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Proc.Nº 616/96
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que são recorrentes Herdeiros de A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, pelos fundamentos constantes da Exposição do Relator de fls. 395 a 406, para que se remete, e à qual os recorrentes não responderam, tendo o Ministério Público recorrido manifestado a sua concordância, o Tribunal Constitucional decide:
- não tomar conhecimento do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade das seguintes normas: as constantes do Título IV do Código das Expropriações (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro); o artigo 73º, nº
2, deste Código, quando entendido em conexão com o artigo 82º, nº 1, do mesmo Código; os artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil; os artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais; e o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
- não julgar inconstitucional a norma contida no artigo
73º, nº 2, do Código das Expropriações, não concedendo assim provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC's.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa Proc.Nº 616/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere
o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. - Não estão reunidos nos presentes autos, por um lado, os requisitos processuais necessários para que o Tribunal se pronuncie sobre algumas das questões de constitucionalidade enunciadas pelos recorrentes, e, por outro, verifica-se que apenas haverá que decidir sobre uma questão simples que já foi objecto de decisão pelo Tribunal Constitucional.
Assim sendo, como seguidamente se demonstrará e fundamentará, em aplicação do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, passa a elaborar-se a competente exposição.
2. - Em processo de expropriação litigiosa por utilidade pública urgente que correu termos no Tribunal Judicial na Comarca de Silves, vieram os expropriados, Herdeiros de A., representados por B., interpor recurso do despacho de adjudicação e do acórdão arbitral e respectivo relatório de avaliação que fixara à indemnização o valor de 1 248 600$00, indicando em seu lugar o valor de 64 936 500$00. Sustentaram então, entre outras questões, a inconstitucionalidade do Título IV do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro
(Código das Expropriações - CE), e arrolaram testemunhas.
Realizada nova avaliação, os recorrentes arguiram a nulidade do relatório de avaliação e das respostas aos quesitos que tinham formulado.
Por despacho de 11 de Julho de 1990 o juiz do tribunal de Silves desatendeu esta reclamação e não decretou a nulidade dos laudos periciais e das respostas aos quesitos. Deste despacho agravaram os expropriados para o Tribunal da Relação de Évora; o recurso foi recebido no efeito devolutivo, para subir com o primeiro recurso que viesse a ser interposto e que tivesse subida imediata.
No despacho referido, determinou o Senhor Juiz que os peritos maioritários fornecessem elementos complementares, destinados a esclarecer as conclusões obtidas. Notificados desses elementos, vieram os expropriados requerer que fossem ouvidas as testemunhas que tinham arrolado na interposição do recurso da decisão arbitral.
Foi essa pretensão indeferida em decisão logo seguida de sentença, de 12 de Outubro de 1990, na qual se conheceu do mérito do recurso. Mereceu este provimento parcial, na medida em que à parcela a expropriar foi fixado o valor de 1 504 300$00.
Os recorrentes apelaram para a Relação de Évora. Neste Tribunal foram notificados para apresentarem conclusões tanto quanto ao agravo como quanto à apelação. Entretanto correu termos e foi concluído incidente de habilitação de herdeiros para prosseguir o processo de expropriação.
Por despacho de 13 de Março de 1995 entendeu o relator que as conclusões subsequentemente apresentadas apenas se referiam à apelação e em conformidade, nos termos do nº 3 do artigo 690º do CPC, decidiu que não se conheceria do agravo. Em 14 de Março de 1995 foi proferido acórdão. Neste, o pedido mereceu provimento parcial, tendo sido fixada em 1 702 800$00 a indemnização a favor dos expropriados. A decisão recorrida, por outro lado, foi confirmada quanto à questão da não audição das testemunhas indicadas.
3. - Não se conformando com o decidido, os herdeiros de A., representados por B., interpuseram, em 5 de Abril de 1995, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 'dos acórdãos proferidos em 13 e 14.3.95, de fls..., que não conheceu do AGRAVO e negou provimento, parcialmente, à APELAÇÃO, condenando os expropriados em custas', conforme referiram no requerimento de interposição, logo acautelando que, caso se entendesse não conhecer do recurso o mesmo ('os mesmos' conforme referem) deveria considerar-se interposto para o Tribunal Constitucional, nesta segunda hipótese, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Por acórdão do STJ de 27 de Fevereiro de 1996, não foi este recurso admitido, e novamente recorreram os expropriados, herdeiros de A., representados por C., desta vez para o Pleno daquele Supremo Tribunal. O despacho que não admitiu este último recurso foi confirmado por acórdão de 21 de Maio de 1996.
4. - Vieram então os recorrentes ao processo dizer que mantinham o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Aqui foram convidados a 'concretizar a ou as decisões de que recorrem, pois, em 13 de Março de 1995 não foi prolatado nenhum acórdão nestes autos', bem como a 'identificar, nos termos e para os efeitos do artº 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, em relação a cada decisão de que pretendem recorrer, qual ou quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendem que o Tribunal aprecie e relativamente a cada uma, qual a norma ou princípios constitucionais que consideram violados'.
Na resposta, vieram referir que recorreram 'dos acórdãos proferidos em 13 e 14.3.95', quanto às normas inconstitucionais e às normas ou princípios constitucionais violados, remeteram para as alegações apresentadas no recurso de revista para o STJ, e aduziram estar ferido de inconstitucionalidade o artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
A decisão sob recurso é, em face dos elementos que acabaram de ser sucintamente referidos, o acórdão proferido em 14 de Abril de
1995 pela Relação de Évora e, desde já fique assinalado, não o despacho aí proferido pelo relator nesse Tribunal, no sentido de não conhecer do recurso de agravo, porque, quanto a ele não estão reunidos os requisitos de admissibilidade necessários para que o Tribunal Constitucional se pronuncie no âmbito dos seus poderes de cognição.
5. - Na verdade, e abordando esta primeira questão, há que reiterar que em 13 de Abril de 1995 não foi prolatado qualquer acórdão. É dessa data, efectivamente um despacho do relator, na Relação, que decidiu não conhecer do agravo interposto a fls 135, ou seja do agravo sobre a decisão de indeferimento do pedido de declaração de nulidade do relatório de avaliação e das respostas aos quesitos. Mas relativamente a esta decisão não requereram os expropriados que sobre a mesma recaísse acórdão a tirar em conferência. Estamos assim reconduzidos a uma situação típica em que não se formou decisão de um Tribunal, sem prejuízo de essa decisão ser plenamente eficaz no processo que vai ser submetido a decisão de fundo na respectiva instância, caso não seja pedido que sobre ela recaia acórdão, e de sobre ela vir a formar-se caso julgado formal
(cfr. para situação semelhante, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 244/95, in DR IIS, de 28 de Junho de 1966, 132/95, in DR IIS, de 19 de Junho de
1996,122/95, in DR IIS, de 24 de Abril de 1996,e 517/94, in DR IIS, de 16 de Dezembro de 1995).
Por conseguinte, é sobre o acórdão de 14 de Março de
1995 que deve incidir a apreciação deste Tribunal, centrada, em um primeiro momento na determinação do objecto do recurso.
Este só poderá abranger as normas concretamente aplicadas e cuja inconstitucionalidade tenha sido arguida 'durante o processo', ou seja, antes da decisão, independentemente da arguição de inconstitucionalidade feita posteriormente pelos recorrentes quanto a outras normas, sabido como é que estamos perante recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
6. - Nesta ordem de ideias, mostram-se relevantes as alegações dos recorrentes no recurso processado como recurso de apelação e não as alegações produzidas em revista. Nas conclusões respeitantes a este último recurso dizem os recorrentes (conclusão segunda) que 'O Título IV, bem como o artº 73º face ao artº 82º/1 do DL 845/76 de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos artºs. 523º, 524º e 58º/3/ do Cód. Proc. Civ., dos artºs. 8º/1/s/, 126º/2/ do Cód. Custas Judiciais e todo o DL 387/B/87 de 29 de Dezembro, quando aplicados ao processo expropriativo, são inconstitucionais, porquanto tais disposições restritivas impedem que seja paga a justa indemnização pelo bem expropriado'. No entanto, nas alegações do recurso anterior, que são as determinantes, e embora usando de uma técnica menos correcta por, em conclusões, remeterem indiscriminadamente para um bloco do texto da respectiva fundamentação, limitaram-se a considerar inconstitucional o nº 2 do artigo 73º do Código das Expropriações (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro). Neste domínio, nada acrescentaram os elementos que os recorrentes vieram trazer ao processo, na sequência do convite que lhes foi endereçado, na Relação, para apresentarem as conclusões das respectivas alegações.
Do que antecede, torna-se claro, para já, que todas as normas indicadas pelos recorrentes não pertencentes ao Código das Expropriações não podem constituir objecto do presente recurso. A apreciação da alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil, dos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais e do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, está de antemão excluída porque não foi suscitada 'durante o processo' (alínea b) do nº 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional), mas sim e apenas em alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que sobre o mesmo não veio a pronunciar-se.
7. - Vejamos então as normas incluídas no Código das Expropriações.
Conforme foi referido inicialmente, a inconstitucionalidade 'do título IV do DL 845/76 de 11.12' foi suscitada no primeiro recurso interposto para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves. Mas importa ter presente e reafirmar que não pode ser tido como modo processualmente adequado de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a indicação de todo um diploma ou de toda uma parte (um título, por exemplo) de um Código. A individualização da norma é indispensável para que o tribunal a quo possa identificar e delimitar o comando que vem considerado inconstitucional e decidir a questão de constitucionalidade que for relevante para o sentido da decisão que
é chamado a tomar. Nessa parte, consequentemente, não haverá que conhecer do recurso.
8. - Resta analisar os termos em que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do nº 2 do artigo 73º do Código das Expropriações. Dessa norma e não dela em conexão com o artigo 82º, nº
2, do mesmo Código, contrariamente ao que se pode deduzir ser a pretensão dos recorrentes ao referirem nas alegações de revista ser inconstitucional 'o artigo
73º face ao artigo 82º/1 do DL 845/76'.
Em primeiro lugar, só o nº 2 do artigo 73º, e não o artigo 73º na sua globalidade, poderia ter sido aplicado, já que apenas o nº 2 rege sobre a admissibilidade de prova testemunhal que os recorrentes tinham inicialmente requerido. Em segundo lugar, foi este nº 2, aliás, que os mesmos recorrentes consideraram inconstitucional por 'impedir a descoberta do valor real e corrente dos bens expropriados' nas alegações perante a Relação. No acórdão recorrido faz-se referência ao artigo 82º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, mas a conexão entre os dois artigos, 73º e 82º, do Código só surge arguida de inconstitucionalidade em momento processualmente inidóneo para efeitos de recurso de contitucionalidade - nas alegações de revista, em recurso sobre o qual não foi proferida decisão - além de que os recorrentes nem sequer explicitaram o sentido da norma porventura implícita nessa conexão.
Todavia, ainda aqui é de perguntar se estão reunidas as condições para que o Tribunal possa pronunciar-se; ainda aqui é de apurar se efectivamente a decisão recorrida aplicou o nº 2 do artigo 73º, pois só no caso de uma resposta positiva a esta questão poderá ser admitido o recurso interposto sob invocação da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Há que dizer que é positiva a resposta, atendendo à parte final decisória do acórdão recorrido. Nesta confirma-se «a decisão recorrida de fls. 180 v. e 181, sob o nº I e a epígrafe 'inquirições de testemunhas'». A sentença do Tribunal da Comarca de Silves entendeu que 'não se vislumbra por isso qualquer utilidade na inquirição das testemunhas arroladas pelos expropriados' em aplicação directa do nº 2 do artigo 73º, reforçando depois a conclusão obtida com outra linha argumentativa baseada no artigo 82º. Ora foi também esse o percurso argumentativo seguido na decisão agora recorrida
- entendeu-se aí não merecer censura a decisão de fls. 180 v. e 181, à luz da interpretação a que se procedeu do artigo 73º, nº 2, e, seguindo as pisadas da sentença, concluiu-se que uma hipotética nulidade por não inquirição de testemunhas estaria sanada por não ter sido arguida em tempo, pois, a existir, teria de ter sido arguida 'no máximo de 5 dias após a notificação do despacho aos expropriados nos termos do artº. 82º, nº 1, do C. Expropriações de 1976, o que não aconteceu', além de que os expropriados apresentaram as suas alegações nos termos do artigo 82º, nº 2, do mesmo Código sem terem reagido contra a não arguição de testemunhas.
O nº 2 do artigo 73º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, foi, portanto, aplicado, e a norma nele contida é a única que pode ser objecto de apreciação no contexto do presente recurso.
Sucede que esta norma já foi objecto de vários acórdãos deste Tribunal, designadamente do Acórdão nº 209/95 (DR IIS, de 23 de Dezembro de 1995), e dos Acórdãos nºs 606/96 e 607/96 (inéditos), dos quais se junta à presente exposição cópia do último referido.
Para a doutrina e conclusões neles formuladas, que vão no sentido da não inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 do artigo 73º do Decreto-Lei nº 845/76, e que merecem a concordância do ora relator, se remetem os recorrentes, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Ante o exposto, deve o presente recurso ser decidido no sentido de se não tomar conhecimento do seu objecto no que respeita à conformidade à Constituição das normas contidas no Título IV do Código das Expropriações (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro); no artigo 73º, nº 2, entendido em conexão com o artigo 82º, nº 1, do mesmo Código; nos artigos 523º,
524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil; nos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais; e no Decreto-Lei nº 387-B/87, de
29 de Dezembro; bem como no sentido de não se julgar inconstitucional a norma contida no artigo 73º, nº 2, do primeiramente referido Código das Expropriações.
Ouçam-se as partes, cada uma por cinco dias, nos termos do nº 1 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 13 de Janeiro de 1997 Vítor Nunes de Almeida