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Processo n.º 765/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A..., AP..., J..., JC..., AS..., AC... e JÁ... propuseram, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção ordinária contra o ESTADO PORTUGUÊS e a C..., EP (em liquidação), pedindo que fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhes a quantia global de 9.109.467$00, correspondente à indemnização por despedimento, à remuneração equivalente ao aviso prévio em falta e à correcção do valor da moeda.
A acção naufragou logo no saneador: para o que aqui interessa, o pedido formulado contra a C... foi, aí, julgado improcedente, uma vez que, no momento da propositura da acção - decidiu-se -, os créditos invocados pelos autores já tinham prescrito.
Inconformados, interpuseram os autores recurso para a Relação de Lisboa. Mas esta, por acórdão de 10 de Outubro de 1997, julgou-o improcedente, por considerar que os créditos invocados tinham prescrito.
Ainda inconformados, os autores recorreram deste acórdão, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que - disseram -, nele, fez-se aplicação implícita da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio, que havia sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 162/95, publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Maio de 1995.
O Desembargador relator não admitiu, porém, o recurso.
Disse, para tanto, que, 'em parte alguma do acórdão de que se pretende recorrer se fez aplicação - implícita ou expressa - da citada norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 137/85'
2. É contra este despacho de inadmissão do recurso (de 29 de Outubro de 1997) que foi apresentada pelos autores a presente reclamação.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal, no seu visto, disse que 'a decisão recorrida, ao julgar extinto por prescrição tal direito [refere-se ao direito a uma indemnização, que - por força da declaração de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 162/95 - o autor tem direito a receber pela cessação do seu posto de trabalho, decorrente da extinção da CNN), fez aplicação implícita da norma já declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, o que conduz à verificação dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso, devendo a reclamação ser julgada procedente'.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. A presente reclamação deverá ser deferida, se o acórdão da Relação (de 29 de Outubro de 1997), de que os ora reclamantes quiseram recorrer para este Tribunal, tiver feito aplicação, ainda que tão-só implícita, da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio, segundo a qual 'a extinção da C... [determinada pelo artigo 1º, n.º 1, do mesmo diploma legal] implica [...] a extinção por caducidade imediata de todos os contratos de trabalho, em que seja parte a C... [...], sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trata' - norma que este Tribunal, pelo seu acórdão n.º 162/95
(publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Maio de 1995), declarou inconstitucional, com força obrigatória geral.
Se isso tiver ocorrido, mostram-se preenchidos os pressupostos do recurso interposto (recte, do recurso da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), pois que há também lugar para este tipo de recurso de constitucionalidade, sempre que exista contradição entre a decisão de que se recorre e um acórdão deste Tribunal, contendo uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
5. Vejamos, então:
No acórdão recorrido, afirmou-se que, em 7 de Maio de 1985, ocorreu a cessação dos contratos de trabalho, que ligava os reclamantes à CNN, a qual ficou a dever-se à extinção desta. Acrescentou-se que 'é sempre a partir do dia do rompimento de facto do vínculo laboral, ainda que ele tenha sido ilícito, que se tem de contar o prazo prescricional' dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, sendo que o artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho fixa esse prazo num 1 ano. Recordou-se que a acção foi proposta em 8 de Fevereiro de 1996. Isto ponderado, decidiu a Relação julgar prescritos os créditos peticionados.
Este Tribunal teve já ocasião de, no acórdão n.º 513/97 (por publicar), decidir que 'a conclusão contida no acórdão recorrido de que 'à data da propositura da acção os créditos dos AA. estavam prescritos e por conseguinte extintos, há alguns anos', envolve aplicação pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio, com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma, proferida no acórdão n.º 162/95, deste Tribunal, publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Maio de 1995'.
É esta jurisprudência que aqui se reafirma, pois que ela é a única conforme com o sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do mencionado acórdão n.º 162/95.
De facto, tal como foi explicitado no acórdão n.º 528/96 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Julho de 1996), esse sentido e alcance é o de que tal declaração de inconstitucionalidade 'impede, pelo menos, que a extinção ou cessação dos contrato de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo'.
Ora, no caso, o reclamante peticionou, entre o mais, o pagamento de uma indemnização. E foi o direito a recebê-la que o acórdão da Relação lhe negou, com fundamento em que tal direito se achava prescrito - e, assim, extinto.
6. Conclusão: tendo o acórdão recorrido aplicado, ao menos implicitamente, a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio, que este Tribunal já tinha declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, estão verificados os pressupostos do recurso que o reclamante interpôs, mas que a Relação não admitiu.
Há, por isso, que deferir a reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu tal recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, defere-se a reclamação e revoga-se o despacho reclamado, a fim de que seja substituído por outro que admita o recurso interposto para este Tribunal. Lisboa, 19 de Fevereiro de 1998 Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa