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Proc. nº 521/97
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. O Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira, em acordão de 18 de Abril de 1995, condenou C... e A... pelo cometimento, em co-autoria, de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 144º, nº 2, e 145º, nº 1, do Código Penal: a primeira, na pena de dois anos e dez meses de prisão, e o segundo, na pena de três anos e quatro meses de prisão. A cada um foram perdoados dois anos de prisão, em razão da Lei nº 23/91, de 4 de Julho e da Lei nº 15/94, de 11 de Maio.
Os arguidos interpuseram recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em acordão de 5 de Março de 1997, esse Supremo Tribunal negou provimento ao recurso, mas aplicou o regime jurídico do Código Penal de 1995, que teve por mais favorável, e, assim, condenou a arguida C... na pena de dois anos de prisão e o arguido A..., na pena de dois anos e oito meses de prisão.
Este arguido pretendeu, então, interpor recurso de constitucionalidade deste acordão do Supremo Tribunal de Justiça, delimitando-o na norma do artigo 433º do Código de Processo Penal. Assim:
'(...) Em conformidade com o disposto no artº 75º-A do mesmo Diploma, pretende-se ver declarada inconstitucionalidade na seguinte matéria alegada:
a) Inconstitucionalidade do artº 433º do CPP de 1987 na medida em que dispõe que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa apenas o reexame da matéria de direito, por violação do artº 32º nº 1 da CRP.
b) Inconstitucionalidade da interpretação dada à parte final do artº
433º do CPPenal, ao ter aplicado ao arguido dispositivos legais que não foram levados em conta pelo Tribunal de 1ª Instância. De facto, existe no caso em apreço reinterpretação jurídica dos factos, mas porque a Lei Penal foi alterada, deixando de existir o crime pelo qual o arguido foi condenado em 1ª Instância. Nesse caso, os Direitos constitucionais de defesa impôem que a matéria seja reapreciada pela 1ª Instância, a fim de ser integrada a matéria dada como provada. Existe pois violação do disposto no artº 32º nº 1 e nº 7 da CRP.
c) Viola igualmente aquele dispositivo a norma ou interpretação da norma que permitiu ao STJ a apreciação da matéria relativa à competência territorial para a realização do julgamento suscitada. De facto tal matéria é de apreciação pela Relação de Coimbra e não directamente pelo STJ por não caber na previsão do artº 433º do CPPenal.
O presente recurso não é manifestamente infundado'(...).
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro-Relator não admitiu o recurso, em despacho de 10 de Abril de 1997:
'O arguido Álvaro Martins da Silva interpôs, a fls. 620/621, recurso para o Tribunal Constitucional do acordão deste Supremo Tribunal de Justiça de
5/3/97, nesta data publicado.
O prazo para tal recurso é de oito dias (artº 75º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), pelo que, interposto em 20 de Março de 1997, está fora de prazo.
De resto o recurso sempre teria de ser considerado inadmissível por naquele que fora interposto para este Supremo Tribunal não se haver suscitado a questão de inconstitucionalidade do artº 433º do CPPenal.
Este despacho foi depois confirmado em conferência naquele Supremo Tribunal, por acordão de 9 de Julho de 1997.
Álvaro Martins da Silva vem agora deduzir reclamação do despacho que lhe não admitiu o recurso. Com os seguintes fundamentos:
'(...) 1. A tempestividade do recurso.
Com a salvaguarda do devido respeito por opinião em contrário, o recurso ainda entrou em tempo. De facto,
Proferida a decisão a 5 de Março, o prazo de oito dias haveria de terminar a 17 de Março.
Atento ao previsto no artº 145º nº 5 do CPCivil, tem o requerente três dias mais para praticar o acto, embora sujeito ao pagamento de uma multa.
Questão que aqui se pode levantar, e provavelmente estava no espírito do Exmo. Conselheiro Relator, terá a ver com o facto de os prazos no novo CPCivil serem seguidos e não úteis como no regime anterior.
Em compensação, a legislação transitória relativa aos processo em curso, converteu em prazos seguidos os prazos úteis, alargando-os.
Mas, relativamente aos recursos para o Tribunal Constitucional, esse prazos não foram alterados, mantendo o regime dos prazos anteriormente previstos. Ora o manter os prazos, mantém também que eles sejam em dias úteis e não seguidos.
2. A recorribilidade.
Salvaguardando de novo o devido respeito, entende o reclamante que foi levantada a questão de inconstitucionalidade do artº 433º do CPP.
As referências ao disposto no artº 374º nº 2 e 410º nº 2 são claras sendo que ambas se reportam ao mesmo tema jurídico.
De facto, foram levantadas outras questões de inconstitucionalidade no requerimento de recurso que anteriormente não haviam sido levantadas aquando da fundamentação do recurso. Contudo.
Essas questões surgiram na decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e não na 1ª Instância.
De facto só neste Tribunal foi levantada a questão de aplicabilidade da nova Lei Penal , que descriminalizou o comportamento dos arguidos segundo a interpretação Jurídica adoptada pela 1ª Instância. É à primeira Instância que compete apreciar qual o regime mais favorável ao arguido e aplicar em concreto a pena.
A apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça poderá ocorrer em sede de Nova Instância de apreciação Jurídica sob pena de o recorrente 'perder' uma Instância de Recurso e ver assim limitados os seus direitos de defesa'(...).
2. O Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, com o fundamento de intempestividade. Disse:
'(...) É por demais evidente que o recurso de constitucionalidade interposto é claramente extemporâneo, o que conduz, desde logo, à liminar rejeição desta reclamação.
Na verdade, por força do disposto no art. 75º, nº 1, da Lei nº
28/82, é de oito dias o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, aplicando-se naturalmente à contagem deste prazo o regime previsto na lei de processo civil, por força da remissão operada pelo art. 69º daquela Lei - ou seja, à data da interposição do recurso o estatuído no art.
144º do CPC, na redacção emergente dos DL 329-A/95 e 180/96, segundo o qual o prazo processual é contínuo, apenas se suspendendo, em certas circunstâncias, durante as férias judiciais.
Estando a duração do prazo de interposição dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade expressamente previsto na referida Lei nº 28/82 e integrando-se, consequentemente a norma que o estabelece no âmbito da reserva de competência absoluta da Assembleia da República (art. 167º c) da Constituição é evidente que - por razões formais - a reforma do processo civil, consubstanciada em diplomas autorizados pelo parlamento, nunca poderia alterar a duração daquela prazo: daí que - e com a finalidade de advertir as partes explicitamente para tal circunstância - o art.
6º, nº 2, do DL nº 329-A/95 haja expressamente ressalvado da 'adaptação' à regra da continuidade os prazos directamente estabelecidos nos diplomas que regem o processo constitucional.
Ou seja: é inquestionável que o prazo de interposição dos recursos de fiscalização concreta se mantém, quanto à sua duração, em 8 dias, por não poder ter sido 'adaptado' nos termos previstos no art. 6º do citado DL nº
329-A/95; e que, por força da remissão operada pelo art. 69º da Lei nº 28/82, tal prazo passa a correr continuamente, incluindo os sábados, domingos e feriados, nos termos actualmente estatuídos no art. 144º do CPC.. Daí que - considerando-se a decisão de que se pretendeu recorrer notificada aos interessados em 5/3/97, o prazo de interposição do recurso terminava em 13 do mesmo mês, sendo manifestamente extemporânea a sua interposição apenas no dia
20/3/97.
II. Independentemente do problema da tempestividade do recurso e da controvérsia sobre a alteração do Código de Processo Civil em matéria de prazos
- e de conexão que tem com o Processo constitucional - há-de dizer-se, desde logo, que o reclamante não suscitou a questão de constitucionalidade do artigo
433º do Código de Processo Penal durante o processo.
Ao recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão condenatória da Iª Instância, o que foi impugnado não foi aquela norma, mas antes, e por forma não adequada, as normas dos artigos 374º, nº 2, e 410º, nº 2 e 3, do Código de Processo Penal. Isso mesmo o atesta o próprio reclamante no requerimento que dirige ao Tribunal Constitucional, como já se viu. Durante o processo não há qualquer controvérsia de constitucionalidade sobre a norma do artigo 433º do Código de Processo Penal, em que agora vem delimitado o objecto do recurso de constitucionalidade.
Mas, assim, não se verifica aquele pressuposto do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, consistente na suscitação da questão de constitucionalidade previamente à decisão do Tribunal que decide a causa.
Com estes fundamentos, improcede, no caso, a reclamação.
III- Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em seis ucs.
Lisboa, 4 de Março de 1998 Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa