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Processo n.º 538/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2010, que não admitiu um recurso que, na qualidade processual de assistente em processo penal pendente no Tribunal da Comarca do Baixo Vouga (Aveiro – Juízo de Instrução Criminal – Processo n.º 362/08.1JAAVR), interpôs para o Tribunal Constitucional.
Conclui nos seguintes termos:
“I. O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido;
II. Mas ao contrário da fundamentação apresentada, o recurso é legalmente admissível estão preenchidos os requisitos legais previstos nos artigos 70.º, 71.º e 72.º todos da LTC;
III. O Recorrente é Assistente no Processo 362/08.1 JAAVR, e tem por isso legitimidade para recorrer nos termos do artigo 401.º do CPP;
IV. Os despachos que ordenaram a destruição das escutas não existem só por si, nem foram proferidos no âmbito de processos crimes instaurados autonomamente, tratam-se isso sim, de meras extensões procedimentais, de acordo com a qualificação dada pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral da República, o que confere legitimidade ao Recorrente, Assistente no processo 362/08.1JAAVR;
V. O Recorrente já tinha suscitado a inconstitucionalidade de diversas normas jurídicas, em especial, no requerimento remetido em 14 de Abril, sendo certo que o recurso foi apresentado a 3 de Maio;
VI. Está assim cumprido os requisitos do artigo 70.º da LTC, não sendo a falta de notificação atempada do Recorrente imputável a este, nem o pode prejudicar;
VII. A não admissão do recurso viola, nomeadamente, o disposto nos artigos 69.º e 401.º do CPP e os artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º e 32.º da CRP;
Pelo que deve determinar-se a admissão do presente recurso interposto, para apreciação pelo Tribunal Constitucional.”
2. O Ministério Público responde nos termos seguintes:
“(…)
6. A reclamação do despacho que não admitiu um recurso de constitucionalidade por falta dos pressupostos da sua admissibilidade, destina-se a que o reclamante possa adiantar as razões processuais porque entende que o recurso devia ter sido admitido, ou seja, que se verificam esses pressupostos.
7. Ora, na reclamação apresentada, o reclamante insiste em referir outras questões, pouco ou nada se dizendo sobre o essencial.
8. Vendo as peças processuais pertinentes, parece-nos evidente que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, referente aos preceitos identificados no requerimento de interposição do recurso.
9. Assim, no requerimento de fls. 35 a 37, nem sequer é feita qualquer referência à Constituição.
Por outro lado, no requerimento de fls. 106 na 110 diz-se que as decisões proferidas em processo penal devem ser notificadas aos arguidos e assistentes ‘nomeadamente nos termos dos artigos 20.º e 32.º da CRP e dos artigos 61.º e 69.º ambos do CPP’, sendo a falta de notificação legal e inconstitucional.
10. Parece-nos evidente que o que anteriormente se disse, não traduz a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única que pode constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
11. Quanto à falta de legitimidade, entendeu o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – nos doutos despachos já anteriormente referidos (n.º 2) – que o assistente não tinha legitimidade para requerer o que requereu.
12. Ora, não tendo sido especificamente questionada a constitucionalidade de qualquer norma referente àquela falta de legitimidade, ela transmite-se, por inteiro, à interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
13. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.'
3. O relator proferiu despacho do seguinte teor:
“Ainda que, porventura, não venham a ser confirmados os fundamentos do despacho de não admissão do recurso proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, admite-se como possível vir a indeferir-se a reclamação pelas seguintes razões:
- Embora o requerimento de interposição do recurso faça referência aos despachos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março e de 22 de Abril de 2010, o despacho reclamado toma por decisão recorrida apenas o primeiro desses despachos. Como a reclamação nada diz a este respeito, parece que ficou estabilizado o objecto (processual) do recurso como sendo apenas esse primeiro despacho.
- De todo o modo, o despacho de 22 de Abril de 2010 nada de novo decide, limitando-se a considerar que a pretensão do requerente já estava apreciada, pelo que a esse despacho não pode atribuir-se a aplicação de qualquer das normas que o recorrente quer ver apreciadas.
- A norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo Penal não foi aplicada por qualquer dos despachos referidos no requerimento de interposição do recurso. Esses despachos respeitam à pretensão de notificação aos interessados dos despachos relativos à intercepção das comunicações e não ao respectivo conteúdo.
- O recorrente não identificou, seja no requerimento de interposição, seja na reclamação, o preciso sentido normativo com que foram aplicados os artigos 61.º e 69.º do Código de Processo Penal, como era seu ónus. Esses preceitos legais contêm várias normas pelo que se parece não estarem satisfeitas as exigências impostas pelo n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
Notifique o recorrente e o Ministério Público para se pronunciarem, querendo, sobre estas questões, conducentes ao indeferimento da reclamação. Notifique também ao recorrente a resposta do Ministério Público.”
Respondendo à notificação, o recorrente insiste que foi no âmbito da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do Código de Processo Penal (CPP) que o Presidente proferiu diversos despachos cuja notificação o reclamante solicitou, o que deu origem aos despachos em crise. E que se alguma deficiência houver no requerimento de interposição tem de ser convidado a completá-lo nos termos do artigo 75.º-A da LTC.
O Ministério Público manifesta concordância com o afirmado no despacho do relator.
4. Demonstram os autos as seguintes ocorrências processuais:
a) O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da competência prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do Código de Processo Penal e no âmbito de uma “extensão procedimental” emergente do Proc. n.º 362/08.1JAAVR, determinou a destruição de todos os suportes de intercepção de comunicações telefónicas em que interveio acidentalmente o Primeiro-Ministro;
b) Por despacho de 5 de Janeiro de 2010, o ora reclamante foi admitido a intervir como assistente no processo no âmbito do qual ocorreu tal intercepção.
c) O reclamante apresentou um requerimento em que pediu a notificação de todos os arguidos e assistentes para se pronunciarem sobre os despachos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria referida na antecedente alínea a) “para o exercício dos direitos de defesa e contraditório”.
d) Em 18 de Março de 2010, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho:
“Vem o assistente A. requerer, em suma, que as decisões proferidas pelo Presidente do S.T.J. acerca da não validação das escutas em que interveio acidentalmente o Senhor Primeiro-Ministro sejam notificadas a todos os arguidos e assistentes dos presentes autos.
E isto porque, sendo assistente e pretendendo coadjuvar o Ministério Público na investigação criminal, aquelas decisões violam o princípio da igualdade de tratamento dos co-arguidos e atingem os seus direitos por não terem sido eles previamente ouvidos.
O requerido pelo assistente será indeferido por diversos motivos.
Em primeiro lugar, nos três despachos proferidos pelo Presidente do S.T.J (datados de 3/9/2009, 27/11/2009 e 26/1/2010) foi ordenada a destruição imediata dos suportes técnicos referentes às intercepções das comunicações em causa.
Todos os referidos despachos transitaram em julgado pelo que a ordenada destruição imediata teria que ser imediata, suposto como é que já foi executada.
Ademais, em dois desses despachos (os dois primeiros) estava-se perante nulidades processuais insanáveis nada mais havendo que permitisse ou justificasse a sua reavaliação.
Em segundo lugar, o requerente não tem legitimidade para requerer a notificação das decisões em causa aos restantes assistentes e arguidos, como pretende, seja qual for o princípio que invoque.
Não tem interesse directo em definir qual o comportamento processual dos restantes intervenientes processuais sob pena de pretender aquilo que eles rejeitam; nem foi para tal, sequer, que lhe foi atribuído o estatuto de assistente.
Essa falta de interesse convola-se na sua ilegitimidade.
Em terceiro lugar, e ainda que assim não fosse, o assistente só o é desde Janeiro/2010 conforme ele próprio informa, quando os dois primeiros despachos (os principais) já há muito haviam sido proferidos, haviam transitado e deviam ter sido executados.
Por último, e no limite, nunca o primeiro despacho (datado de 3/9/2009) deveria ser notificado a arguido algum, já que nessa data não havia, pelos vistos, arguidos constituídos.
Termos em que se indefere o requerido.
Custas pelo requerente; imposto de justiça mínimo.”
e) Em Abril, o reclamante apresentou novo requerimento dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do seguinte teor:
“A., Assistente nos autos supra mencionados, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
O ora Requerente na qualidade de Assistente, nos termos do artigo 69º do CPP, tem a posição de colaborador do Ministério Público, competindo-lhe nomeadamente, intervir no inquérito, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias. É pois nessa qualidade, que o Assistente elabora o presente requerimento, os anteriores e os futuros, para assegurar o êxito dos presentes autos e não conceder a hipótese de arquivamentos futuros por questões processuais alheias ao mesmo.
Em Janeiro de 2010, após a admissão do Requerente como Assistente no Processo 362/08.1 JAAVR, este requereu a V. Exa. a notificação dos Arguidos e Assistentes desses autos, de todo o teor das decisões proferidas no âmbito das certidões extraídas com vista à instauração de inquérito por causa dos fortes indícios da prática do crime de atentado contra o Estado de direito.
Pese embora o teor do requerimento remetido em Fevereiro de 2010 para V. Exa., até à data, o Assistente não foi notificado das decisões em causa, nem do indeferimento do requerido.
Veio agora a público, que será efectuada durante esta semana, a destruição das escutas telefónicas que deram base às certidões supra mencionadas, conforme o ordenado por V. Exa. por alegadamente tais despachos terem já transitado em julgado.
Salvo o devido respeito, tal não é verdade.
Uma decisão transita em julgado, quando se toma insusceptível de recurso, o que pode ocorrer por a mesma ser irrecorrível, por se ter renunciado ou decorrido o prazo de recurso.
O artigo 400.º do CPP enumera as decisões que não admitem recurso, sendo certo que as ora em crise não se enquadram em nenhuma das aí numeradas.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa assegura todas as garantias de defesa, incluindo as de recurso – artigo 32.º n.º 1.
Ora, se é verdade que quando foi proferida a primeira decisão, ainda não tinham sido constituídos Arguidos ou Assistentes no processo, nas restantes tal já não se verifica.
Nos termos da Constituição e da lei processual penal, após a existência legal de Arguidos e Assistentes, as decisões proferidas devem-lhes ser notificada, nomeadamente nos termos dos artigos 20.º e 32.º da CRP e dos artigos 61.º e 69.º ambos do CPP.
Isto porque, a decisão de destruição das escutas telefónicas pode afectar pessoalmente os Arguidos, por poder ou ser alegado que foram colocadas em causa as garantias de defesa e de igualdade de tratamento, para além da eventual aplicação dos n.ºs 10 a 13 do artigo 188.º do CPP.
As escutas em causa foram efectuadas ao Arguido Armando Vara, com o cumprimento dos requisitos legais quanto à autorização, realização, controlo judicial e validação previstas nos artigos l87.º e l88.º do CPP.
Por nas escutas em causa ter intervindo acidentalmente o Senhor Primeiro Ministro e se estar no âmbito de conhecimento fortuito, as certidões foram remetidas para a Procuradoria-Geral da República, por constituírem notícia/denúncia obrigatória – no caso – por eventuais indícios da comissão do crime de atentado contra o Estado de Direito.
Face à qualidade do interveniente acidental nas escutas em causa, o Exmo. Senhor Procurador-Geral da República remeteu as mesmas para V. Exa., nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do CPP.
No âmbito das funções de Juiz de Instrução Criminal, V. Exa. ordenou a destruição de todos os suportes referentes a tais escutas telefónicas, sem ordenar a notificação do Arguido interveniente nas mesmas e demais co-Arguidos e Assistentes.
Salvo o devido respeito, parece ter havido lapso na análise da documentação enviada. Em momento algum, a Policia Judiciária, o Ministério Público ou o Juiz de Instrução interceptaram, gravaram e transcreveram conversas do Primeiro-Ministro.
As intercepções, gravações e resumos, foram efectuadas legalmente ao Arguido Armando Vara. Mas porque das mesmas resultaram fortes indícios da prática do crime de atentado contra o Estado de direito e, como se disse, tal facto ser de denúncia obrigatória nos termos do artigo 242v do CPP, foram das mesmas extraídas certidões.
Daí que, no entender do Assistente, não se verificou a nulidade das escutas efectuadas.
Por motivos desconhecidos, as decisões proferidas não foram comunicadas aos intervenientes processuais – no caso, Arguidos e Assistentes –, sendo certo que estes são ou podem ser por estas afectados pessoalmente e, bem assim, no sucesso ou insucesso do processo.
A falta de notificação aos Arguidos e Assistentes viola, nomeadamente, o princípio do contraditório e de recurso. Para além de pôr em causa o Estado de Direito democrático, principio da igualdade, da força jurídica, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, o que para além de ilegal é inconstitucional, nos termos dos artigos 2.º. 13.º, 18.º, 20.º e 32.º da CRP.
Não existem motivos para não ser efectuada a notificação requerida, pois as certidões foram consideradas extensões procedimentais do Processo 362/08.1 JAAVR.
Pois, pese embora as certidões terem sido extraídas para instaurar processo crime, não foi aberto processo de inquérito, ao contrário do que prevê o disposto no n.º 2 do artigo 262.º do CPP, logo não estamos perante um processo autónomo.
Por outro lado, poderíamos estar perante um processo administrativo, como parece ter sido a determinada altura sugerido, por constar do processo 62/2009 a correr termos na Procuradoria-geral da República, mas o Exmo. Senhor Procurador-geral da República não facultou o acesso a tais documentos, conforme tinha sido solicitado por diversos jornalistas, com base na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, retirando essa eventual qualificação.
Mais, o Exmo. Senhor Procurador-Geral da República não facultou também o acesso às certidões à Comissão Parlamentar de Inquérito, por ter considerar as mesmas confidências por fazerem parte integrante do processo 362/08.1 JAAVR.
Pelo exposto, não existem razões formais e/ou matérias para a ausência de notificação aos Arguidos e Assistentes das decisões que ordenaram a destruição das escutas e das decisões proferidas pelo Exmo. Senhor Procurador-geral da República.
Em consequência, a falta da notificação requerida implica necessariamente o não trânsito em julgado da decisão de destruição das escutas telefónicas em causa.
Até porque, nos autos o Arguido Paulo Penedos e o Assistente já declaram que se opunham à destruição das escutas.
Por fim, a destruição só poderá ser efectuada após a sua análise e a verificação de que são manifestamente estranhas ao objecto do processo; e somente após o termo do segredo de justiça se o houver, caso contrário haverá uma violação do princípio do contraditório.
Nesta conformidade, no exercício dos direitos que lhe são conferidos, o Assistente requer a V. Exa. se digne ordenar a notificação de todos os Arguidos e Assistentes constituídos no Processo 362/08.1 JAAVR que corre termos na 1.ª Secção do DIAP do Baixo Vouga, para se pronunciarem sobre as decisões em causa, para o exercício dos direitos de defesa, do contraditório e de eventual recurso.”
f) Em 22 de Abril de 2010, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho, lançado sobre esse requerimento:
«O presente requerimento – chegado ontem – é um “duplicado”, uma réplica de um outro despachado por nós em 18/3/2010 e que, por lapso não foi logo notificado, mas que agora já estará notificado.
Daí que este requerimento não possa ser agora despachado, porque já o foi.
Assim, remeta-o a Aveiro ao JIC, para ser junto aos autos respectivos e notificado ao requerente este despacho de indeferimento hoje proferido.»
g) O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional mediante requerimento do seguinte teor:
“A., Assistente nos autos supra mencionados, notificado através da sua mandatária no passado dia 21 de Abril de 2010, por meio de notificação remetida pelo Juízo de Instrução Criminal da Comarca do Baixo Vouga, do despacho proferido por V. Exa. em 18 de Março de 2010 e, bem assim, despacho proferido a 22 de Abril, vem ao abrigo dos artigo 280º nº 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70º nº 1 alínea b), 72º nº 1 alínea b) e nº 2, 75º e 75º-A todos da Lei 28/82 de 15 de Novembro, RECORRER PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das decisão proferida, que só agora foi notificada, por se ter feito uma interpretação inconstitucional dos artigos 11º nº 1 alínea b), 61º e 69º todos do Código de Processo Penal, por violação, nomeadamente, dos artigos 20º e 32º da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente em todos os requerimentos remetidos para o Tribunal a quo, isto é, para Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na qualidade de Juiz de Instrução Criminal e, bem assim, para os autos de inquérito.”
h) Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho de não admissão do recurso:
«1. O Assistente vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 18 de Março de 2010, “por ter feito uma interpretação inconstitucional dos artigos 11.º n.º 1 al. b), 61.º e 69.º do C. P. Penal por violação nomeadamente dos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República portuguesa”.
Invoca os artigos 70.º n.°1 al. b), 72.º n.º 1 al. b), 75.º e 75.º-A, da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro.
2. O recurso não é, porém, admissível.
Nos termos do art.º 70.º n.º 1 al. b) da Lei 28/82, de 15 Novembro invocado pelo recorrente cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
Como tem decidido o Tribunal Constitucional, o requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”.
Cabe, pois, ao recorrente, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
A inconstitucionalidade das normas invocadas pelo recorrente não foi suscitada por este durante o processo (o requerimento sobre o qual recaiu o despacho de 18 de Março de 2010, é inteiramente omisso sobre qualquer questão de inconstitucionalidade), mas apenas interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Não se verifica deste modo o pressuposto admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
3. Também o recurso não será admissível por ilegitimidade do recorrente.
Dispõe o artigo 72.º n.º 1 al. b) da referida Lei 28/82, que podem recorrer (isto é têm legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional) “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão é proferida, tenham legitimidade para interpor recurso”.
O Assistente nos termos da lei de processo não tem legitimidade para interpor recurso da decisão de 18 de Março de 2010, uma vez que como decorre directamente da decisão não tinha já legitimidade para suscitar as questões que suscitou, que eram completamente estranhas à sua posição e aos seus direitos processuais, como se sublinha no próprio despacho em questão.
4. Termos em que, por conseguinte, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional.»
5. Antes de mais, importa determinar qual é, em sentido processual, o objecto do recurso de constitucionalidade, ou seja, de que decisão ou decisões se considera que o recorrente pretendeu interpor o recurso não admitido. Dito de outro modo, qual o âmbito da reclamação.
Efectivamente, como no despacho de fls. 135 se advertiu, embora o requerimento de interposição do recurso faça referência a dois despachos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um de 18 de Março [transcrito na alínea d) do n.º 4] e o outro de 22 de Abril de 2010 [transcrito na alínea f) do n.º 4], o despacho que sobre tal requerimento recaiu [o despacho reclamado – cfr alínea h) do n.º 4] tomou expressamente como decisão recorrida o primeiro desses despachos. Os termos do despacho que é objecto de reclamação não deixam dúvida séria de que o requerimento de interposição do recurso foi interpretado como visando o despacho de 18 de Março de 2010. E foi o recurso com tal âmbito ou objecto que se decidiu não admitir.
Ora, na reclamação o recorrente nada refere acerca dessa interpretação ou dessa determinação do âmbito ou do objecto do recurso que interpusera, interpretação essa que não pôs em causa. Deixou, consequentemente, estabilizar o despacho reclamado nessa parte, pelo que doravante se considera que o recurso de constitucionalidade cuja não admissão está agora em apreciação tem por objecto (em sentido processual) aquele primeiro despacho e apenas esse despacho.
Aliás, mesmo que assim não fosse, nunca poderia admitir-se o recurso quanto ao despacho de 22 de Abril de 2010, cujo conteúdo é estranho à questão que o recorrente quer ver apreciada.
Com efeito, neste despacho o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a considerar que o requerimento que lhe era presente consistia, em substância, numa duplicação ou replicação de anterior requerimento já apreciado. Em conformidade, recusou-se a proferir sobre essa mesma matéria novo despacho. Não (re)apreciou a pretensão do requerente e, por isso, nunca esse despacho pode ser interpretado como tendo feito aplicação de qualquer norma retirada dos preceitos que o reclamante refere. Quando muito, poderia considerar-se que nesse despacho de 22 de Abril se fez aplicação de uma norma segundo a qual, proferida decisão sobre determinada pretensão, ainda que não notificada essa decisão ao requerente, fica esgotado o poder jurisdicional sobre tal matéria. É óbvio que não é uma norma com esse ou semelhante conteúdo que o requerente pretende que o Tribunal aprecie e que nunca ela seria referível aos preceitos legais que indica.
Consequentemente, cumpre apreciar a reclamação da decisão de não admissão de recurso de constitucionalidade que tinha por objecto o despacho de 18 de Março de 2010.
6. Sob apreciação está um despacho que assenta em dois fundamentos, qualquer deles susceptível de fundar a decisão de não admissão do recurso nele tomada: não suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e ilegitimidade do recorrente face às regras gerais do processo de que emerge a decisão [artigo 72.º, n.º1, alínea b), da LTC].
A primeira razão para não ter sido admitido o recurso consiste, pois, em que o recorrente não cumpriu o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade nos termos exigidos pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Efectivamente, é exacto que o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade perante o juiz que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Na própria reclamação está implícito o reconhecimento de que não foi suscitada uma questão desta natureza no requerimento que provocou o despacho de 18 de Março.
E improcede o argumento do recorrente de que tal pressuposto deve considerar-se satisfeito porque a questão de constitucionalidade foi levantada em posteriores intervenções no processo antes da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, designadamente no requerimento de 14 de Abril de 2010. Com efeito, independentemente de saber se nesse requerimento se colocou adequadamente uma questão de constitucionalidade normativa, a essa data já a decisão recorrida estava proferida, pelo que tal intervenção processual é irrelevante para o preenchimento dos pressupostos de recurso de constitucionalidade que tenha essa decisão por objecto.
Com efeito, suscitar uma questão de constitucionalidade normativa em termos adequados significa colocá-la de modo a vincular o tribunal à respectiva apreciação face às normas que regem o processo em que a decisão é proferida. Deste modo, o interessado em aceder ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem o ónus de convocar o tribunal da causa, mediante intervenção processualmente admissível, a recusar aplicação a uma norma que enuncie de forma clara e explícita. É necessário ter criado para o juiz que proferiu a decisão recorrida um específico dever de nela se pronunciar acerca da constitucionalidade de determinada norma (ou de determinado sentido normativo) se dela vier a fazer aplicação. O que, em termos temporais, impõe que, por regra, a questão tem de ter sido colocada antes de apreciada a pretensão em que esse tribunal venha a fazer aplicação da norma cuja conformidade à Constituição se pretende ver apreciada. Ora, como vimos, a decisão recorrida é um despacho datado de 18 de Março de 2010, anterior portanto à pretensa suscitação da questão pelo recorrente.
Por outro lado, nada vem alegado na reclamação em ordem a convencer de que se verifica alguma das hipóteses em que, num entendimento funcional do referido ónus, o Tribunal Constitucional vem decidindo que ele se não justifica ou que o seu cumprimento não é exigível, nomeadamente por não ter o interessado podido dispor de efectiva oportunidade para suscitar a questão face à concreta tramitação processual ou por se lhe ter deparado uma aplicação ou interpretação da norma com que razoavelmente não devesse contar. O reclamante nada diz a este propósito e não há elementos para afirmar a ocorrência in casu de uma situação excepcional ou anómala deste género. Desde logo, qualquer averiguação do Tribunal a este propósito depara-se com o facto de o recorrente nunca ter precisado o exacto sentido normativo com que os preceitos legais foram aplicados e contra cuja inconstitucionalidade reage, pelo que falta um dos termos para o juízo acerca do carácter surpreendente ou anómalo da interpretação ou aplicação normativa questionada.
Assim, devendo o despacho de não admissão do recurso manter-se por incumprimento do ónus de prévia suscitação da questão nos termos exigidos pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC, fica prejudicada ou torna-se desnecessária a apreciação do segundo fundamento nele adoptado.
7. Aliás, mesmo que assim não se entendesse e se considerasse que nenhum dos fundamentos adoptados pelo despacho reclamado poderia sufragar-se, sempre a reclamação improcederia.
Com efeito, fazendo a decisão que revogue o despacho de indeferimento caso julgado quanto à admissão do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), o interessado tem o ónus de colocar o Tribunal em condições de decidir definitivamente se estão presentes os pressupostos e requisitos para admissão do recurso de constitucionalidade interposto. O que significa que deve aproveitar a reclamação para suprir deficiências de que o requerimento de interposição porventura enferme.
Ora, é manifesto que o despacho recorrido não fez aplicação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do Código de Processo Penal. Este preceito respeita à competência para autorização da intercepção, gravação ou transcrição das conversações ou comunicações em que intervenham as entidades no preceito mencionadas. A pretensão do recorrente que o despacho recorrido indeferiu não respeitava a essas competências ou aos termos do seu exercício, mas à notificação dos despachos proferidos ao seu abrigo. É uma questão de comunicação de actos processuais a que o preceito legal é absolutamente estranho.
E quanto aos artigos 61.º e 69.º do Código de Processo Penal o recorrente nunca indicou o preciso sentido normativo extraído desses preceitos que considera ter sido adoptado pela decisão recorrida e nela aplicado e que sustenta ser inconstitucional. Trata-se de preceitos que contêm várias normas, sendo manifestamente insuficiente a referência a tais preceitos para que ipso facto se identifique o sentido normativo deles extraído cuja conformidade à Constituição se quer ver apreciado. Como constitui jurisprudência constante, quando impugna a constitucionalidade do sentido extraído de um determinado bloco legal o recorrente tem o ónus de indicá-lo mediante uma proposição normativa clara, de tal modo que, julgando o recurso procedente, o Tribunal o possa enunciar na sua decisão em ordem a permitir a reforma da decisão recorrida em conformidade (cfr Acórdão n.º 178/95, cuja doutrina vem sendo constantemente repetida).
8. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 18 de Outubro de 2010.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.