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Processo n.º 806/96 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. foi condenado, em 20 de Fevereiro de 1995, no Tribunal de Círculo de Lamego, pela prática de um crime de homicídio tentado, com dolo eventual, na pena de quatro anos de prisão, da qual lhe foi logo perdoado um ano.
Dessa condenação recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este, por acórdão 30 de Novembro de 1995, negou provimento ao recurso.
O então recorrente arguiu a nulidade do acórdão, imputando-lhe o vício de omissão de pronúncia, que consistiria no facto de ele se não ter pronunciado sobre 'ter o crime sido praticado há bastante tempo e ter-se pautado o arguido com bom comportamento' - circunstância esta que, em seu entender, poderia 'fazer descer a dosimetria do crime para o comando do artigo
73º do Código Penal em vigor'.
Antes, porém, que esta reclamação fosse decidida, foi ele pedir que aquele requerimento fosse 'substituído' por outro articulado, dado pensar que este 'melhor se adapt[ava] às circunstâncias do conteúdo do seu caso'. Neste articulado, depois de repetir a tese que sustentara no requerimento anterior, disse que era injusto 'responsabilizar o arguido na base do dolo eventual', por isso que o mesmo deveria ter sido 'condenado pela prática do crime de tiro de arma de fogo', e acrescentou que, incumbindo aos tribunais
'assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos' e devendo as suas decisões ser 'fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei', o acórdão violou os artigos 206º e 210º da Constituição da República, o que gera a sua nulidade.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, desatendeu a nulidade de omissão de pronúncia (arguida no requerimento apresentado em primeiro lugar) e não conheceu da 'pretensa ampliação da arguição de nulidade de omissão de pronúncia' (feita no requerimento apresentado em segundo lugar), 'quer por ser extemporânea, quer por, uma vez deduzida uma arguição de nulidade, [...], não ser viável que o mesmo requerente, e em relação à mesma decisão, venha ampliar a outros pontos a sua oposição que já deduziu'.
Notificado este acórdão, requereu o arguido que o Supremo Tribunal de Justiça considerasse o requerimento de 'ampliação da arguição de nulidade' como tendo sido praticado 'num dos três dias úteis seguintes ao fim do respectivo prazo' e, em consequência, o notificasse para pagar a respectiva multa e, de seguida, se pronunciasse sobre o 'conteúdo' do mesmo, uma vez que - disse - 'o requerente tem elevado interesse em que o seu requerimento [...] seja apreciado, dado que nele foram alegadas razões de inconstitucionalidade que lhe dão a possibilidade de apresentar recurso para o Tribunal Constitucional'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 4 de Julho de 1996, indeferiu tal pretensão, 'por ser manifestamente ilegal'.
2. O arguido interpôs, então, recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, dizendo fazê-lo ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'para apreciação da inconstitucionalidade material do artigo 22º do Código Penal de 1982, cometida nos autos, inconstitucionalidade arguida no requerimento de fls. 237 a 239' (ou seja, no requerimento em que pretendeu ampliar a arguição de nulidade).
O recurso não foi admitido, com fundamento em que 'a pretensa inconstitucionalidade do artigo 22º do Código Penal só foi arguida depois de proferido o acórdão sobre o objecto do recurso interposto da decisão da primeira instância' (despacho de 7 de Outubro de 1996, confirmado pelo acórdão de 31 de Outubro de 1996).
3. É contra esse despacho de inadmissão do recurso que foi apresentada a presente reclamação pelo arguido, na qual, a dado passo, afirma: 'é nítida a inconstitucionalidade dos artigos 73º do Código Penal em vigor e do artigo 22º do Código Penal de 1982'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal, no seu visto, disse ser 'manifesta a improcedência da [...] reclamação, por evidente intempestividade das questões de inconstitucionalidade suscitadas, em momento ulterior à prolação do acórdão de que se pretende recorrer, tendo o ora reclamante disposto de plena oportunidade para suscitar, durante o processo, tal questão'.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. A presente reclamação tem que ser indeferida, uma vez que o recurso contra cuja inadmissão se reclama não poderá ser admitido.
De facto, vindo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº.1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo 22º do Código Penal de 1982 (a questão da constitucionalidade do artigo 73º do actual Código Penal só foi colocada na própria reclamação, por isso que não haja, sequer, que considerá-la), necessário era, para que o mesmo pudesse ser admitido, que o recorrente (ora reclamante) tivesse suscitado a inconstitucionalidade daquele artigo 22º durante o processo
- ou seja, antes de proferido o acórdão de 30 de Novembro de 1995, que o aplicou.
Ora, tal não sucedeu. A primeira vez que o reclamante falou em violações de normas constitucionais foi no requerimento de 'ampliação' da arguição de nulidade. E, mesmo assim, sem as imputar a qualquer norma legal, pois que se limitou a fazer apelo aos artigos 206º e 210º da Constituição. A referência à inconstitucionalidade do mencionado artigo 22º só a vem a fazer no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Não se acha, por isso, verificado o pressuposto do recurso da alínea b) do nº.1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que consiste na suscitação, durante o processo, da inconstitucionalidade da norma legal que o acórdão recorrido aplicou (aqui, da norma do artigo 22º do Código Penal de 1982).
Também não é caso de dispensar o recorrente (ora reclamante) do ónus dessa suscitação durante o processo, uma vez que, tendo ele sido condenado por tentativa de homicídio na 1ª Instância, bem sabia que o julgamento do recurso convocava o referido artigo 22º, que, justamente, versa sobre essa forma do crime (a tentativa). Por isso, se entendia que tal norma era inconstitucional, devia ter suscitado a respectiva inconstitucionalidade nas alegações dirigidas ao Supremo Tribunal de Justiça, para que este pudesse decidir essa questão.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, fixando-se em dez unidades de conta a respectiva taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 1997 Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa