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Processo nº 745/96
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
(Cons. Bravo Serra)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A., condenado no Tribunal de círculo do Funchal pela prática de crime de burla na pena de dois anos de prisão, suspensa por dois anos mediante determinadas condições, pretendeu recorrer apresentando requerimento neste sentido acompanhado da motivação.
Porém, não tendo pago na primeira instância a taxa de justiça devida pela interposição desse recurso (v. liquidação e guia certificadas a fls.
23 e 24), foi, através do despacho certificado a fls. 25, julgada 'deserta a instância de recurso', por aplicação, entre outros, do disposto no artigo 192º do Código das Custas Judiciais (trata-se do CCJ, então em vigor, aprovado pelo DL nº 44329, de 8 de Março de 1962).
Suscitada a nulidade desse despacho, do que resultou a prolação de outro despacho indeferindo-a, certificado a fls. 26/27, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando a inconstitucionalidade do referido artigo 192º do CCJ.
2. No Tribunal da Relação, continuado o processo com vista ao Ministério Público, em obediência ao artigo 416º do Código de Processo Penal, formulou este o Parecer de fls. 42, no qual, citando-se o Acórdão nº 575/96 deste Tribunal (por evidente lapso escreveu-se nº 550/96), se adere ao neste decidido (ou seja ao entendimento de que o artigo 192º do CCJ é inconstitucional
'na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pelo interposição do recurso de sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente').
Decidindo o recurso proferiu a relação de Lisboa o Acórdão de fls. 44/52, confirmando a decisão impugnada. Para além de não aderir à jurisprudência expressa nesse Acórdão nº 575/96 deste Tribunal, acrescenta-se nesse aresto, como 'última achega', o entendimento que
'(...) infere da regra que, presentemente, consta do nº 5 do artigo 107º do CPP, na versão introduzida pelo DL nº 317/95, de 28 de Novembro.
Aí se estabelece que «independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações». O referido AcTc nº (575/96), de 16/4, não atendeu a esta recente alteração introduzida no Código de Processo Penal. No entanto, tal alteração entrou em vigor no dia 3 de Dezembro de 1995, ou seja, em data anterior à daquele aresto e
à que, no caso sub judice, o recorrente devia pagar a taxa de justiça. A solução consagrada no nº 5 do artº 107 do CPP prejudica frontalmente a fundamentação daquele acórdão. No caso sub judice, invalida a argumentação do recorrente. É que este não pagou a taxa de justiça no prazo legal, não invocou justo impedimento; não mostrou nem invocou insuficiência de meios económicos para a pagar, e nem mesmo requereu o seu pagamento nos termos do disposto no nº 5 do artº 107 do CPP conjugado como nº 5 do artº 145º do CPC, ou seja, que lhe fosse permitido o pagamento em algum dos 3 dias subsequentes ao termo do prazo, com multa do montante previsto naquele preceito.'
3. Recorreram, então, para este Tribunal o Ministério Público e o arguido, fundando, ambos, os respectivos recursos na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
Concretamente refere o Ministério Público no seu requerimento de interposição de fls. 55 :
'Pretende-se a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 192º do CCJ, por violação dos artigos 13º e 32º nº 1 da Constituição, questão que foi suscitada pelo arguido na motivação do recurso interposto para a Relação e Ministério Público no parecer emitido nesta Relação.'
Admitidos os recursos alegaram, neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto e o arguido/recorrente, concluindo ambos pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 192º do CCJ e, consequentemente, pelo provimento do recurso.
Dispensando os vistos, apresentou o Exmº Conselheiro Relator memorando que, por ter originado uma situação de vencido deste, originou a mudança de Relator.
Cumpre, enfim, decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
4. Uma questão prévia importa abordar, relativa à legitimidade do Ministério Público para recorrer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da LTC.
Certo é que a circunstância da decisão recorrida se assumir como ( e ser efectivamente) contrária ao falado Acórdão nº 557/96 deste tribunal, publicado no Diário da República II série de 19 de Julho de 1996, aplicando norma já objecto de julgamento de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, legitimaria recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Não obstante, e no que ao Ministério Público concerne, a posição por este assumida no parecer de fls. 42, não pode deixar de consubstanciar uma suscitação de inconstitucionalidade durante o processo
(imediatamente anterior à decisão que aplica essa norma considerada inconstitucional), legitimadora do recurso interposto por este ao abrigo da citada alínea b).
Cumpre notar que o Ministério Público é parte no Processo Penal, com legitimidade para interpor recurso (artº 53º nº 2, al.d) do Código de Processo Penal), além de representar em geral o Estado (artigo 20º nº 1 do Código de Processo Civil), que é o titular do direito às custas. Pelo que não há que duvidar de que uma parte suscitou a questão da constitucionalidade, no sentido do nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional.
5. Esclarecido este ponto, importa passar à questão de fundo.
Esta assume natureza idêntica à decidida pelo referido Acórdão nº 575/96. O aresto recorrido, porém, entende que a actual redacção do artº 107 nº 5 do CPP (introduzida pelo DL Nº 317/95, de 28 de Novembro), não foi devidamente ponderada por este Tribunal naquela decisão.
A possibilidade de prática de acto em processo penal nos mesmos termos previstos no Código de Processo Civil, designadamente nos termos do artigo 145º nºs 5º e 6º deste diploma, nenhuma influência apresenta nesta situação concreta, sendo certo que advertência prévia alguma foi feita ao arguido, não lhe tendo sido feita concretamente pela secretaria, como os autos o demonstraram a advertência referida pelo nº 6 do artigo 145º do CPC.
Assim, independentemente de saber se o cumprimento desse nº 6 do artigo 145º (tanto na redacção anterior como posterior ao DL nº
329-A/95, de 12 de Dezembro) no domínio do processo penal chegaria para que a inconstitucionalidade detectada por este Tribunal no artigo 192º do CCJ se tivesse por eliminada - questão a que, por não se colocar neste caso, não cumpre aqui responder - sempre subsistiria a inexistência de 'qualquer formalidade de aviso ou comunicação ao arguido sobre as consequências desse não pagamento'
(palavras do Acórdão nº 575/96).
Assim sendo, resta reafirmar a anterior decisão deste Tribunal.
III DECISÃO
6. Nestes termos decide-se :
a) Julgar inconstitucional - por violação do preceituado nas disposições combinados dos artºs 18º nºs 2 e 3 e 32º nº 1 da Constituição - a norma constante do artº 192º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº
44329, de 8 de Março de 1962, na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso de sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido recorrente;
b) Consequentemente, conceder provimento aos recursos, revogando-se a decisão recorrida, a qual deve ser reformulada em conformidade com o antecedente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 26 de Fevereiro de 1997 José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida
Bravo Serra (vencido, em primeiro lugar quanto à questão prévia consistente em saber se o Ministério Público suscitou adequadamente uma questão de constitucionalidade quanto à norma ali apreciada; Na verdade aquilo que o representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa exarou no «parecer» que emitiu no processo não é , a meu ver, minimamente uma forma de suscitação de inconstitucionalidade da norma que levou aquele Tribunal a confirmar a decisão então impugnada. Em segundo lugar, e quanto à questão de fundo, ou seja quanto à inconstitucionalidade de que enferma a norma «sub judicio», tal como foi julgada no presente aresto, reafirmo aqui a declaração de voto que apus no Acórdão nº 554/96) José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à do Acórdão nº 554/96)