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Proc.Nº 679/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente A. e recorrida B., pelo essencial dos fundamentos constantes da exposição do relator de fls. 191 a 197, e que obteve a concordância da recorrida, tendo a recorrente respondido, mas sem abalar minimamente aqueles fundamentos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
5 UC's.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa
Proc. Nº 679/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere
o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. – B. propôs, no tribunal cível da Comarca de Lisboa, uma acção sumária de despejo contra A., com fundamento em inexistência de residência permanente e cedência não autorizada da posição contratual.
Por sentença proferida em 15 de Setembro de 1994, foi Ré condenada no despejo imediato do ......º andar, do prédio situado na rua
..............., nº ....., em Lisboa, por ter sido julgada procedente tal acção sumária de despejo.
Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa mas, neste tribunal, viu confirmada a decisão recorrida.
É do acórdão correspondente, de 28 de Maio de 1996, que a Ré vem agora recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
Entende o relator que o presente recurso não reúne os requisitos de admissibibilidade para que dele se possa conhecer, pelas razões que passa a expor.
2. - No requerimento de interposição refere a Recorrente que 'nas alegações de recurso foi posto o problema de que ofenderia o princípio da legalidade (art. 206º da CRP), a interpretação da lei (art. 342º do Cod. Civil), quanto ao ónus da prova dos factos alegados no art. 15º da petição inicial (correspondente aos quesitos 3º e 4º), que fosse diferente da que tal
ónus incumbia à ora recorrida'. Em seu entender 'o acórdão recorrido teve outro entendimento, impondo à ora recorrente tal ónus'.
Das transcrições feitas é legítimo extrair-se que se pretende deste Tribunal a apreciação da conformidade à Constituição da interpretação dada à norma constante do artigo 342º do Código Civil, da aplicação da qual, na questão controvertida, teria resultado que não caberia à recorrida B., mas sim à recorrente, o ónus da prova dos factos alegados no artigo 15º da petição inicial, quesitados sob os números 3º e 4º.
3. - Constitui jurisprudência uniforme e repetida sem discrepâncias pelo Tribunal Constitucional que nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC a inconstitucionalidade da norma tenha sido previamente suscitada durante o processo, tomada esta expressão não em sentido puramente formal, mas em sentido funcional, ou seja em momento em que o tribunal recorrido ainda pudesse conhecer da questão - ver por todos e por de mais recente publicação, o Acórdão nº 595/96, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Julho de 1996. É por essa razão que não pode ser considerado momento idóneo para esse efeito o da apresentação do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Acresce que a questão de constitucionalidade terá de ser suscitada de forma clara e perceptível em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão para resolver. Escreve-se no Acórdão citado, transcrevendo nessa parte o Acórdão nº 560/94 ( in Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995), que «a exigência de um cabal cumprimento do
ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois [...] uma 'mera questão de forma secundária'. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão da constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao exame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão».
Como se referiu, segundo a recorrente, nas alegações relativas à apelação, 'foi posto o problema' de que a interpretação dada à lei
'ofenderia o princípio da legalidade (art. 206º da CRP)'.
Mas concretamente em que termos e com que alcance ?
É o que importa agora ver.
Nessa peça processual não se encontrará menção expressa
à eventual violação desse princípio. O que se encontra é, no corpo das alegações, uma série de considerações doutrinais e sua aplicação ao caso, que culmina na 'Análise da sentença recorrida', e desemboca a final na formulação de conclusões, numa das quais, a 3ª entre 12, se escreveu que 'por força da aplicação do princípio do dispositivo, que não pode ser postergado, por força do disposto no art. 207º da CRP [passe a dúvida, tendo em conta o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, sobre se será esse artigo ou o artigo 206º da Constituição, a norma constitucional que efectivamente se quis invocar], competia à Autora, ora apelada, a prova dos factos alegados no citado art. 15º da petição inicial'. A formulação escolhida inculca, de forma inequívoca, que se pretendeu pôr em causa, apenas, a aplicação das normas, consideradas pertinentes pela recorrente, a que se procedeu na sentença. A certeza de que assim terá sido obtém-se em face da conclusão 12ª, aduzida em forma de síntese final, assim redigida: 'mostra-se violado o disposto no art.
505º, nº 1 do art. 511º, 515º, 516º e nº 2 do art. 653º, todos do Cód. Proc. Civil, mostrando-se, também, ter a sentença recorrida incorrido em errónea interpretação e aplicação do disposto na al. c) do nº 2 do art. 64º do RAU'.
Nem com o máximo da boa vontade se vislumbrará aqui a indicação de que a sentença recorrida terá aplicado alguma norma, ou sua interpretação, cuja desconformidade com a Constituição seja posta em causa, em termos tais que o tribunal chamado a pronunciar-se ficaria a saber que tem uma questão de constitucionalidade para resolver.
Logo por aqui falece um dos requisitos de admissibilidade do recurso, que se apresenta com precedência lógica sobre os demais.
Não passe porém sem ser lembrado que, dos próprios termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, ressalta uma incongruência. É que afirmar que a interpretação dada à lei ofenderia o princípio constitucional da legalidade redunda claramente em imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão e não a uma norma ou interpretação desta. Admitir-se-á em tese geral que uma interpretação viole a lei, mas uma coisa é violar a lei e outra violar a Constituição. O contencioso da constitucionalidade, por um lado, é um contencioso de normas não de decisões; por outro lado uma decisão jurisdicional não cria uma norma jurídica (cfr. o Acórdão nº 128/84, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º vol, pag. 423 e segs.), tal como não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal sindicar a forma como o tribunal recorrido interpretou e deu aplicação às normas que regem a questão submetida a julgamento.
Verifica-se assim que também por esta via, designadamente porque vem questionada uma decisão e não uma norma ou sua interpretação, não se deverá conhecer do pedido.
Pelos fundamentos apontados conclui-se que o presente recurso não reúne os necessários requisitos de admissibilidade para que dele se possa conhecer.
4. - Nestes termos, propõe-se que o Tribunal não tome conhecimento do recurso.
XXX
Notifique as partes para, querendo, responderem no prazo de cinco dias.
Lisboa, 5.11.96