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Processo nº 458/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo em que são recorrente a Caixa Geral de Aposentações e recorrido M..., pelos fundamentos constantes da exposição do relator, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, oportunamente lavrada, que aqui se dá por reproduzida e com os quais se concorda, no essencial - a qual obteve a concordância do recorrido, não tendo a recorrente logrado contrariar a mesma, na sua resposta, ao alegar ter havido erro quando invocou a alínea i) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma legal, em vez da alínea b) - decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 458/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição prévia nos termos do nº 1 do artigo 78º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- M..., identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação da resolução da Direcção dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações, de 4 de Maio de 1995, que, por ser de nacionalidade são-tomense, lhe indeferiu o pedido de aposentação.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 17 de Julho de 1996, concedeu provimento ao recurso e, consequentemente, anulou o acto impugnado por, nomeadamente, considerar que o despacho recorrido, ao invocar a nacionalidade portuguesa como pressuposto essencial da atribuição da pensão de aposentação, incorreu em vício de violação de lei, consubstanciado em erro de interpretação e integração do artigo 1º, nº
1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 23/80, de 29 de Fevereiro.
A Caixa Geral de Aposentações, com base na violação do disposto no citado artigo 1º e, ainda, no artigo 82º, nº 1, alínea d), do Estatuto da Aposentação, defendendo a inconstitucionalidade da norma daquele artigo 1º, por ofensa do disposto nos artigos 8º, 13º e 15º da Constituição da República (CR), recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, no entanto, por acórdão de 29 de Maio de 1997, da 1ª Subsecção da 1ª Secção, negou provimento ao recurso, não tendo por inconstitucional a norma em referência.
Inconformada, recorreu, então, a aludida Caixa para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, na interpretação que lhe foi feita no acórdão recorrido e que, no seu entendimento, viola:
a) o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CR;
b) a excepção ao princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses, consagrada no nº 2 do artigo 15º da CR;
c) o princípio segundo o qual o direito internacional convencional, regularmente aprovado ou ratificado, vigora na ordem interna enquanto vincular o Estado Português, consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º da CR.
O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, sendo, no entanto, certo que tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional - nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
2.1.- Invoca-se, para fundamentar a competência deste Tribunal, a alínea i) do nº 1 do artigo 70º deste diploma legal, nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional'.
Como decorre da leitura do texto, limita-se a competência para o controlo concreto de constitucionalidade, ao abrigo desta alínea, aos casos de desaplicação da lei interna pelos tribunais - com o apontado fundamento - ou, então, aos casos de decisão destes contrária a orientação anterior do Tribunal Constitucional (cfr. J.M. Cardoso da Costa, A Jurisprudência Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 26, nota
27; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, págs, 323 e 324; Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra, 1997, págs. 61 e segs.; Inês Domingos e Margarida Menéres Pimentel, 'O Recurso de Constitucionalidade (espécies e respectivos pressupostos)' in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, págs, 439 e segs.), sendo certo que o recurso é restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida, por força do disposto no nº 2 do artigo 71º da mencionada Lei nº 28/82 (texto resultante da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Assim, a questão que, de imediato, se coloca, reporta-se a saber se se verificam os pressupostos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, com base na alínea i).
2.2.- Ora, a esta luz, verifica-se que o recorrente solicitou a aposentação ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 362/78, pedido esse que foi desatendido com o fundamento de não ter feito prova da nacionalidade portuguesa, o que se considerou pressuposto essencial da atribuição da pensão de aposentação pela Caixa Geral de Aposentações.
Nos termos do nº 1 do artigo 82º do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, constitui causa da extinção da aposentação a perda da nacionalidade portuguesa, quando esta for exigida para o exercício do cargo pelo qual o interessado foi aposentado.
O Decreto-Lei nº 362/78 veio, no entanto, permitir a aposentação aos 'funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas' que não reunam as condições exigidas para o ingresso no quadro geral de adidos mas congreguem as condições de facto para a aposentação, como se colhe da leitura do respectivo preâmbulo.
E, na concretização desse propósito, prescreve o artigo
1º do diploma:
'1.- Os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem quinze [cinco, pela redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 23/80, de 29 de Fevereiro] anos de serviço e hajam efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados.
2.- É extensivo aos funcionários e agentes referidos no número anterior o disposto nos artigos 32º, 37º, nºs. 1,2, alíneas b) e c), 3 e 4, e
38º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro.'
2.3.- A decisão recorrida, tendo presente este enquadramento legal e reconhecendo que não se trata de questão nova posta à consideração do Supremo, ponderou estabelecer-se, com a iniciativa legislativa do Decreto-Lei nº 362/78,
'um regime muito especial de aposentação para o universo dos abrangidos', não figurando a exigência de se possuir a nacionalidade portuguesa entre os requisitos elencados no nº 1 daquele artigo 1º.
Sendo esse um requisito necessário para o ingresso no Quadro Geral de Adidos [artigo 17º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 294/76, de 24 de Abril] foi intenção do legislador de 1978 possibilitar a aposentação aos que não podiam ingressar nesse Quadro, não podendo desconhecer, então, a situação de tantos funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas que tinham perdido a nacionalidade portuguesa por força do Decreto-Lei nº 308-A/75, de 25 de Junho, nem sendo razoável que, se se tivesse pretendido introduzir esse requisito, ele não tivesse sido inserido nos diplomas que foram alterando o Decreto-Lei nº 362/78, caso dos Decretos-Leis nºs. 23/80, de 29 de Fevereiro, 118/81, de 18 de Março, e 363/86, de 30 de Outubro.
2.4.- Esta leitura não viola o disposto na Constituição da República, nos seus artigos 13º, 15º e 8º, como acrescenta o acórdão recorrido, assim se exprimindo a este respeito:
'A interpretação dada na sentença ao artigo 1º do DL. 362/78 [no sentido de nele se não incluir a qualidade de nacional português para os efeitos aí previstos, assim se pretende salvaguardar os funcionários e agentes da ex-administração ultramarina, impossibilitados de ingressar no QGA] não ofende o disposto no artigo 13º da Lei Fundamental [face ao regime geral da aposentação] dado o já referido carácter excepcional do preceito, que pretendeu fazer justiça
à situação criada com a descolonização.
E o nº 2 do artigo 15º da mesma Lei [Constitucional] não pode ser chamado à colação, por o ora recorrido não estar a residir em território nacional nem haver prova de cá se encontrar.
De resto, o direito à pensão de reforma por exercício de funções públicas não está reservado na Constituição ou na lei, quanto a esta na interpretação que se defende, aos cidadãos portugueses.'
No que especificamente toca ao problema da eventual violação do nº 2 do artigo 8º da CR, diz-se mais no acórdão:
'A invocação de infracção do disposto no art. 8º da Lei Fundamental só agora foi suscitada pelo ora recorrente, que só nas alegações do recurso jurisdicional invoca o DL nº 550-N/76, de 12.7, que aprovou o acordo entre a República Portuguesa e a República Democrática de S.Tomé e Príncipe. No entanto, como tem já sido decidido, uniformemente, neste Supremo Tribunal (por todos, os acórdãos nos recursos jurisdicionais 40 095, de 11.7.96, este quanto a um cidadão cabo-verdiano, e 41 040, de 15.5.97, quanto também a um são-tomense, todos da 1ª Subsecção), se as normas constantes de convenções internacionais regulamente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial, enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português
(nº 2 do art. 8º da CRP), a Lei Fundamental não resolve a questão de saber se tais normas ocupam uma posição paritária com a lei ordinária interna ou têm valor superior (assim, CRP Anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª edição, pag. 86 e ss.).
Estes Autores propendem para a 2ª posição.
Mas, de duas uma:
se têm valor superior, a posterior regulação da matéria pelo DL.
362/78, de 28.11, de forma diferente, pôs em crise o regulado no acordo com a República Democrática de S.Tomé e Príncipe, retirando-lhe toda a força vinculativa, pelo menos a nível interno, por assumir uma obrigação que enjeitara, quanto aos ex-funcionários não nacionais;
se têm valor igual, tal regulação pelo DL. 362/78 veio revogar o constante do acordo com essa República.
A sentença recorrida decidiu, portanto, correctamente.'
3.- A transcrição feita permite responder - negativamente - à questão da verificação dos pressupostos do recurso previsto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Com efeito, não houve, na decisão do STA confirmativa da sentença da 1ª instância, qualquer recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional (e, menos ainda, uma aplicação em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional).
Sendo assim, competindo, nos termos da alínea i), ao Tribunal Constitucional, pronunciar-se a respeito das questões jurídico-constitucionais e jurídico-internacionais contidas na decisão de desaplicar uma norma interna com o fundamento da sua contrariedade com uma convenção internacional, independentemente do problema de saber o alcance do preceito - ou seja, se está em causa apenas o direito internacional convencional ou também o decorrente de outras fontes - o certo é que não se verifica uma decisão 'desaplicativa', pressuposta neste tipo de recurso.
Ou seja, por outras palavras, não cabe recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, por inverificação dos respectivos pressupostos (cfr., por todos, a este respeito, o acórdão nº 162/93, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1993).
Por consequência, emite-se parecer, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A deste diploma, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, nos termos do citado preceito legal.