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Proc. nº 427/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. E... foi condenado, por sentença da 8ª Vara Criminal da 3ª Secção de Lisboa, pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, na forma continuada, na pena de seis anos de prisão, tendo-lhe sido perdoados três anos.
Inconformado, recorreu dessa decisão para a Relação de Lisboa.
Da mesma decisão recorreu o Ministério Público, requerendo a alteração da qualificação jurídica dos factos e concorrente agravamento da pena aplicada.
No seu parecer, o Procurador da República junto da Relação subscreveu a posição do magistrado recorrente quanto à medida concreta da pena.
Por acórdão de 26 de Junho de 1996, a Relação negou provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão recorrida.
2. Desse aresto veio o recorrente interpor recurso para o STJ, formulando as seguintes conclusões às respectivas alegações:
O aliás douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. nº 32º, nº 1 e nº 18 da CRP porquanto não foram permitidas diligências de prova, nomeadamente não se admitiu substituição de testemunhas nem junção de documentos na audiência de julgamento similares a outros cuja junção foi admitida, foi também excedido o prazo da instrução.
Por acórdão de 5 de Março de 1997, o STJ negou provimento ao recurso.
3. O recorrente veio, então, arguir diversas nulidades desse aresto, consistindo na «preterição do disposto nos artºs 29º, nº 1, 3 e 4, e artº 32, nº
1, da CRP», e na «violação do disposto nos artsº 20º, nº 1 e 32º, nº 1, da CRP».
Por acórdão de 11 de Junho de 1997, o STJ indeferiu aquele requerimento, julgando inexistentes as invocadas nulidades.
4. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b), f) e g), da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade das normas seguintes:
a) os arts. 72º nº 1 e 2 al. d); art. 73º nº 1 al. a) e art. 205º nº
4 al. b), quando preterida a sua aplicação, com manifesta violação do disposto no artº 29º da CRP[...]
b) o art. 664º do CPP de 1929, por violação do disposto no art. 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, tendo sido aquela norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional,
[...]
c) arts.649º e 664º do CPP de 1929, por violação do disposto no nº 1 do art. 20º da CRP, quando a sua aplicação permita que o julgamento ali mencionado se faça sem a presença do arguido.
5. Admitido o recurso, e já neste Tribunal, pelo relator do processo foi elaborada exposição prévia, nos termos do disposto no artigo 78º-A da LTC, do seguinte teor:
1. Recursos relativos às normas dos artigos 72º, nº 1 e nº 2, al. d),
73º, nº 1, al. a), e 205º, nº 4, al. b) do Cód. Penal e às normas dos artigos
649º e 664º do CPP (29)
Este recurso não pode ter como fundamento a alínea g) do artº 70º, nº
1, da LTC, uma vez que se não invoca a aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo TC. E também não pode fundar-se na alínea f) do mesmo artigo, já que se não descortina nem se invoca violação de lei com valor reforçado ou estatuto de região autónoma. Só pode, assim, assentar na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC; contudo, durante o processo, nunca o ora recorrente suscitou a inconstitu-cionalidade das normas jurídicas agora questionadas, limitando-se a arguir a inconstitucionalidade das decisões judiciais impugnadas, o que não abre a via do recurso de constitucionalidade, como se vem afirmando em jurisprudência uniforme, unânime e constante.
Entendo, pois, que se não pode tomar conhecimento destes recursos.
2. Recurso relativo ao artigo 664º do CPP (29)
Este recurso vem fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da LTC, por a norma já ter sido anteriormente julgada inconstitucional pelo Acórdão nº
150/87 deste Tribunal.
Acontece, porém, que se estabeleceu jurisprudência contrária àquele aresto desde o Acórdão nº 150/93 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 303 e segs.), tirado em plenário, para os casos em que o Ministério Público não se tenha pronunciado em termos de poder agravar a posição dos Réus.
Assim sendo, a questão a resolver afigura-se simples, já que, na esteira da jurisprudência fixada em plenário, se deve negar provimento ao recurso.
O Ministério Público manifestou, na sua resposta, inteira concordância com aquela exposição do relator.
Por sua vez, o recorrente, após esclarecimento quanto à utilização naquela exposição do termo 'posição' e não 'punição', como, por lapso, fora transcrito na respectiva notificação, continuou a sustentar, quanto à norma constante do artigo 664º do CPP (29), que:
Efectivamente, a possibilidade de o Mº Pº se pronunciar sobre a posição dos réus, sem que a estes, que estão em liberdade e podem passar à situação de presos, seja concedida a possibilidade de contraditarem o que o Mº Pº alega, constitui evidente violação do contraditório.
Corridos os vistos legais quanto à questão prévia, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
6. No tocante aos recursos relativos às normas dos artigos 72º, nº 1 e nº 2, al. d), 73º, nº 1, al. a), e 205º, nº 4, al. b) do Cód. Penal e às normas dos artigos 649º e 664º do CPP (29), não suscitou o recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade dessas normas, mas apenas das decisões recorridas.
Como é referido na exposição do relator, o presente recurso só poderia ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas que tivessem sido concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente houvesse suscitado durante o processo.
Ora, é claro que o recorrente, na sua motivação de recurso para o STJ, não se refere à inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, mas tão-só da decisão recorrida.
Ora, a Constituição da República e a Lei do Tribunal Constitucional atribuem a este um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não dos actos judiciais, pelo que manifestamente faltam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do recurso nessa parte.
7. Quanto à norma constante do artigo 664º do CPP (29), fundou ainda o recorrente o seu recurso na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, por a mesma já ter sido julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 150/87, da 1ª secção deste Tribunal.
Mas posteriormente, a 2ª secção veio a considerar que aquela norma era passível de uma interpretação conforme à Constituição, não a julgando inconstitucional, pelos Acórdãos nº 398/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional,
13º vol, tomo II, pág. 1121, nº 496/89, id., 14º vol. pág. 217, nº 350/91 e nº
356/91, id., 19º vol., págs. 527 e 599, respectivamente.
Na sequência desta divergência de orientação entre as duas secções, veio este Tribunal, com intervenção do Plenário, e nos termos do artigo 79º-D da LTC, a proferir o Acórdão nº 150/93, citado, onde concluiu, com votos de vencido, entre os quais o do ora relator, «pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem».
É esta orientação que tem sido adoptada pelo Tribunal, nomeadamente nos Acórdãos nº 412/93 e nº 435/93, (ambos inéditos), e no Acórdão nº
374/95,(Diário da República, II Série, nº 255, de 4 de Novembro de 1995), e que aqui se segue, concluindo-se pela não inconstitucionalidade daquela norma.
Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que o STJ não considerou que o parecer do Ministério Público tivesse agravado a situação do recorrente, nem este aduziu quaisquer argumentos que contrariassem tal entendimento. Aliás, nesse parecer apenas se afirma que «tendo em conta a bem elaborada resposta do Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 2484), para o seu conteúdo remetemos, nele nos fundamentando para emitirmos parecer no sentido da confirmação do Acórdão recorrido».
III - DECISÃO
8. Nestes termos, decide-se:
a) não tomar conhecimento do recurso quanto às normas constantes dos artigos 72º, nº 1 e nº 2, al. d), 73º, nº 1, al. a), e 205º, nº 4, al. b) do Cód. Penal e às normas dos artigos 649º e 664º do CPP (29);
b) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, «se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem», negando-se provimento ao recurso nessa parte.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 1998 Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Messias Bento Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa