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Proc. nº 351/97 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... S.A. requereu a suspensão de eficácia do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DA MINISTRA DO AMBIENTE, de 28 de Agosto de 1996, que 'concordou com o parecer técnico sobre a avaliação do impacto ambiental relativo a um pedido de alargamento da exploração da pedreira da Serra da Atouguia'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 14 de Janeiro de
1997, indeferiu o pedido de suspensão.
Inconformada, recorreu a J... desse acórdão para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, invocando a inconstitucionalidade da alínea d) do artigo 103º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos, que impede esse recurso.
O Conselheiro Relator, por despacho de 14 de Fevereiro de 1997, não admitiu o recurso, por entender que a mencionada alínea d) do artigo 103º não enferma de inconstitucionalidade.
Reclamou, então, ela para a conferência, insistindo na inconstitucionalidade antes invocada.
Por acórdão de 8 de Abril de 1997, foi mantido o despacho reclamado, entendendo-se não se verificar a inconstitucionalidade arguida.
2. É deste acórdão, de 8 de Abril de 1997, que vem interposto o presente recurso pela referida J..., ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da dita alínea d) do artigo 103º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
Neste Tribunal, alegou a recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1ª. - O artigo 103º./d) da LPTA é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade [...], pois,
a) O princípio da igualdade, além do mais, 'requer que sejam solucionadas igualmente as situações iguais e de modo diferente as situações desiguais. É uma das regras pacíficas nesta matéria. Será ilegítima qualquer discriminação quando nenhum elemento relevante (e constitucionalmente não lícito) o justifique; ao invés, será ela legítima sempre que a diferença de regime se baseie em dados objectivos e se reclame de distinções relevantes sob o ponto de vista dos princípios e valores constitucionais (e seja adequada à sua realização)'. Assim, b) Só serão admissíveis tratamentos diferenciados se existir inequívoca e objectivamente um apoio material-constitucional para tal diferenciação, ou, por outras palavras 'se se concluir no sentido de a Constituição, à luz dos princípios que adopta e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordinária'. c) O artigo 103º./d) da LPTA exclui o recurso da decisão do STA sobre o pedido de suspensão da eficácia, admitindo apenas o recurso com fundamento em oposição de julgados, limitando-se assim gravemente a garantia constitucional do acesso ao direito actualmente já expressamente constante da letra da Constituição. d) A exclusão do duplo grau de recurso neste tipo de casos não tem qualquer justificação face às normas ou princípios constitucionais e muito menos face aos fins que a Constituição 'comete ao Estado' (cfr. doutrina e jurisprudência citadas), sendo que a lei de contencioso administrativo prevê nos demais casos e inclusivé, na hipótese de actos administrativos idênticos, o duplo grau de recurso, o qual se encontra também consagrado no âmbito dos tribunais judiciais ou comuns e tribunais tributários. e) Das decisões jurisdicionais que decidam pedidos de suspensão de eficácia de actos praticados por órgãos das autarquias, ou praticados por Directores-Gerais, v.g., haverá sempre recurso para outra instância. Das decisões jurisdicionais que decidam pedidos de suspensão de eficácia de actos dos Ministros - que podem ser exactamente iguais aos actos praticados pelos Directores-Gerais -, não haverá recurso para outra instância, a não ser com o estrito fundamento de oposição de julgados. Assim,
3ª. - O artigo 103º./d) da LPTA inviabiliza o princípio do duplo grau de jurisdição, ínsito nos arts. 18º./1 e 20º./2 da Constituição, pelo que é manifestamente inconstitucional.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 103º./d da LPTA.
De sua parte, o Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente concluiu como segue a sua alegação: A) O princípio de igualdade não se encontra violado uma vez que as decisões sobre os pedidos da suspensão de eficácia de actos administrativos são sempre passíveis de recurso contencioso e decisão por órgão colegial, intervindo, em
última instância, a 1ª Secção do STA. B) Não existe inconstitucionalidade orgânica do artigo 103º por não regular matéria incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia, nem tão pouco operar a revogação do artigo 24º do ETAF. C) O princípio do duplo grau de jurisdição não dispõe, salvo em processo criminal e quanto a decisões condenatórias, de uma protecção geral, no plano constitucional, não sendo portanto inconstitucional o artigo 103º al. d) da LPTA.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir se a norma da alínea d) do artigo 103º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos é inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. O artigo 103º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos
(aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), cuja alínea d) aqui está sub iudicio, dispõe como segue: Salvo por oposição de julgados, só não é admissível recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que decidam:
a) em segundo grau de jurisdição; b) sobre conflitos de jurisdição ou de competência; c) sobre recursos de actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou do seu presidente; d) sobre a suspensão de eficácia de actos contenciosamente impugnados.
A este artigo 103º foi dada nova redacção pelo Decreto-Lei nº
229/96, de 29 de Novembro. Presentemente, este artigo tem dois números, constando do nº 2 - que dispõe 'salvo por oposição de julgados, não é também admissível recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que decidam sobre a suspensão de eficácia de actos contenciosamente impugnados' - a doutrina que antes se achava consagrada na alínea d).
A dita alínea d) do artigo 103º já foi apreciada por este Tribunal, por diversas vezes, sub specie constitutionis. Tal se fez nos acórdãos nºs
202/90, 447/93 e 249/94 (publicados no Diário da República, II série, de 20 de Janeiro de 1991, de 23 de Abril de 1994 e de 27 de Agosto de 1994), da 1ª Secção, e no acórdão nº 99/95 (por publicar), da 2ª Secção.
Em tais arestos, sempre se concluiu que a norma em causa não é inconstitucional, pois que ela não viola, designadamente, o direito de acesso aos tribunais (recte, o direito ao recurso ou ao duplo grau de jurisdição), nem o
princípio da igualdade, nem tão-pouco a reserva parlamentar atinente aos direitos, liberdades e garantias ou à competência dos tribunais.
Pelos fundamentos constantes de tais acórdãos, para os quais aqui se remete, também agora se conclui pela não inconstitucionalidade da norma sub iudicio.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão da inconstitucionalidade. Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida