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Procº nº 11/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, J... e, como recorridos, o Ministério Público e M..., concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada de fls.
434 a 440 pelo relator, que aqui se dá por integralmente reproduzida, exposição essa à qual o Ministério Público deu anuência, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em unidades de conta. Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Luis Nunes de Almeida
__________________________________________________________ EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 11/98.
2ª Secção
1. Em sessão de audiência de julgamento a decorrer no Tribunal de Círculo de Chaves em 2 de Abril de 1997 relativa a processo comum com intervenção de tribunal colectivo no qual figuram, como arguidos, S... e J... e, como assistente, M..., a dada altura, pelo respectivo Juiz Presidente, foi ditado o seguinte despacho:-
'____Damos agora conta que os arguidos se encontram acusados da prática, em co-autoria material, nomeadamente, de um crime de violação p. e p. pelos artºs
164º nº. 1 e 177º n.º 3 do C.Penal. Face aos termos em que a prática dos factos
é imputada aos arguidos e em conformidade com a orientação que unanimemente os Tribunais Superiores veêm tomando, os arguidos deveriam estar antes acusados da prática, em co-autoria material, de dois crimes de violação, cada um deles.---------------------------
_____É sabido que pelo Assento do S.T.J. nº. 2/93 a situação aqui em causa, provando-se os factos descritos na acusação, não constituiria alteração substancial dos factos descritos na acusação para os efeitos do disposto no art.º 1º n.º 1 al. f) e art.º 359º, ambos do C.P.Penal.--------------------
_____Porém, através dos acórdãos nº. 279/95, 16/97 do Tribunal Constitucional, emitiu este alto Tribunal orientação discordante da que consta do Assento acima referenciado, considerando que existe alteração substancial dos factos descritos na acusação na condenação por crime pelo qual o arguido não vem acusado, ainda que os factos integradores do mesmo constem da acusação.---------
_____Prevenindo a eventual aplicabilidade, em caso de recurso, da orientação seguida por este segundo Tribunal Superior, e para os efeitos no disposto no art. 359º nº.s 1 e 2 do C.P.P., dá-se conhecimento aos intervenientes processuais desta hipótese para que, em conformidade com o permitido por este normativo requeiram o que tiverem por conveniente, uma vez que a competência deste Tribunal se mantém para o conhecimento de todos os crimes que são descritos na acusação.----------------------------'
Consta da acta da sessão em que foi proferido o transcrito despacho que o mesmo foi notificado, por entre outros, aos mandatários dos arguidos, que disseram nada terem a opor ao que do mesmo constava.
Por acórdão proferido em 8 de Abril de 1997, foi o arguido J..., além do mais, na pena de única de nove anos de prisão pela co-autoria, em concurso real, de dois crimes de violação previstos e puníveis pelo nº 1 do artº 164º do Código Penal.
Desse acórdão recorreram o Ministério Público e os arguidos.
Na motivação apresentada pelo arguido J... foi, para o que ora releva, escrito:-
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................................................... VII Questão Prévia Da Alteração Substancial dos Factos Em sede de julgamento foram levados em conta factos novos determinantes de uma alteração subtancial dos factos constantes da acusação. Desses factos resultou a imputação ao arguido de um crime de violação por ter comparticipado na execução do acto que o outro autor executou, ou seja comparticipando na violação perpetrada pelo arguido S....
É sabido que factos novos determinantes da alteração substancial dos factos podem ser levados em conta no julgamento, desde que respeitado o condicionalismo do art. 359, nº 1 e nº 2 do CPP, o que efectivamente veio a acontecer. Ainda assim entendemos que tal solução é inconstitucional, por violar o princípio acusatório estabelecido na CRP no seu art. 32 nº 5.
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Por acórdão de 6 de Novembro de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos interpostos.
Nesse aresto, inter alia, foi dito:-
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O Tribunal podia proceder ao diverso enquadramento jurídico-penal dos factos constantes da acusação, mesmo submetendo-os a uma figura criminal mais grave (ac. do STJ nº 2/93, de 27/1/ /93), desde que obedecesse ao comando do artº 359º, nºs 1 e 2 CPP e assegurasse ao arguido a oportunidade de defesa (ac. nº 455/97 do T.C., com força obrigatória geral, de 25/6/97, in DR de 5/8/ /97).
Tendo o tribunal recorrido (como se vê da acta de fls. 346) comunicado aos arguidos e demais intervenientes processuais a nova qualificação jurídica dos factos acusados (que o T.C. considera alteração substancial dos mesmos) e tendo todos acordado em que o julgamento prosseguisse, prescindindo do prazo para preparação da sua defesa, tudo nos termos do artº 359º, nºs 1, 2 e 3 CPP, é evidente que foram adequadamente cumpridos os preceitos atinentes ao contraditório e às garantias de defesa dos acusados.
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É deste aresto que vem, pelo arguido J..., fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interposto o vertente recurso para o Tribunal Constitucional 'restrito à apreciação da Questão Prévia por si suscitada em sede de recurso para o STJ, sobre a interpretação dada ao artº 359º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal por a entender violadora do Princípio do Contraditório, consagrado no artº 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa'.
O recurso foi recebido por despacho de 27 de Novembro de
1997, prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82), e porque se entende que o mesmo não deveria ter sido recebido, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente exposição, na qual se propugna por se não dever tomar conhecimento da vertente impugnação.
Na verdade, como resulta da transcrição fáctica que acima se efectuou, o ora recorrente, antes de ser lavrado o acórdão pretendido impugnar, suscitou a questão da desconformidade constitucional das normas constantes dos números 1 e 2 do artº 359º do Código de Processo Penal quando,
'[e]m sede de julgamento foram levados em conta factos novos determinantes de uma alteração substancial dos factos constantes da acusação'
Tendo em conta o teor da disposição ínsita naquele nº 1
(que comanda que uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso), depara-se claro que o impugnante, ao esgrimir com os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados, verdadeiramente queria, na motivação que, então, apresentou, atingir o nº 2 do artº 359º (que é o que dispõe que se ressalvam do disposto no número anterior os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal), pois que é esta a norma que permite, respeitado o condicionalismo nela prescrito (e também no do nº 3), virem a ser tomados em conta pelo tribunal na condenação factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação ou na pronúncia, caso a esta haja lugar.
Simplesmente, no tocante a essa norma, e como à saciedade resulta, o que o recorrente questionou do ponto de vista da sua compatibilidade com a Lei Fundamental foi a circunstância de, estando em causa factos novos apurados em julgamento (e observado o acordo das «partes processuais») ela permitir que o tribunal, na condenação, os possa levar em conta.
Só que, no caso dos autos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não aplicou a mencionada norma naquela dimensão (isto é e repetindo, quando em causa estão factos novos apurados em julgamento), mas sim no sentido de que é permitido, na decisão condenatória, efectuar-se um diferente enquadramento jurídico-pe- -nal dos factos acusados, ainda que subsumíveis a uma figura penal mais grave, desde que se assegure ao arguido a oportunidade de se pronunciar e defender sobre esse diferente enquadramento.
Há-de convir-se, pois, que, referentemente à norma constante do nº 2 do artº 359º do Código de Processo Penal, foram acentuadamente diferentes a dimensão normativa que era questionada, quanto à sua constitucionalidade, pelo impugnante, e aqueloutra que veio a ser objecto de aplicação pela decisão intentada impugnar.
Ora, situando-nos num recurso estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, para que o mesmo possa ser conhecido, necessário é, por entre o mais, que a decisão que se deseja pôr sob censura tenha aplicado a norma cuja inconstitucionalidade, anteriormente à sua prolação, tenha sido suscitada pelo recorrente ou, tratando-se de suscitação incidente sobre uma dada dimensão ou interpretação normativas, que a decisão tenha aplicado a norma nessas mesmas dimensão ou interpretação.
O que, in casu, não sucedeu, razão pela qual é de concluir que se não verifica um dos requisitos ínsitos na dita alínea b) do nº 1 do artº 70º.
Cumpra-se a parte final do já assinalado nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82. Lisboa, 15 de Janeiro de 1998.