo Tribunal de Justiça suscitou a questão da intempestividade da apresentação da motivação do recurso da primeira e do recurso da segunda, uma vez que, tratando-se de processo com arguidos presos, atento o disposto no nº 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal, os prazos correm em férias.
2. Notificadas para se pronunciarem, as recorrentes defenderam o entendimento de que a alteração legislativa introduzida pelo legislador no Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro ('... excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa'), era impeditiva de uma tal contagem dos prazos para apresentação da motivação de um recurso já interposto e, 'em obediência ao princípio da igualdade', também para interposição de recurso.
Por Acórdão de 14 de Maio de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça veio a considerar extemporâneos os recursos interpostos.
3. Notificadas de tal aresto, pretenderam P... e F... interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para o Tribunal Constitucional, visando a apreciação da 'conformidade da interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal, acolhida no douto acórdão (...)'.
Por despacho de 5 de Junho de 1997, o Conselheiro Relator não admitiu os recursos, com o fundamento em que 'as recorrentes deveriam ter levantado a questão da inconstitucionalidade do nº 2 do artigo 104º quando se pronunciaram sobre o parecer citado, uma vez que já aí se punha a questão sobre a qual agora recorrem para o Tribunal Constitucional'.
4. Argumentando que o Parecer do Ministério Público '[se] limitou a invocar o nº 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal e a considerar que o prazo para apresentar as motivações se tinha esgotado em 30.12.96', ao passo que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 'procedeu já à douta interpretação da norma do artigo 104º, nº 2, quer na redacção original, quer na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 317/95 de 28.12', vieram as recorrentes apresentar a reclamação ora em apreço, onde igualmente escrevem, entre o mais, o seguinte:
'Contudo, é preciso notar o seguinte: as recorrentes não pretendem ver apreciada a constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 104º do C.P.P., mas da interpretação e aplicação que lhe foi dada no acórdão referido (...)'.
5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal emitiu parecer no sentido do indeferimento da presente reclamação.
6. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
7. Embora a declaração das recorrentes de que 'não pretendem ver apreciada a constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 104º do C.P.P.' fosse suficiente para inviabilizar a reclamação, uma vez que ao Tribunal Constitucional só cabe apreciar a constitucionalidade de normas - ainda que na particular configuração que assumem na sua aplicação a um caso por mediação de uma decisão jurisdicional -, sempre se dirá que a decisão de não admissão dos recursos nenhuma censura merece, por, correctamente, ter identificado a falta de um dos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade interposto. De facto, tendo este sido intentado ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, necessário era que a inconstitucionalidade da norma que se pretendia ver apreciada por este Tribunal tivesse sido suscitada 'durante o processo', não num sentido formal (até ao trânsito em julgado - o que seria obviamente contraditório com o que está em causa: a possibilidade de recurso de constitucionalidade), mas sim num sentido funcional (até ao momento em que o tribunal a quo possa ainda conhecer da questão de constitucionalidade - de modo a que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre tal questão seja efectivamente proferida em recurso). Ora, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça não foi confrontado com o entendimento de que uma certa acepção de uma norma convocada para dirimir um litígio seria, no entender de uma das partes neste, inconstitucional, não chegou a formular qualquer juízo de constitucionalidade e, sem este, não é possível uma reapreciação da decisão por este Tribunal.
8. É certo que a jurisprudência e a doutrina constitucionais identificaram um certo número de casos em que se dispensam as partes do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade pressuposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Tais excepções não têm, porém, qualquer aplicação ao caso, porquanto, como o refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, as reclamantes tiveram, ao responder ao parecer exarado nos autos pelo Ministério Público, a oportunidade de suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma em causa antes da prolacção da decisão recorrida e esta não constituiu 'sequer 'decisão- -surpresa', com que a ora reclamante não pudesse razoavelmente contar (...)'.
9. Nestes termos, indefere-se a reclamação, condenando as reclamantes em custas, fixando-se a taxa de justiça em oito Unidades de Conta.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Luis Nunes de Almeida