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Processo nº 451/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que são recorrente R... e recorrido o Ministério Público, pelos fundamentos constantes da exposição do relator, oportunamente lavrada nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que aqui se dá por reproduzida, com os quais no essencial se concorda - a qual obteve inteira concordância por parte do recorrido, limitando-se o recorrente a remeter para as considerações anteriormente expendidas - decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 451/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição preliminar nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- O magistrado do Ministério Público na comarca de Povoação instaurou acção declarativa constitutiva com processo ordinário - investigação de paternidade - contra R..., identificado nos autos.
O Tribunal do Círculo Judicial de Ponta Delgada, por sentença de 10 de Julho de 1995, julgou a acção procedente por provada e, consequentemente, declarou o menor Luís Miguel Cabral Mendonça filho do demandado, condenando este a reconhecê-lo como seu filho e ordenando a rectificação do respectivo assento de nascimento.
Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 14 de Novembro de 1996, negou provimento ao mesmo, confirmando a sentença da 1ª instância.
Reagiu o interessado recorrendo, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça que, no entanto, por acórdão de 26 de Junho de 1997, negou a revista.
É deste último aresto que o réu, inconformado, recorreu para o Tribunal Constitucional, depreendendo-se do respectivo requerimento de interposição em conjugação com o esclarecimento prestado após cumprimento - já neste Tribunal - do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que:
a)- o recurso tem por fundamento a alínea b) do nº
1 do artigo 70º deste diploma legal;
b)- a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada é a do nº 1 do artigo 512º do Código de Processo Civil na interpretação feita 'pelos acórdãos recorridos', impeditiva da realização de exame hematológico antes de ter sido proferida a sentença da 1ª Instância;
c)- deste modo tendo os 'acórdãos em crise' violado o disposto nos artigos '26º, nº 2, CRP, maxime nos seus números 1 e 3, que reconhecem a todos os cidadãos o direito à sua identidade pessoal e genética e ainda a utilização das tecnologias que a isso conduzem', 202º e 204º do mesmo texto, 'na medida em que obrigam os Tribunais a submeter-se à lei e às normas constitucionais';
d)- questão que suscitou no decurso do processo,
'designadamente nos artigos 26º e seguintes das suas alegações de recurso produzidas no Tribunal da Relação e conclusão 14ª dessas mesmas alegações'.
2.- Entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, o que se passa a sucintamente justificar, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da citada Lei nº 28/82.
Na verdade, mesmo a admitir-se que o recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, visou impugnar o juízo formulado de interpretação normativa e não a própria decisão recorrida, em si considerada - pois, como é sabido, o recurso de constitucionalidade não tem por objecto controlar a própria decisão jurisdicional mas sim o juízo que nela se contém sobre a constitucionalidade de uma norma jurídica ou de uma sua interpretação - não se verifica, in casu, a indispensável congregação dos pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º pressupõe a verificação de vários pressupostos da sua admissibilidade, de modo que o tribunal cuja decisão se pretende impugnar tenha sido confrontado com a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa feita em termos directos, explícitos e perceptíveis que não suscitem dúvidas quanto à necessidade de sobre ela se debruçar e resolver. Esta questão há-de ser reportada a uma norma jurídica - no todo ou em parte - ou a uma sua dada interpretação, que a decisão haja efectivamente aplicado, mesmo que só de modo implícito. Ou seja, deve a mesma integrar a ratio decidendi, constituindo um dos seus fundamentos legais decisivos, não se bastando com a natureza de meros obiter dicta (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 82/92 e 1009/96, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992 e 12 de Dezembro de 1996, respectivamente).
Ora, o recorrente, nas alegações que apresentou na Relação, verificando que o Colectivo deu como provado que o mesmo se recusara a ser submetido a exames de sangue para investigação da filiação biológica, concluíu ter a sentença violado o artigo 26º da Constituição, uma vez que, nas suas palavras, 'a realização de exames sanguíneos está sempre dependente da prévia autorização do interessado, porquanto a sua imposição poder-se-ia considerar ofensiva do direito à reserva da intimidade da vida privada que se constitui como um direito pessoal (artigos 25º e 26º, nº 1, da CRP), pelo que o indigitado pai não pode ser compelido a sujeitar-se à colheita de sangue para efeitos de exame hematológico' (cfr., maxime, nº 24 das alegações e conclusão
14ª).
Não obstante, em plena audiência de julgamento e em fase posterior à fixação da matéria de facto, o interessado veio, então, requerer que lhe fosse feito o exame, o que o Tribunal desatendeu por já se encontrar encerrada a fase de produção da prova, sendo extemporâneo o oferecimento desta, só admissível ao âmbito do nº 1 do citado artigo 512º do CPC.
É esta disposição instrumental, disciplinadora da produção da prova, que o recorrente alega ter sido interpretada inconstitucionalmente.
No entanto, como é bem de ver, ela não foi sequer implicitamente aplicada no acórdão da Relação que, nomeadamente, ao cuidar da questionada 'necessidade e imprescindibilidade da realização de exame hematológico', considerou 'não se vislumbrar qualquer utilidade na sua realização'.
Assim, não só não ocorreu, então, efectiva aplicação da questionada norma como, de resto, o problema não foi sequer recolocado perante o Supremo Tribunal de Justiça, permitindo dizer - para que assim o entenda - que a questão foi abandonada, não relevando a anterior suscitação (cfr., v.g., os acórdãos nºs. 36/91 e 88/97, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1991 e 12 de Abril de 1997, respectivamente).
3.- Em face do exposto e sem necessidade de maiores considerações, entende-se não ser de conhecer do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes nos termos do nº 1 do artigo 78º-A.