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Proc. nº 823/97
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes EXPOSIÇÃO DO RELATOR (ART. 78º-A, Nº 1, DA LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL)
1. Nos autos à margem identificados, vindos do 9º Juízo Cível de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida V..., S.A., o Senhor Juiz desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, os arts. 2º, 4º, 5º e 6º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, absolvendo do pedido executivo a seguradora executada, nos embargos por esta deduzidos contra o exequente, Hospital de S. José.
Na decisão referida, o Senhor Juiz discordou da orientação no sentido da não inconstitucionalidade desses mesmos perfilhada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente a acolhida no acórdão nº 760/95.
Pode ler-se nessa decisão ora recorrida:
' É a actividade unilateral dos Hospitais a base criacionista das relações jurídicas que o título incorpora. E ao fazê-lo os Hospitais determinam arbitrariamente a resolução dum conflito jurídico. As relações obrigacionais, ao confrontarem credor e devedor, exigem em caso de litígio a determinação da efectiva conformação dessa relação jurídica com a Ordem Positiva, qual a extensão e âmbito da mesma, quais as pessoas jurídicas que nela se envolveram. É tudo isto que é postergado com a actividade certificatória dos Hospitais e não basta ao Tribunal Constitucional abraçar um conceitualismo formal da função juridicional de conflito e de litígio para negar o que é, afinal, evidente.' (a fls. 27 vº)
Na mesma decisão, desconsidera-se a possibilidade de disposição legal especial poder atribuir força executiva a certos títulos (art. 46º, alínea d), do Código de Processo Civil), afirmando-se que os títulos executivos devem ter como base ou uma definição judicial de direitos ou um acto de reconhecimento voluntário de uma obrigação e pondo-se em causa a possibilidade de o Estado definir autoritariamente relações conflituosas, em termos de obrigar os particulares - além das companhias de seguros - a ter de recorrer a embargos de executado para se eximirem da responsabilidade pelos créditos hospitalares.
Ainda na mesma decisão, recorre-se à ideia de 'fundamentalidade' na protecção dos direitos fundamentais para questionar a solução legislativa, afirmando-se que os 'direitos fundamentais são valores de carácter objectivo, antes ainda de serem direitos ou pretensões subjectivas', meios de obtenção de uma 'eficácia óptima' susceptível de conferir uma 'efectiva (e não formal ou académica) protecção aos cidadãos' (fls. 29 vº). E o mesmo Magistrado acaba por concluir:
' Confrontando o regime jurídico das certidões hospitalares e o princípio do Estado de Direito não conseguimos (e o defeito será nosso por certo) descortinar a adequação do primeiro ao segundo. E a situação que delineámos, ainda mais se veio agravar, do nosso ponto de vista, com a entrada em vigor do DL 274/97, de 8/10.' (a fls. 31)
2. Porque o representante do Ministério Público interpôs recurso da decisão de desaplicação das indicadas normas, subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Entende o relator que o presente recurso merece provimento, não tendo a decisão recorrida trazido novos argumentos ao debate sobre a questão de constitucionalidade sub judicio. De facto, a alusão à superveniência do Decreto-Lei nº 274/97 é dificilmente compreensível no presente processo em que os embargos foram deduzidos mais de dois anos antes da entrada em vigor desse diploma legal.
No restante, a decisão recorrida parte de uma criticável solução legal - porventura, qualificável de 'mau direito', como se admitiu em decisão do Tribunal Constitucional - para chegar à inconstitucionalidade, reputando-se de inadmissível, no fundo, a criação de título executivos administrativos e considerando-se inaceitável que os hospitais públicos se dirijam aos responsáveis ostensivos de acidentes de viação ou de trabalho, em regra indicados pelas pessoas neles assistidos, para lhes cobrar os cuidados de saúde prestados. Neste contexto e atendendo a que, em regra, os responsáveis identificados nos títulos executivos são empresas seguradoras que, se pagarem essas quantias, poderão, em via de regresso, exigi-las de terceiros responsáveis, não pode concordar-se com o juízo de inconstitucionalidade agora formulado.
De resto, este Tribunal Constitucional tem admitido que não é inconstitucional a responsabilidade fiscal subsidiária de administradores ou gerentes de empresas e sociedades de responsabilidade limitada (art. 13º do Código de Processo Tributário) que justifica a reversão de execuções fiscais contra esses administradores, forçando-os a opor-se à execução, para demonstrarem que não são responsáveis pela dívida exequenda . Tal instituto pretende - à semelhança do que ocorre com as soluções criticadas - tutelar os créditos do Estado e de outras entidades públicas, evitando a generalização de uma 'cultura de incumprimento', que é, por vezes, propiciada pela lentidão de actuação das entidades públicas.
Por último, e como se acentuou no acórdão nº 761/95, a circunstância de ser exigível a prestação de caução pelos executados que hajam embargado a execução, para obterem a suspensão dessa execução, não pode afectar a constitucionalidade das normas desaplicadas, podendo, quando muito, inquinar a validade constitucional do art. 818º do Código de Processo Civil.
Preconiza, por isso, o relator a manutenção da jurisprudência do Tribunal Constitucional, reiterada ao longo de dezenas de acórdãos.
3. Notifique-se esta exposição ao recorrente e à recorrida, para se pronunciarem, querendo, sobre o respectivo teor, no prazo de 5 dias, contados seguidamente.
Lisboa, 29 de Janeiro de 1998
ACÓRDÃO Nº 220/98 Procº nº 823/97
1ª Secção Rel: Cons.Ribeiro Mendes Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos autos à margem identificados, vindos do 9º Juízo Cível de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida VITÓRIA SEGUROS, S.A., no essencial pelas razões constantes da exposição do relator - que mereceram 'inteira concordância' da entidade recorrente, não tendo havido resposta da sociedade recorrida - decide o Tribunal Constitucional concedr provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformada em consonância com o julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 4 de Março de 1998 Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa