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Proc. nº 711/97
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. C... deduziu reclamação, nos termos dos arts. 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, contra o despacho do Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu recurso por ele interposto para o mesmo Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art. 70º daquela lei orgânica.
Fundamentou essa reclamação do seguinte modo:
- O recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo ora reclamante não foi admitido com a invocação da circunstância de que não teria havido no acórdão da Relação de Lisboa nenhuma aplicação, expressa ou implícita, da norma da alínea c) do nº 1 do art. 4º da Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, diploma que extinguiu a CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, E.P., e determinou a caducidade dos contratos de trabalho por esta celebrados;
- Todavia, essa norma foi aplicada, 'na medida em que nele [acórdão da Relação de Lisboa] se entendeu que o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo
38º, nº 1, da LCT, aplicável ao crédito peticionado pelo recorrente, já tinha decorrido à data da propositura da acção, que foi posterior à data de publicação da declaração de inconstitucionalidade (publicada no Diário da República, I Série, de 1 de Maio de 1995)';
-' Ora, este entendimento não corresponde de modo algum ao sentido e alcance da mencionada declaração de inconstitucionalidade, que foi explicitado no Acórdão nº 528/96 do Tribunal Constitucional';
- Relativamente a esta questão da aplicação da norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, quando se decide estar prescrito o crédito de indemnização, o Tribunal Constitucional já assim o reconheceu no acórdão nº
513/97, onde se afirmou que, 'independentemente do que vier a ser decidido a final pelo tribunal a quo quanto à definição dos direitos que poderão ou não assistir aos recorrentes', a consideração de que teria decorrido o prazo prescricional quanto a esses créditos 'envolve aplicação pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral...'
Concluiu no sentido da procedência da reclamação.
2. Dada vista dos autos ao Senhor Procurador-Geral Adjunto, exarou ele parecer no sentido do deferimento da reclamação, tendo aí considerado ser evidente que o reclamante não tinha de pagar qualquer taxa de justiça inicial relativamente à mesma reclamação (a fls. 316 a 319).
3. Foram corridos os vistos legais.
II
4. Resulta dos autos que o ora reclamante propôs em 26 de Abril de 1996, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção com processo ordinário contra o Estado Português e a referida CTM, empresa pública em liquidação, pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de 2.114.919$00, correspondente à indemnização por despedimento, à remuneração equivalente ao período de aviso prévio em falta e à correcção do valor da moeda, com base na fundamentação do acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio (diploma que extinguiu a CTM).
A acção foi contestada por ambos os réus, tendo sido deduzida a excepção de prescrição dos créditos invocados.
Através de saneador-sentença proferido em 16 de Janeiro de 1997 foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição e absolvidos os réus do pedido formulado (a fls. 194 a 198).
Inconformado, o autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas a apelação foi julgada improcedente, confirmando-se a sentença da 1ª instância (acórdão de 10 de Julho de 1997).
O autor pretendeu recorrer desse acórdão para o Tribunal Constitucional com fundamento na alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Mas esse recurso foi rejeitado por despacho do relator, onde se pode ler o seguinte passo:
' Certo é, porém, que em parte alguma do Acórdão de que se pretende recorrer se fez aplicação - implícita ou expressa - da apontada norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do DL nº 137/85. Apenas se disse - o que, a nosso ver, é exacto - que a declaração de inconstitucionalidade desse preceito, adoptada no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95, nenhuma influência impeditiva podia ter na consumação da prescrição dos créditos do Autor reclamados na acção. Isto no entendimento de que o seu contrato de trabalho, em face da extinção da Ré decretada no artigo 1º do DL nº 137/85, necessariamente cessou em Maio de
1985, por caducidade, nos termos do artigo 8º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16/7, devido a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de esse trabalhador prestar o seu trabalho à ré e de esta o receber, conforme já se decidira no douto Acórdão do S.T.J., de 29.01.97, ou de que, a assim se não considerar, então sempre ocorrera uma cessação de facto contratual, a partir de 7 de Maio de 1985, daí se contando, em qualquer das hipóteses, o prazo prescricional de um ano previsto no artigo 38º, nº 1, da L.C.T. e no artigo 26º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/73, de 1 de Março.' (a fls. 303 e vº)
Daí a presente reclamação.
5. Desde já se afirma que esta reclamação deve ser deferida, como tem vindo a ser decidido - face a reclamações semelhantes - de forma unânime em ambas as Secções do Tribunal Constitucional.
Como põe em destaque o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 513/97, ainda inédito, que
é 'uma verdadeira decisão interpretativa do juízo de inconstitucionalidade contido naquele Acórdão nº 162/95', considerou que envolve necessariamente a aplicação, pelo menos implícita, da norma constante da alínea c) do nº 1 do art.
4º do Decreto-Lei nº 137/85 quando se considera a extinção por prescrição dos créditos de indemnização reconhecidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional em termos de a inexistência de indemnização acarretar a inconstitucionalidade da norma (a fls. 317). E acrescenta-se:
' Pode, deste modo, concluir-se que, em consequência da «decisão interpretativa» do sentido da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº
162/95, operada pelo Acórdão nº 528/96 do Plenário deste Tribunal, o alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade constante daquele acórdão é o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e CNN ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo.' (a fls. 319)
Ao decidir de modo diverso, o despacho reclamado - na sequência, aliás, do acórdão que o ora reclamante pretendeu impugnar - aplicou implicitamente a norma da alínea c) do nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei nº 137/85, a qual não reconhecia qualquer indemnização aos trabalhadores da CTM, não obstante a caducidade do respectivo contrato de trabalho que tal norma determinava.
Cabendo ao Tribunal Constitucional interpretar as suas próprias declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, é óbvio que os restantes tribunais têm de ficar vinculados pelo juízo, constante do acórdão nº 162/95, de que tal declaração 'impede, pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo' (cfr. acórdãos nºs. 660/97 e 661/97, ainda inéditos).
6. Tendo havido aplicação implícita da referida norma pelo despacho reclamado, apesar dessa norma ter sido inconstitucionalizada, está verificado o pressuposto da alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, havendo de proceder a reclamação.
III
7. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional deferir a reclamação, revogando-se, consequentemente, o despacho reclamado o qual deverá ser substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 1998 Armindo Ribeiro Mendes Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa