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Processo nº 868/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que figura como recorrente A., e como recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 312 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que mereceu a 'inteira concordância' do Ministério Público, nada tendo dito o recorrente -, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa,26.2.97 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 868/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Militar, de 24 de Outubro de 1996, que, dando cumprimento a um acórdão do Tribunal Constitucional, reformou a decisão anterior e, 'tendo em conta a moldura penal aplicável ao crime cometido pelo réu e fazendo uso da faculdade da atenuação extraordinária da pena', condenou o recorrente em seis meses de prisão militar.
2. O acórdão recorrido foi proferido na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 967/96, a fls. 264, e seguintes dos autos, que julgou
'inconstitucional, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 2º da Constituição, a norma do artigo 16º do Código de Justiça Militar, na interpretação do acórdão recorrido, segundo o qual o conceito de 'tropa reunida' é preenchido pela simples presença, ainda que ocasional e fortuita, no local da prática do crime, de dez ou mais militares, mesmo quando tal local não seja local de serviço - no caso em apreço, num jantar de confraternização entre militares levado a efeito num restaurante de todo alheio à instituição militar', e mandou reformar um anterior acórdão do Supremo Tribunal Militar, 'em consonância com o julgamento da questão da constitucionalidade'.
Lê-se no acórdão recorrido:
'Importa, pois, reformar o acórdão de fls. 169 e seguintes em consonância com a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, ou seja, alterar tão só a parte daquele acórdão que tenha sido afectada pelo julgamento da questão de inconstitucionalidade, mantendo-se imutável tudo o mais.
Ora, o Tribunal Constitucional, como ficou dito, julgou inconstitucional, por violação do disposto nos artºs 2º e 18º, nº 2 da Constituição, a norma do artº
16 do CJM, na interpretação (...).
Assim sendo, considera-se inalterável o decidido no acórdão a reformar quanto à matéria de facto dada como provada, cabendo apenas rever o enquadramento legal da conduta do réu e a pena aplicável ao réu, em conformidade com a nova qualificação jurídica.
Inexistindo, 'in casu', como foi decidido, a circunstância qualificativa do crime prevista na referida al. a) do nº 1 do artº 79 do CJM- 'Tropa reunida' a apurada conduta o réu é subsumível na alínea b) do mesmo preceito legal que prevê a moldura penal de seis meses a dois anos de presídio militar. Considerando, porém, o valor das atenuantes 2º- bom comportamento militar - e
11º - imperfeito conhecimento dos maus resultados do crime - ambas do art. 20º do citado código, justifica-se que, como se entendeu no aresto reformando, se faça uso da faculdade de atenuação extraordinária da pena, baixando-a para o escalão imediatamente inferior.
Finalmente, ponderando todo o circunstancialismo fáctico apurado, a gravidade do crime, a culpabilidade do réu, a sua personalidade e os motivos determinantes bem como os demais elementos relevantes nos termos do art. 72 do C. Penal, considera-se adequada e justa a pena de seis meses de prisão militar'.
3. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade limitou-se o recorrente a mostrar-se inconformado 'no que respeita à decisão das questões de inconstitucionalidade que suscitou, por entender que o Venerando Tribunal Constitucional não apreciou todas as alegadas', restringindo o recurso 'às matérias de inconstitucionalidade não apreciadas no seu douto Acórdão' (o acórdão citado nº 967/96) e remetendo para a 'fundamentação constante das motivações oportunamente apresentadas, que aqui dá por reproduzidas'.
Veio depois completar aquele requerimento, cumprindo o disposto no artigo
75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, nos termos que passam a transcrever-se:
'Na contestação ao libelo acusatório referia-se já a questão da competência do Tribunal Militar em face dos actos de que o arguido vinha acusado.
Vêm então invocados os artigos 218º e 304 da Constituição da República, entendendo-se que existia desconformidade com o entendimento que se estava a fazer do artigo 1º do Código de Justiça Militar.
Na motivação de recurso de despacho de indeferimento desenvolveram-se as razões acima apresentadas aditando-se agora a referência ao artigo 398º nº~3 do Código de Justiça Militar.
Questão de inconstitucionalidade não apreciada no douto Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional.
Em face da douta sentença proferida pelo Supremo Tribunal Militar e na alegação respectiva expressamente se diz que:
A norma do artigo 79º do Código de Justiça Militar por qualificar como crime essencialmente militar uma infracção cometida no exercício do direito constitucional de liberdade de expressão o que representa violação dos artigos
18º, 37º e 215º da Constituição.
Mostra-se desenvolvida esta argumentação em capítulo próprio e formulada conclusão nas alegações apresentadas em recurso junto do Supremo Tribunal Militar'.
4. Vê-se do exposto, apesar de não ser muito clara a posição do recorrente, que são duas as questões que ele volta a reeditar nos autos, face ao acórdão recorrido, proferido imediatamente após a baixa do processo ao Supremo Tribunal Militar:
- 'a questão da competência do Tribunal Militar em face dos actos de que o arguido vinha acusado', por referência aos artigos 1º e 398º, nº 3, do Código de Justiça Militar.
- a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 79º do mesmo Código, por
'violação dos artigos 18º, 37º e 215º da Constituição'.
Todavia, essas mesmas questões já tinham sido colocadas nos autos pelo recorrente e sobre elas houve pronúncia do Supremo Tribunal Militar, no primeiro acórdão de 23 de Março de 1995, em sentido desfavorável ao recorrente, dele tendo interposto recurso para este Tribunal Constitucional, decidido no já citado acórdão nº 967/76 (e registe-se que o recorrente nessa oportunidade utilizou os mesmos termos do requerimento e seu complemento agora apresentados, sendo praticamente igual o seu teor).
E, nesse acórdão do Tribunal Constitucional nº 967/96 fez-se a delimitação do âmbito do recurso de constitucionalidade na forma que interessa transcrever:
'4 - E porque, quer a petição de recurso, quer o requerimento que a complementou não apresentam a linearidade desejável, importa previamente, definir com exactidão qual o objecto do recurso.
E dir-se-á, por força da exigência procedimental que decorre das normas dos artigos 70º e 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, que a única questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente em consonância com os requisitos e pressupostos ali exigidos, é a que se reporta à interpretação da norma do artigo 16º do Código de Justiça Militar, na parte em que aí se define o conceito de 'tropa reunida' e enquanto este conceito funciona como circunstância agravante do crime de insubordinação por meio de outras ofensas ou ameaças a que se refere o artigo 79º, nº 1, alínea a) do mesmo código.
É certo que, durante o processo, se questionou também a norma do artigo 79º ainda daquele código, por qualificar como crime essencialmente militar uma infracção cometida no exercício do direito constitucional de liberdade de expressão, o que representaria violação dos artigos 215º, 18º e 37º da Constituição.
Só que, quanto a esta específica questão não existe qualquer referência expressa na petição de recurso e no requerimento que a completou, como era legalmente exigido para se poder verificar a abertura da via de impugnação constitucional.
E assim sendo, não obstante a referência que a esta matéria se faz nas alegações produzidas perante o tribunal recorrido, e também perante este Tribunal, há-de concluir-se no sentido de não poder ela integrar o objecto do recurso'.
Significa isto que as duas questões que o recorrente insiste constituírem o objecto do presente recurso de constitucionalidade foram já decididas nos autos com trânsito em julgado, não podendo agora renovar-se a sua apreciação neste Tribunal Constitucional.
Com efeito, a questão de inconstitucionalidade relacionada com o artigo 79º do Código de Justiça Militar, por se 'qualificar como crime essencialmente militar uma infracção cometida no exercício do direito constitucional de liberdade de expressão o que representa violação dos artigos 18º, 37º e 37º e
215º da Constituição', foi expressamente arredada do objecto do recurso de constitucionalidade sobre que incidiu o acórdão nº 967/76, porque 'quanto a esta específica questão não existe qualquer referência expressa na petição de recurso e no requerimento que a completou, como era legalmente exigido para se poder verificar a abertura da via de impugnação constitucional'. Do que resulta que o juízo do Supremo Tribunal Militar acerca dessa questão tornou-se definitivo, porque transitou em julgado, não havendo naturalmente no acórdão recorrido nenhuma pronúncia sobre ela, pois já constava do primeiro acórdão de 23 de Março de 1995.
Quanto à 'questão da competência do Tribunal Militar em face dos actos de que o arguido vinha acusado', não constituiu ela o objecto daquele recurso de constitucionalidade e, portanto, nem sequer é referenciada no Acórdão nº 967/96 como questão de constitucionalidade.
Do que resulta também que o juízo do Supremo Tribunal Militar acerca de tal questão tornou-se definitivo, porque transitou em julgado, e também no acórdão recorrido não há nenhuma pronúncia sobre ela, pois já constava do primeiro acórdão de 23 de Março de 1995.
De tudo isto tem de se extrair a conclusão de que o presente recurso de constitucionalidade carece de objecto, pois as questões que o recorrente pretende ver apreciadas, em sede da competência deste Tribunal Constitucional, são questões já definitivamente julgadas por decisão transitada do Supremo Tribunal Militar, não podendo agora dizer-se, como diz o recorrente, que o Tribunal Constitucional 'não apreciou todas as [questões] alegadas', por referência ao citado Acórdão nº 967/96 (e, mesmo que assim fosse, isso seria vício daquele aresto, que o recorrente deveria ter arguido em sede própria e no momento oportuno, não deixando transitar, como deixou, o Acórdão nº 967/96).
Tal conclusão obsta a que se conheça do mérito do presente recurso de constitucionalidade, não podendo, assim, tomar-se conhecimento dele.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no já citado artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82.