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Procº nº 847/96 Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com sede na Avª. ------------, nº ---------, Lisboa, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho nº 18/95, de 30 de Outubro de 1995, do Director-Geral do Turismo, que indeferiu um pedido de localização de um hotel para ---------------------, concelho de Portimão.
Por sentença de 24 de Setembro de 1996, o Mmº Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Lisboa concedeu provimento ao recurso e, consequentemente, anulou o acto impugnado.
Na fundamentação daquela sentença, pode ler-se o seguinte:
'Como resulta da matéria dada como provada, o acto recorrido fez aplicação do Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo 15.12.92, publicado no Diário da República, II Série, nº 3, de 5.1.93, fls. 69 e seguinte, por sua vez emitido com invocação do disposto no artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março.
Daí que possamos dizer que o Decreto Regulamentar nº 11/91 é a norma habilitante do citado despacho conjunto.
Contudo, o Decreto Regulamentar nº 11/91, como regulamento que é
(cfr. artº 115º, nº 6, da Constituição), não pode pretender fundar um outro conjunto de normas regulamentares de execução permanente e eficácia externa das leis condicionantes do direito de propriedade.
Na verdade, o artº 115º, nº 5, da Constituição proíbe que a actos de outra natureza, que não a legislativa, se confira o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos preceitos legais.
Assim sendo, é manifesto que o artº 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, bem como as normas do despacho conjunto em causa, violam o disposto no referido artº 115º, nº 5, da Constituição, ilegalidade que se transmite ao despacho recorrido, o que confere ao recorrente o direito a vê-lo anulado.
Prejudicado fica o conhecimento dos restantes vícios'.
2. Considerando que a referida sentença 'recusou aplicar o Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo de 15.12.92, publicado no Diário da República, II Série, nº
3, de 5.1.93, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 115º, nº 5, da C.R.P., na medida em que foi emitido com base em norma habilitante de natureza não legislativa', interpôs a Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 280º, nºs 1, alínea a), e 2, da Constituição e dos artigos 70º, nº 1, alínea a), 72º, nº 3, e 78º da Lei do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). No entanto, o Mmº Juiz do TAC de Lisboa, por despacho de 18 de Outubro de 1996, não admitiu o recurso para este Tribunal, já que, na sua óptica, 'não foi decidida a recusa de aplicação de qualquer norma', tendo-se apenas 'constatado a ilegalidade do acto recorrido'.
3. Discordando da decisão de inadmissão do recurso, apresentou a Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa a presente reclamação para este Tribunal, dado que, na sua opinião, a referida sentença 'recusou aplicar a norma do artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, por julgá-la contrária ao artigo 115º, nº 5, da C.R.P, recusa essa que determinou a subsequente rejeição da aplicação do Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo de
15.12.92, publicado no Diário da República, II série, de 5.1.93'.
4. Por despacho de 29 de Outubro de 1996, o Mmº Juiz do TAC de Lisboa manteve o despacho reclamado.
5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional emitiu parecer no sentido do deferimento da presente reclamação, concluindo que se deve considerar 'o recurso interposto pelo Ministério Público, através do requerimento constante de fls. 108 (14 dos autos), reportado tanto às normas constantes do despacho conjunto ali referido, como à que consta do artigo
11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, já que ambas foram desaplicadas, com preterição do disposto no artigo 115º, nº 5, da Constituição, o que legitima a interposição do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82'.
6. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
7. Como resulta do exposto, a Magistrada do Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da sentença do TAC de Lisboa de 24 de Setembro de 1996, tendo como objecto o Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo de 15 de Dezembro de 1992, publicado no Diário da República, II Série, nº 3, de 5 de Janeiro de 1993. Por isso, se este Tribunal concluir pelo deferimento da presente reclamação, o recurso deverá ser admitido nos termos e com o objecto constante do requerimento de interposição do recurso, estando vedada a este Tribunal a ampliação do objecto do recurso na decisão que deferir a reclamação.
Vejamos, então, se o recurso interposto para este Tribunal preenche os pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional. Esses pressupostos são os seguintes:
- a recusa de aplicação pela decisão recorrida de uma norma jurídica, com fundamento na sua inconstitucionalidade;
- a referida recusa de aplicação deve constituir um dos fundamentos da decisão recorrida e não um simples obiter dictum (cfr. os Acórdãos deste Tribunal nºs. 14/91, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1991, e 206/92, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1992, bem como os aí citados).
8. Ora, da análise da decisão de que se pretende recorrer para este Tribunal resulta que aí foram julgadas inconstitucionais, por violação do artigo
115º, nº 5, da Constituição, as normas do artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, e do Despacho Conjunto do Ministro do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo de 15 de Dezembro de 1992, publicado no Diário da República, II Série, nº 3, de 5 de Janeiro de 1993, e que foi em consequência deste julgamento de inconstitucio- nalidade e da correspondente desaplicação daquelas normas que o despacho objecto de recurso contencioso foi anulado. E isto é quanto basta para considerar que se verificam, in casu, os pressupostos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, devendo, por isso, ser admitido o recurso de constitucionalidade interposto para este Tribunal (e isto independentemente do bom ou mau fundamento de um tal julgamento de inconstitucionalidade).
Há, assim, que deferir a presente reclamação.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se deferir a reclamação.
Lisboa, 11 de Março de 1997 Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida