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Processo nº 506/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
(Cons. Ribeiro Mendes)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- P..., capitão da Guarda Nacional Republicana, foi condenado no Tribunal Militar Territorial de Tomar, por acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, na pena de quatro meses de prisão militar, como autor de um crime previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 20º, nº 2, 27º,
39º, 94º, alínea e), e 95º do Código de Justiça Militar (CJM).
Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal Militar (STM), logo suscitando, na respectiva motivação, várias questões de inconstitucionalidade:
a) da norma do artigo 408º do CJM na medida em que, impedindo a possibilidade de requerer documentos escritos,
viola as garantias de defesa e, consequentemente, o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República (CR);
b) da norma do artigo 418º do CJM por infringir o princípio do duplo grau de jurisdição, assim violando as mesmas garantias e preceito constitucional;
c) das normas dos artigos 428º e 431º, nº 2, do CJM, por, ao concederem 5 dias para interposição de recurso, contrariamente ao previsto no artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), violarem o princípio da igualdade constante do artigo 13º da CR;
d) das normas do Capítulo III, do Título I, do Livro I do CJM, por não permitirem a suspensão da execução das penas prevista no artigo 50º, nº 1, do Código Penal e a substituição da pena de prisão não superior a 6 meses por pena de multa, prevista no artigo 44º deste mesmo Código, assim desrespeitando o artigo 13º da CR.
No STM, o Promotor de Justiça exarou parecer em que discordou da aplicação pelo tribunal recorrido da faculdade de atenuação extraordinária usada relativamente ao recorrente, sustentando que a pena a aplicar não deveria ser inferior ao mínimo da moldura penal, que vai de 6 meses a 2 anos.
Notificado nos termos do artigo 440º, nº 2, alínea b), do CJM, nada disse o recorrente no prazo de três dias que, para o efeito, dispôs.
O STM, por acórdão de 15 de Maio de 1996, julgou o recurso improcedente e agravou a pena, revogando o benefício da atenuação extraordinária e aplicando ao arguido a pena de 10 meses de presídio militar.
Reagiram o arguido e o Promotor de Justiça, ambos interpondo recursos de constitucionalidade, o primeiro ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o segundo nos termos da alínea g) do mesmo preceito.
O arguido, deixou de impugnar a constitucionalidade das normas dos artigos 428º e 431º, nº 2, do CJM, mantendo as demais e passando a incluir como objecto do recurso de constitucionalidade a norma do nº 2 do artigo
440º do mesmo Código; o Promotor de Justiça socorrendo-se daquela alínea g) relativamente aos artigos 428º, 431º, nº 1, e 434º do CJM, invocando para o efeito os acórdãos nºs. 34/96 e 611/96 do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 1063/96, de
22 de Outubro de 1996, lavrado na sequência de exposição feita pelo Conselheiro relator de acordo com o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, não tomou conhecimento do recurso do Promotor de Justiça, o que transitou em julgado.
Prosseguindo os autos seus termos relativamente ao recurso interposto pelo arguido, as alegações destas foram assim rematadas:
'1º. Deve ser julgada inconstitucional a norma do artº 408º do Código de Justiça Militar, por violação do artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, por não permitir a documentação de declaração orais.
2º. Deve ser julgada inconstitucional a norma do artº 418º, nº
1 do Código de Justiça Militar, por violação do artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, por não permitir a apreciação da matéria de facto pelo Tribunal de Recurso.
3º. Deve ser julgada inconstitucional por omissão nas normas do Capítulo III, Título I, Livro I, (das penas) o Código de Justiça Militar, por não prever a aplicabilidade das normas dos artºs. 44º, nº 1, e 50º, nº 1, do Código Penal.
4º. Deve ser julgada inconstitucional o nº 2 do artº 440º do Código de Justiça Militar, por violação do artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa por permitir a reformatio in pejus, em contradição com o disposto no artº 409º do Código Penal.'
Por seu turno o Procurador-Geral Adjunto, nas suas alegações, suscita a questão prévia do não conhecimento do recurso no tocante às pretendidas inconstitucionalidades das normas constantes do Capítulo III, Título I, Livro I e do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, por não ter sido suscitada de forma adequada e tempestiva, durante o processo, a respectiva questão, opinião esta não partilhada pelo interessado que, ouvido, defende o conhecimento do recurso. E quanto ao fundo, conclui assim:
'2º. A garantia de um segundo grau de jurisdição, abrangendo a matéria de facto que serviu de base à decisão condenatória em pena privativa de liberdade, proferida por tribunal de estrutura co lectiva, não envolve a necessária repetição do julgamento ou a reapreciação, no todo ou em parte, das provas gravadas ou registadas , em audiência a realizar perante o tribunal 'ad quem', pelo que não padece de inconstitucionalidade a norma constante do artigo 408º do Código de Justiça Militar, ao consagrar um sistema de 'oralidade pura' para a produção de prova em 1ª instância.
3º. Não é inconstitucional a norma constante do artigo 418º, nº 1, do Código de Justiça Militar, quando interpretada e aplicada em termos de consentir ao Supremo Tribunal Militar, no âmbito do recurso interposto, o conhecimento oficioso da nulidade da decisão das instâncias decorrente da existência de deficiência, contradição insanável, erro notório na apreciação da prova ou inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade insanável, e desde que a decisão recorrida haja fundamentado, em termos satisfatórios, as razões em que alicerçou a sua convicção, relativamente à matéria de facto apurada.
4º. Termos em que deverá improceder o recurso de constitucionalidade interposto, no que a estas normas do Código de Justiça Militar se refere.'
Correram-se os vistos legais após o que o Relator primitivo elaborou memorando onde se preconizou um julgamento de inconstitucionalidade relativamente às normas dos artigos 408º e 418º, nº 1, do CJM.
Não tendo logrado vencimento, procedeu-se a redistribuição, cumprindo agora decidir.
II
1.- Delimitação do objecto do recurso.
Entende o Ministério Público não se dever tomar conhecimento das questões de inconstitucionalidade referentes às normas do Capítulo III do Título I do Livro I do CJM (artigos 24º a 52º) e, bem assim, à norma do nº 2 do artigo 440º do CJM, por não terem sido suscitadas durante o processo, de forma adequada.
Com efeito, a suscitação da questão não se acha feita de modo a permitir uma identificação correcta das normas relativamente às quais se colocam concretamente os problemas de constitucionalidade, não sendo suficiente uma alusão genérica a todo um diploma ou a uma sua dada parte, em termos globais, como vem sendo entendido por este Tribunal (cfr., v.g., os acórdãos nºs. 442/91 e 155/95, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de Abril de 1992 e 20 de Junho de 1995, respectivamente).
Assim, não equacionou o recorrente, idonea e adequadamente, a questão da inconstitucionalidade da norma que, em processo penal militar, impede a aplicação do regime mais favorável do direito penal comum (o do artigo 50º, nº 1, do Código Penal): limitou-se a impugnar, generica e globalmente, todo o capítulo do CJM relativa às 'Penas', sem curar de apontar ou minimamente especificar qual a concreta norma que considera constitucionalmente viciada.
Acresce que o acórdão recorrido, ao graduar a responsabilidade criminal do arguido, logo excluiu os pressupostos que ditariam a aplicação do regime contido no artigo 50º, nº 1, do Código Penal - agravando, pelo contrário, a pena anteriormente imposta - o que significa não ter aplicado qualquer pretensa norma impeditiva do regime mais favorável do direito penal comum.
Ou seja, e como observa o Ministério Público, o não decretamento da suspensão da execução da pena (ou a conversão da pena de presídio em pena de multa) não adveio do facto de se ter considerado legalmente inviável a observância desse regime em processo penal militar, mas resultou de uma autónoma avaliação do grau de ilicitude e de culpa do arguido, conducente à imposição de uma pena de prisão efectiva mais grave do que a aplicada na instância.
Por seu lado, não foi suscitada durante o processo, entendida esta locução no sentido reiteradamente afirmado e aceite por este Tribunal (cfr., por todos, os acórdãos nºs. 61/92 e 155/95, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992 e de 20 de Junho de 1995, respectivamente) a questão de constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo
440º do CJM - reformatio in pejus - pois que só equacionada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Não obstante, o problema fora já levantado no parecer exarado nos autos pelo Promotor de Justiça junto do STM - onde se propugnava o agravamento da pena cominada em 1ª instância, sustentando-se que deveria ser revogada a atenuação extraordinária da pena - ao que o arguido teve oportunidade de responder pessoalmente (ao ser notificado do parecer do Promotor de Justiça), colocando, assim, a questão perante o tribunal a quo a tempo de este a conhecer antes de proferida a decisão.
Houve, assim, oportunidade processual para suscitar o problema atempadamente, não podendo falar-se de 'decisão surpresa' uma vez que suscitada a questão pelo Promotor de Justiça era inteiramente plausível que o STM pudesse vir a aderir à tese suscitada nesse parecer.
De acordo com o disposto, não se conhecerá do recurso quanto às normas acabadas de mencionar, limitando-se o seu objecto à apreciação da constitucionalidade das demais normas impugnadas, as relativas aos artigos
408º e 418º, nº 1, do CJM.
2.- A norma do artigo 408º do CJM.
Dispõe este preceito:
'As respostas do réu, das declarações dos ofendidos, dos peritos e de quaisquer outras pessoas ouvidas e os depoimentos das testemunhas não serão escritos.'
Defende o arguido que a consagração de um regime de oralidade pura como é o fixado por este preceito, afecta as garantias de defesa constitucionalmente consagradas (artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental).
Não parece, no entanto, que a questão se coloque em termos substancialmente diferentes dos relativos ao regime do registo de prova em audiência, tal como o prevêem os artigos 363º e 364º, nº 1, do Código de Processo Penal, sendo certo que, a este respeito, vem o Tribunal Constitucional pronunciando-se - se bem que só maioritariamente - pela não inconstitucionalidade: cfr., inter alia, os acórdãos 253/92, 234/93, 398/94, publicados no Diário da República, II Série, de 27 de Outubro de 1992, 2 de Junho de 1993 e 26 de Outubro de 1994, respectivamente.
Registe-se, a este respeito, a seguinte passagem do citado acórdão nº 234/93:
'[...]o Supremo Tribunal de Justiça não pode realizar quaisquer diligências de prova, substituindo-se ao tribunal recorrido: o que faz é ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à totalidade da causa ou às questões concretas que indicar, julgamento esse que incumbe ao tribunal de categoria e composição idênticas ao tribunal a quo que se encontrar mais próximo
(artigos 426º e 436º do Código de Processo penal).
Mas, se assim é, as declarações documentadas na acta da audiência não podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não se destinam à apreciação do recurso. Poderão antes, como já foi sugerido, servir, por exemplo, de base à elaboração do acórdão pelo próprio tribunal colectivo ou do júri, particularmente nos julgamentos mais complexos, em que a audiência se prolongue por vários dias, semanas ou até meses.
Mas se as declarações documentadas nos autos nunca podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, então o facto de o tribunal de 1ª instância as documentar ou não, por dispor ou não de meios técnicos adequados, em nada prejudicará a observância do princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto: se o Supremo Tribunal de Justiça concluir pela necessidade de reenvio do processo, indicará oficiosamente que diligências de prova deverão ser realizadas no novo julgamento a efectuar nos termos dos referidos artigos 426º e
436º do Código de Processo Penal; também não cria qualquer desigualdade, já que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça são sempre os mesmos, independentemente da existência, ou não, de documentação da prova.'
As considerações expostas - que no acórdão em que se inserem conduziram à constatação da não violação de normas constitucionais como as dos artigos 12º, nº 1, 13º, nº 1, ou 32º, nº 1 - retomam-se de pleno, por a elas se aderir.
E são plenamente aplicáveis ao caso sub judicio em que houve o cuidado, explicitamente consignado no acórdão recorrido, de adoptar uma interpretação da norma do artigo 408º da CJM compaginável com a leitura dos artigos 410º e 433º do CPP, em manifesto esforço de conformidade com o texto constitucional.
Atente-se no seguinte trecho:
'Não consagrando a Constituição entre as garantias de defesa nem o direito de requerer depoimentos escritos nem o princípio do duplo grau de jurisdição, terá de entender-se que o que está em causa nesta questão posta pelo recorrente será o direito ao recurso e a sua amplitude.
Relativamente ao artigo 408º do CJM, cabe salientar que este preceito não estabelece qualquer restrição ao direito nem à amplitude do recurso, limitando-se a consagrar um regime equivalente ao adoptado na lei processual penal comum quanto à produção da prova em audiência - princípio da oralidade quando o julgamento é feito pelo tribunal colectivo, como acontece sempre no processo criminal castrense.
É hoje um dado adquirido, aceite pela doutrina e pela jurisprudência, considerar-se como uma das garantias de defesa em processo criminal o direito de recurso abarcando tanto a matéria de direito como a de facto, embora aquelas doutrina e jurisprudência também estejam de acordo em que tal amplitude do recurso não tenha que ser ilimitada, no que toca à matéria de facto, podendo a apreciação pelo Tribunal Superior limitar-se à verificação de o julgamento da instância ter sido ou não feito correctamente.
Assim, o próprio Tribunal Constitucional tem entendido como suficiente para assegurar o direito de recurso em matéria de facto e o princípio do duplo grau de jurisdição a possibilidade de o tribunal de recurso poder anular a decisão recorrida se nele encontrar deficiência, contradição insanável, erro notório na apreciação da prova ou ainda inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade insanável, como resulta do disposto no artº 410º, nºs. 2 e
3 do C.P.P.
Ora, acontece que, não obstante o teor do artº 418º, nº 1, do CJM, como se demonstrou no acórdão de 22/6/95 deste Tribunal, a intervenção deste S.Tribunal, no que toca à matéria de facto, é mais lata do que a levada a efeito na jurisdição comum pelo S.T.J., já que a decisão do tribunal de instância sobre a matéria de facto apenas será definitiva se não existir nulidade essencial, mesmo que esta não constitua fundamento do recurso - artº 457º, nº 2 e 458º do CJM.
Assim sendo, terá de concluir-se que nem o artº 408º, nem o artº
418ºm, nº 1, do CJM, na interpretação que este Supremo Tribunal lhes tem dado, violam as garantias de defesa consagradas na Lei Fundamental e, por isso, não são inconstitucionais.'
Em face do exposto, não merece censura, na perspectiva jurídico-constitucional, a interpretação feita pelo acórdão recorrido da norma do artigo 408º do CJM.
Na verdade, o STM, quanto à matéria de facto, só pode conhecer da suficiência ou insuficiência dessa matéria apurada, ou da existência, ou não, de contradição insanável na fundamentação e, ainda, do cometimento, ou não, de erro notório na apreciação da prova. Tendo agido em consonância com o disposto nos artigos 410º e 433º do CPP, ou seja, como tribunal de revista alargada, só pode ou concluir pela existência de um qualquer destes vícios com base no texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum - e, nesse caso, reenviará o processo à 1ª instância; não sendo esse o caso, o STM apenas se pode servir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, mas nunca se socorrerá do registo da prova que, porventura, tivesse sido feito.
Assim, não obstante a falta desse registo, in casu não se tem por violado o disposto no artigo 32º, nº 1, da CR.
3.- A norma do nº 1 do artigo 418º do CJM.
Dispõe, por seu turno, o nº 1 do artigo 418º:
'1.- O tribunal julgará de facto definitivamente, segundo a sua consciência, com plena liberdade de apreciação, e de direito.'
Considera o recorrente que esta norma viola as garantias asseguradas no nº 1 do artigo 32º da CR, nomeadamente por nem admitir limitadamente a dupla jurisdição em matéria de facto.
No entanto, a boa hermenêutica do preceito não se compadece com uma sua interpretação meramente literal, havendo que o conjugar com outros artigos do Código e, mormente, com a convocação de normas como as dos artigos 410º e 433º, nº 1, do CPP, que o próprio acórdão recorrido, como houve oportunidade de referir, utilizou para estruturar uma 'revista ampliada' da matéria de direito, pois que, quanto ao facto, a intervenção se cinge aos vícios de erro notório ou de apreciação de prova.
É este, aliás, o entendimento seguido, entre outros, pelo acórdão nº 17/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Abril de 1997), onde, nomeadamente, se ponderou:
'[...]porque o tribunal de instância julga de facto definitivamente, segundo a sua consciência, com plena liberdade de apreciação, e de direito
(artigo 418º, nº 1), no que respeita à matéria de facto o STM limita-se a verificar se existe ou não deficiência, obscuridade ou contradição no julgamento da matéria de facto ou preterição de acto substancial para a boa administração da justiça, de modo que possa ter influido ou influa no exame e decisão da causa
[alíneas c) e d) do artigo 458º].
Se o tribunal de recurso constata a ocorrência de algum dos vícios referidos e não pode decidir a causa, tem de determinar o reenvio do processo para se proceder a novo julgamento, que pode abranger a totalidade do objecto do processo ou questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
Na apreciação a que procedeu, não se considerou o STM limitado ao que resulta do próprio texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, limitação essa contida no artigo 410º, nº 1, in fine, do CPP, muito embora o tribunal de recurso, enquanto tal, não possa substituir-se à 1ª instância na apreciação directa da prova nem realizar ele próprio diligências de prova.'
E mais a seguir:
'O recurso penal, interposto do acórdão final do tribunal colectivo para o STM, à luz do que decorre da decisão sob recurso, estrutura-se, assim, como um recurso de revista ampliada, em que a decisão de 1ª instância é apreciada quanto à matéria de direito, pois que, quanto ao facto, o tribunal de recurso intervém somente para «despistar situações indiciadoras de erro judiciário» (Cf., Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 394, de algum modo transponível para esta sede).'
Observe-se, ainda, entender-se não exigir o texto constitucional, como princípio geral, o duplo grau de jurisdição.
Retomando o citado acórdão nº 17/97, transcreve-se mais este passo, que se perfilha:
'Aquele preceito constitucional [refere-se ao nº 2 do artigo 32º] não consagra expressamente o princípio do duplo grau de jurisdição, como aliás acontece também com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Tal princípio surge consagrado apenas no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho), no seu artigo 14º, nº 5, onde se refere que «qualquer pessoa declarada culpada de crimes terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei».
É sabido que constitui jurisprudência firme do Tribunal Constitucional que uma das garantias de defesa a que se reporta o artigo 32º, nº
1, da Constituição é justamente o direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias, o que equivale a reconhecer o aludido princípio. Todavia, sublinha essa jurisprudência que, «tratando-se de matéria de facto, há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência de imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito; bas ta pensar que uma identidade de regime, nesse capítulo, levaria, no limite, a ter de consentir-se sempre a possibilidade de uma repetição integral do julgamento perante o tribunal colectivo». Conforme resulta do Acórdão nº 401/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol., a pp. 153 e segs., que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, não estará em conflito com a Constituição «outra solução que não seja a da repetição da prova em audiência perante as relações», pois outros sistemas haverá «que não porão em causa as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar, por força do citado preceito constitucional».
Devem assim ser considerados como compatíveis com a Constituição aqueles regimes legais que protejam o arguido dos perigos de erro de julgamento
- designadamente de um erro grosseiro na decisão da matéria de facto - e que, em consequência, o defendam do risco de uma sentença injusta.'
Não se vislumbrando razões válidas para não aceitar a tese expendida no citado acórdão nº 17/97, que aqui se transcreve parcialmente e se acompanha, improcede, em consequência a alegada inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 418º do CJM (única deste preceito que interessa considerar).
III
Em face do exposto, decide-se:
a) não conhecer do recurso relativamente à norma do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar e, bem assim, às normas que integram o Capítulo III, do Título I, do Livro I do mesmo Código;
b) no mais, negar provimento ao recurso, assim se confirmando o acórdão recorrido, no que à matéria de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes (vencido quanto à alínea b) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto do Exmº Sr. Conselheiro Ribeiro Mendes). Maria Fernanda Palma (vencida quanto á alínea b) nos termos de declaração de voto junta ao Acórdão nº 17/97 e, no mais, acompanhando a declaração do Conselheiro Ribeiro Mendes) José Manuel cardoso da Costa