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Processo nº 517/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio reclamar para este Tribunal Constitucional 'do despacho proferido nos autos que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, (...), nos termos dos Artºs 76º, nº 4 e 77º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro)', e, depois de se expraiar em desenvolvidas considerações sobre a matéria da aplicabilidade no Supremo Tribunal Militar do direito penal especial para jovens menores de 21 anos (e o recorrente na altura em que era militar era também 'um jovem imputável menor de 21 anos') e da jurisprudência pacifica desse Supremo quanto à não aplicação do referido instituto no processo penal militar, conclui assim o requerimento de reclamação:
'1ª- O Artº 4º do CJM foi interpretado pelo Tribunal recorrido, como não remetendo para a lei geral no que respeita à aplicação do Direito Penal Especial para Jovens Imputáveis menores de 21 anos e para a legislação penal comum (artº
44º nº 1 do CP), que impõe a substituição da pena de prisão não superior a 6 meses por multa.
2ª- Tal constitui uma violação do princípio da igualdade, ínsito no Artº 13º da Constituição, pois o recorrente apesar de na altura ser militar não deixava de ser um jovem de 20 anos de idade.
3ª- A procedência da declaração de inconstitucionalidade do Artº 4º do CJM com a interpretação que lhe foi dada pelo STM, impõe a substituição da pena de 4 meses de prisão por multa, nos termos do artº 44º nº 1 do Código Penal, aplicado subsidiariamente.
4ª- O recurso para o Tribunal Constitucional não será meramente académico, pois o seu provimento levará obrigatoriamente alteração do decidido em concreto quanto ao recorrente.
5ª- A inconstitucionalidade da norma do artº 4º do CJM com a interpretação que lhe foi dada pelo STM de não acolher o D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro e a substituição da pena de prisão por multa, foi oportunamente suscitada durante o processo, nas alegações de recurso para o STM na 1ª Instância e nas alegações de recurso produzidas no Tribunal Superior'.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou- -se no sentido da
'improcedência da presente reclamação', porque, 'face ao inquestionável carácter instrumental dos recursos de constitucionalidade, afigura-se que havia fundamento bastante para o Tribunal 'a quo' rejeitar o recurso interposto', adiantando os seguintes razões:
'Afigura-se que o recurso de constitucionalidade, reportado à aplicação da norma constante do artº 4º do CJM, enquanto interpretada em termos de vedar, no âmbito da justiça militar, o regime previsto no DL 401/82, de 23/9, para os jovens imputáveis, bem como, em geral, a aplicabilidade do regime genericamente previsto no C. Penal para a suspensão da execução da pena e substituição da prisão por multa, carece efectivamente de utilidade face ao teor do acórdão que se pretendia impugnar. Na verdade - e como decorre explícita e claramente da parte final daquele aresto
(fls. 48) -, o STM acabou por equacionar, em termos subsidiários, a questão da possível e eventual aplicabilidade, no âmbito da justiça militar, do referido regime geral, concluindo que 'mesmo que no processo criminal militar fosse legalmente possível suspender a execução das penas ou substituí-las por medidas de correcção, a gravidade do crime cometido pelo recorrente e o seu elevado grau de culpa impediam, pela necessidade de prevenção geral e especial', que o
Tribunal decretasse a pretendida suspensão ou substituição da prisão efectiva. Ou seja: no juízo, concretamente formulado pelo STM acerca de escolha e medida da pena aplicável ao recorrente - e ponderando, embora em termos subsidiários, a aplicabilidade do regime comum em vigor - a decisão recorrida entendeu que, face ao circunstancialismo do caso concreto, não se justificava a pretendida suspensão ou substituição da pena de prisão cominada ao arguido; e, como é óbvio e inquestionável, tal matéria da escolha e medida da pena, tendo exclusivamente que ver com a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional, está naturalmente subtraída aos poderes cognitivos deste Tribunal Constitucional e ao
âmbito do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.'
3. Vistos os autos, cumpre decidir.
O reclamante, réu em processo criminal militar, foi condenado no 3º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, por acórdão de 12 de Dezembro de 1996,
'na pena de 4 (QUATRO) MESES DE PRISÃO MILITAR', como autor material de um crime de ofensas corporais culposas 'p.p. pelo Artº 203º nº 1 alínea B) do CJM', e, interposto recurso para o Supremo Tribunal Militar (sustentando nas respectivas conclusões, no essencial, que 'o artigo 4º do CJM é inconstitucional, por ofensa dos princípios da
igualdade e da proporcionalidade, consubstanciada na violação dos artigos 13º e
266º nº 2 da Constituição quando interpretado no sentido da inaplicabilidade do regime especial para jovens previsto no DL 401/82 de 23 de Setembro no direito penal militar'), veio este Supremo Tribunal a negar provimento a tal recurso, por acórdão de 18 de Junho de 1997, podendo aí ler-se, quanto àquela questão de inconstitucionalidade:
'É jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal que o Código de Justiça Militar não sofre de lacuna ao proibir, por um lado, a suspensão da execução das penas militares e, por outro, a sua substituição por medidas de correcção. Uma e outra não são violadoras dos princípios fundamentais do C.J.M.. A sua não aplicação ao processo militar deriva da inexistência de lacuna que permita a aplicação subsidiária das respectivas normas da lei geral. In casu, porém, mesmo que assim não fosse, mesmo que no processo criminal militar fosse legalmente possível suspender a execução das penas ou substitui-las por medidas de correcção, a gravidade do crime cometido pelo recorrente e o seu elevado grau de culpa impediam, pela necessidade de prevenção geral e especial mormente em caso de utilização de arma de fogo, que o Tribunal decretasse a suspensão da execução da pena ou a sua substituição por medida de correcção, frustrando os interesses da Instituição Militar e em nada contribuindo para a reinserção social do recorrente'.
Deste acórdão veio o reclamante 'interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos Artºs 69º, 70º nº 1 alínea b) e nº 2, 72º nº 1 alínea b) e 78º nºs 1, 3 e 4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', fundamentando-o 'na inconstitucionalidade da norma do Artº 4º do Código de Justiça Militar, com a interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido de não ser aplicável em processo penal militar o Regime Penal Especial para Jovens Imputáveis, previsto no D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, sendo certo que o recorrente tinha 20 anos à data dos factos, é réu primário, a condenação resulta de um crime negligente e o réu tem um comportamento irrepreensível anterior e posteriormente aos factos'.
No despacho reclamado, de 2 de Julho de 1997, confirmado pelo acórdão de 25 de Setembro de 1997, não foi esse recurso admitido, na medida em que ele 'seria meramente académico pois o seu provimento não levaria a alteração do decidido em concreto quanto ao requerente', sendo que 'é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional não conhecer dos recursos
que não têm incidência sobre o julgamento concreto efectuado' ('(...) admitindo-se que, pelo menos indirectamente, foi dada ao artº 4º mencionado a interpretação atribuída pelo requerente, deverá ter-se em conta que o acórdão considerou essa possibilidade e afirmou que se o Dec-Lei nº 401/82 fosse aplicável não seria de substituir a pena imposta pelo Tribunal de Instância por uma das medidas de correcção previstas no mesmo Dec.-Lei, decisão que em exclusivo cabe a este Supremo Tribunal' - é a razão invocada no despacho).
4. Facilmente se alcança que o presente recurso de constitucionalidade obedece aos pressupostos e requisitos exigidos para o modelo utilizado do nº 1, b), do artigo 70º, da Lei nº 28/82, correspondendo ao nº 1, b), do artigo 280º, da Constituição, pois foi interpretada e aplicada no acórdão recorrido uma norma jurídica - a do artigo 4º do Código de Justiça Militar, com o sentido aí expressamente indicado: 'Sempre que haja lacuna no C.J.M. aplica-se a norma do Código Penal ou de outra lei penal, desde que tal norma não contrarie os princípios fundamentais que sustentam o Código de Justiça Militar', mas o Código 'não sofre de lacuna ao proibir, por um lado, a suspensão da execução das penas militares e, por outro, a sua substituição por medidas de correcção' - e a sua inconstitucionalidade foi adequadamente suscitada durante o processo pelo reclamante.
Por consequência, a pronúncia do Tribunal a quo sobre a dita questão de inconstitucionalidade posta pelo reclamante, quanto à interpretação e aplicação com que a norma em causa deveria ser olhada, foi desfavorável à posição por ele sustentada. Pois que, dizendo-se no acórdão recorrido que o Código de Justiça Militar não sofre de lacuna - e por isso não haveria que aplicar subsidiariamente as 'disposições gerais da lei penal' ao direito penal militar - ao proibir a suspensão da execução das penas militares e a sua substituição por medidas de correcção e isso não é violador de normas ou princípios constitucionais, tal pronúncia envolve um juízo desfavorável aos vícios de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente.
Só que isso não basta para se poder concluir que o recurso de constitucionalidade deveria ter sido legalmente admitido.
Com efeito, na esteira do despacho reclamado e da posição do Ministério Público, exposta no seu Parecer, entende-se também que 'seria meramente académico' ou que 'carece efectivamente de utilidade' aquele recurso, porque no acórdão recorrido se expressa a ideia de que no caso 'a gravidade do crime cometido pelo recorrente e o seu elevado grau de culpa impediam, (...), que o Tribunal decretasse a suspensão da execução da pena ou a sua substituição por medida de correcção'.
Tal como se lê no referido Parecer:
'Ou seja: no juízo, concretamente formulado pelo STM acerca de escolha e medida da pena aplicável ao recorrente - e ponderando, embora em termos subsidiários, a aplicabilidade do regime comum em vigor - a decisão recorrida entendeu que, face ao circunstancialismo do caso concreto, não se justificava a pretendida suspensão ou substituição da pena de prisão cominada ao arguido; e, como é óbvio e inquestionável, tal matéria da escolha e medida da pena, tendo exclusivamente que ver com a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional, está naturalmente subtraída aos poderes cognitivos deste Tribunal Constitucional e ao
âmbito do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.'
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 5 de Fevereiro de 1998 Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida