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Processo n.º 481/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrido C., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e B. e recorrido C., foi interposto recurso do acórdão proferido, em conferência, pela 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 10 de Março de 2010 (fls.74 e 75), que indeferiu reclamação de despacho proferido pelo Relator junto daquele Tribunal que rejeitou a admissão de recurso excepcional de revista interposto pelos recorrentes. O acórdão recorrido foi posteriormente complementado por acórdão proferido, em conferência, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 27 de Maio de 2010 (fls. 94), que, por sua vez, rejeitou o pedido de declaração de nulidade do primeiro acórdão.
2. Na medida em que os recorrentes não indicaram, conforme imposto pelo artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, qual a interpretação normativa reputada de inconstitucional, a Relatora proferiu despacho de aperfeiçoamento, em 01 de Julho de 2010, através do qual os convidou a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso (fls. 105).
Os recorrentes vieram esclarecer que a interpretação normativa alegadamente inconstitucional que foi aplicada pela decisão recorrida seria a que corresponde à norma extraída do artigo 158º do Código de Processo Civil (CPC), interpretada no sentido de que seria permitida “a fundamentação do despacho judicial, por mera remissão para «diktat» não argumentativo, ou dito de outra forma, remissão para fundamento que não teve em conta a crítica oposta pelo discordante (e por isso não incorporou o resultado da controvérsia), assim, arbitrário” e de que “um entendimento do art.º 158.º CPC que elida o exame crítico argumentativo do juiz os pontos de vista em confronto e os restrinja apenas à reprodução relatorial, determina que a norma seja contrária (…) a esses citados preceitos da Constituição da República Portuguesa” (fls. 107 e 108).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Conforme legalmente imposto (artigo 79º-C da LTC), o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido efectivamente aplicadas pelas decisões recorridas.
Ora, a decisão recorrida nunca aplicou aqueles preceitos legais, no sentido de que o tribunal recorrido ficaria dispensado de ponderar os argumentos expostos pelos ora recorrentes, dispensando assim um exame crítico dos argumentos em confronto. Pelo contrário, a decisão recorrida, apesar de fazer sua a fundamentação mais extensamente expressa no despacho do Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça – que, por sua vez, corroborou o entendimento expresso pelo Relator junto do Tribunal da Relação de Coimbra –, teve em consideração os argumentos divergentes expressos pelos recorrentes. Simplesmente, não lhes deu vencimento, adoptando antes a tese contrária. Não se encontra uma só passagem na decisão recorrida (fls. 74 e 75) e no acórdão que a complementa (fls. 94) que permita ao Tribunal Constitucional concluir que a fundamentação acolhida foi feita “por mera remissão para «diktat» não argumentativo, ou dito de outra forma, remissão para fundamento que não teve em conta a crítica oposta pelo discordante (e por isso não incorporou o resultado da controvérsia)” (fls. 107).
Consequentemente, por força do artigo 79º-C da LTC, não pode este Tribunal conhecer do objecto do presente recurso.
Refira-se ainda que, apesar de os recorrentes nem sequer terem configurado o objecto do recurso nesses termos, o facto de a decisão recorrida ter adoptado uma fundamentação por remissão para despachos anteriores não seria apto a revelar qualquer inconstitucionalidade da norma aplicada, na medida em que este Tribunal tem vindo a julgar não inconstitucionais interpretações normativas que permitam a fundamentação por mera remissão para anteriores decisões jurisdicionais, conforme se pode constatar, por exemplo, no Acórdão n.º 281/05 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), proferido relativamente a norma processual penal – onde, para além do mais, mais se justifica um redobrado dever de fundamentação.
Assim, para além de não ser possível conhecer da questão normativa colocada, sempre seria de notar que a jurisprudência consolidada neste Tribunal nem sequer tem vindo a sancionar como inconstitucionais interpretações normativas que permitam a fundamentação das decisões por remissão.
III – Decisão
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, a suportar por cada um, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio reclamar, nos seguintes termos:
«2. Consta da motivação decisória não ter sido aplicado ao caso a norma de que os recorrentes argumentam a inconstitucionalidade, a saber: art.° 158. ° CPC, interpretado no sentido de ser lícita a fundamentação de um despacho judicial, por mera remissão para um diktat não argumentativo.
3. Contudo, não é assim.
4. Na verdade, o recurso para o TC é da decisão do STJ que negou o recebimento da revista interposta de acórdão da Relação, o qual, por sua vez, considerou não caber o recurso de apelação excepcional dos despachos interlocutórios, apenas das decisões finais.
5. Os recorrentes argumentaram que a decisão, ao referir-se apenas, sem demonstrar, à evidência do ponto de vista do Tribunal de Segunda Instância, não estava fundamentada de acordo com a directriz constitucional.
6. Deveria ter discutido, expressivamente, os argumentos em contrário dos recorrentes, para ilustrar, aliás, o ponto de vista da evidência convocada à decisão negativa.
7. Ora, o STJ persistiu. E é precisamente esta abordagem da constitucionalidade, do dever de fundamentação das sentenças, que os recorrentes pretendem apresentar ao TC.
8. E nesta perspectiva parece claro que a norma que está em crise na decisão recorrida é, sem dúvida, o art.° 158. ° CPC, nessa interpretação implícita que lhe é dada pelo Tribunal, de o ordenamento se poder satisfazer, do ponto de vista da constitucionalidade, com uma motivação das sentenças do tipo «é assim porque sim».
9. Enfim, o fundo da questão não é aquele que foi identificado no despacho liminar da Excelentíssima Relatora, mas o modelo que foi eleito para decidir pelo STJ, e, nesse particular, o caso cumpre todas as especificações legais para ser aceite e ser tido em conta pelo TC.» (fls. 123 a 125)
3. Após devidamente notificado para responder, o recorrido veio aos autos prescindir do prazo de resposta (fls. 126).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Em sede de reclamação, os recorrentes vêm afirmar que “a norma que está em crise na decisão recorrida é, sem dúvida, o art.° 158. ° CPC, nessa interpretação implícita que lhe é dada pelo Tribunal, de o ordenamento se poder satisfazer, do ponto de vista da constitucionalidade, com uma motivação das sentenças do tipo «é assim porque sim» (fls. 124). Ora, conforme já amplamente demonstrado pela decisão ora reclamada, é evidente que a decisão recorrida nunca adoptou uma interpretação normativa sequer semelhante àquela que os recorrentes pretendem ver apreciada por este Tribunal.
Pelo contrário, a decisão recorrida limitou-se a sustentar, por remissão para a fundamentação mais extensa constante do despacho reclamado do (então) Relator, que “esta decisão é correcta e está devidamente fundamentada, (pelo que) mantém-se integralmente” (fls. 75). Consequentemente, a decisão recorrida nunca afirmou que o recurso excepcional de revista era inadmissível, “porque sim” (sic, a fls. 124), ou seja, sem fundamentar tal juízo. Com efeito, fundamentou tal conclusão, ainda que por mera remissão para despacho anteriormente proferido, na medida em que expressou a sua concordância integral com o teor do mesmo.
Assim sendo, mais não resta do que corroborar a conclusão da decisão ora reclamada segundo a qual a decisão recorrida não aplicou efectivamente a interpretação reputada de inconstitucional pelos recorrentes, pelo que, por força do artigo 79º-C da LTC, não é legalmente admissível conhecer do objecto do recurso.
Em síntese, não subsiste qualquer fundamento para reformar a decisão reclamada.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 11 de Outubro de 2010.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.