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Proc. nº 701/97 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O Ministério Público recorre, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, da sentença de 15 de Setembro de
1997, do Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que, julgando improcedentes os embargos, recusou aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, à 'conjugação normativa do artigo 3º do Decreto-Lei nº
199/90', de 19 de Junho, e mandou que a taxa de justiça fosse 'calculada de acordo com a tabela a que se reporta o artigo 13º do Código das Custas Judiciais, e não a do mencionado preceito'.
Nos autos, é recorrida a L..., S.A..
O relator elaborou exposição, nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo que se deve
julgar inconstitucional a norma desaplicada e, em consequência, negar provimento ao recurso.
O Procurador-Geral Adjunto, na sua resposta, concluiu que:
1º - Não pode inferir-se do juízo de inconstitucionalidade ínsito no Acórdão nº
1182/96 que toda a tabela I de custas anexa ao Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, seja materialmente inconstitucional, pelo facto de as custas devidas em certos processos tributários serem de valor mais elevado do que as que seriam devidas na jurisdição comum, em processos de função ou natureza análoga.
2º - Na verdade, importa ponderar, em termos concretos e casuísticos, qual o montante das custas devidas, formulando um juízo comparativo em função das tabelas anexas ao Código das Custas Judiciais e ao citado Decreto-Lei nº 199/90, tendo em conta o valor da causa e a repercussão que o montante devido possa ter na efectividade prática do direito de acesso à justiça fiscal.
3º - Não pode considerar-se desproporcionado o estabelecimento de um montante de custas, devidas em embargos de terceiro inseridos em execução fiscal e que foram julgados parcialmente improcedentes, de 72.951$00, sendo o valor da execução em que tal oposição se inseriu de 1.200.000$00 - e representando o agravamento das custas tributárias, numa acção desse valor, cerca de 3 vezes o que corresponderia a processo, de idêntica natureza, que fosse instaurado perante os tribunais judiciais.
4º - Termos em que deverá, salvo melhor opinião, ser julgado improcedente o presente recurso.
2. Cumpre decidir, com dispensa de vistos.
II. Fundamentos:
3. Este Tribunal, no acórdão n.º 352/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 19º, página 519), ponderou que o legislador goza de grande liberdade na fixação do montante das custas, pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata, mas acrescentou que essa liberdade tem um limite. E esse limite é o de que a justiça seja realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem necessidade de recorrer ao sistema de apoio judiciário, uma vez que o nosso ordenamento jurídico concebe este sistema como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor). E, por isso - disse também -, o legislador, ao fixar as custas judiciais, deve ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar incomportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito de acesso aos tribunais. As decisões legislativas nesta matéria, sendo embora sindicáveis ratione constitutionis, só, porém, deverão ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas, quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.
Mais recentemente, o Tribunal, no acórdão n.º 1.182/96 (publicado no Diário da República; II série, de 11 de Fevereiro de 1997), ao apreciar, num determinado segmento, a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do mencionado Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II a ele anexas - que julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade -, recordou a doutrina daquele aresto. Acrescentou que 'as custas judiciais não deixam de assumir, no processo de actuação dos agentes económicos, um papel similar ao dos 'custos de produção' - o que equivale a dizer que influenciam o comportamento desses agentes. Por isso
- disse -, 'se uma justiça fiscal eficaz potencia uma melhor tributação, a existência de custos irrisórios de utilização desta não deixa de potenciar uma menor eficácia da tributação' - e, consequentemente, do sistema fiscal. Mas, então - ponderou -, tendo em conta 'a especificidade do fenómeno jurídico' em torno do qual se desenvolve a controvérsia na jurisdição fiscal, as custas a pagar nos processos que aí correm termos não têm que corresponder às custas devidas noutras espécies de processos. No entanto - frisou -, 'não podem ser desproporcionalmente mais altas ou pôr em risco o acesso à justiça'.
4. Pois bem: como vai ver-se, in casu, a taxa de justiça, quando comparada com aquela que, em situação idêntica, teria que pagar-se numa acção cível, é 'desproporcionalmente' elevada.
De facto, o valor dos embargos é, no caso, de 1.200.000$00.
No processo, não chegaram a ser calculadas as custas pela tabela I anexa ao mencionado artigo 3º. Decorre, porém, dessa tabela I que, para um valor de 1.200.000$00, a taxa de justiça é de 121.585$00. E como, por força do que dispõe o nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 449/71, de 26 de Outubro, nos embargos de terceiro, a taxa de justiça é reduzida a três quintos, o seu montante seria, no caso, de 72.951$00.
Há-de convir-se que as custas devidas na 1ª instância da jurisdição fiscal, sendo, no caso, 72.951$00, são, na verdade, desproporcionadas, muito principalmente quando em comparação com as que seriam pagas num tribunal cível. Aí, com efeito, a taxa de justiça, para um valor de 1.200.000$00, é de
48.000$00; e como, nos embargos e nas oposições à penhora, a taxa é reduzida a metade (cf. artigos 13º e tabela anexa e 14º, alínea h), do Código das Custas Judiciais), o seu montante seria de 24.000$00.
A aplicação da referida tabela I conduz, em geral, a uma desproporção similar à que se deixa apontada. O facto de, nalgum caso, essa desproporção não ser tão significativa não justifica, por isso, que a norma sub iudicio seja julgada inconstitucional apenas em parte, e não na sua totalidade.
Há, por isso, que julgar inconstitucional o mencionado artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, conjugado com a tabela I anexa.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). julgar inconstitucional - por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade - a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com a tabela I anexa;
(b). em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão da inconstitucionalidade. Lisboa, 4 de Fevereiro 1998 Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida