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Processo n.º 247/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público foi proferido o acórdão nº 276/2010, em 1 de Julho de 2010, que indeferiu reclamação apresentada pelo recorrente de decisão sumária que indeferiu o recurso interposto pelo primeiro e indeferiu, parcialmente, o recurso interposto pelo segundo, tendo ainda recusado conhecer do objecto do recurso quanto à interpretação normativa extraída do n.º 3 do artigo 188º do CPP.
2. Mediante requerimento apresentado, ao abrigo dos artigos 380º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do Código de Processo Penal (CPC), o recorrente B. veio solicitar o seguinte:
“O Acórdão sob requerimento foi proferido a reclamação apresentada sobre decisão singular para Conferência.
Em discordância com esta, o ora Requerente suscitou, entre outras questões, a insuficiência de fundamentação da decisão.
O Acórdão sob requerimento pronuncia-se sumariamente sobre tal questão, nada acrescentando à decisão reclamada, com excepção da singela referência de que “… cabia ao reclamante trazer aos autos argumentos que permitissem impugnar a respectiva similitude, o que não fez.”.
Dispõe o artigo 374. °, n.º 3, alínea a), do Código do Processo Penal, que “A sentença termina pelo dispositivo que contém: As disposições legais aplicáveis;”.
Dispondo o artigo 205. ° da Constituição da República Portuguesa que “As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são sempre fundamentadas nos termos previstos na Lei.”.
Ora, o Acórdão sob requerimento padece da mesma falta de fundamentação da decisão singular sobre a qual versou, acrescendo-lhe, ainda, que a referência de que caberia ao Reclamante “...trazer aos autos argumentos que permitissem impugnar a respectiva similitude... “, não se encontra fundamentada na Lei processual.
Ou seja, não é invocado qual o comando legal que impõe tal obrigação, ainda que genérica.
Constituindo aquela afirmação, salvo melhor opinião, um desvio ao princípio da legalidade, porquanto, ao invés do que ali se inscreve, caberia ao Tribunal demonstrar a bondade da decisão e equivalência das situações de facto e de direito.
Dito de outro modo, não cabe ao Recorrente ou Reclamante demonstrar o contrário, mesmo que nisso tivesse interesse, sob pena de subversão daquele princípio geral do Direito Penal.
Face ao exposto, requer a correcção do Acórdão, dotando-o da fundamentação de Direito para a decisão proferida, maxime, na parte em que sustenta aquela decisão na afirmação de que caberia ao Reclamante “….trazer aos autos argumentos que permitissem impugnar a respectiva similitude....”” (fls. 10081 e 10082).
3. Notificado deste requerimento, o Ministério Público veio aos autos responder o seguinte:
“1º
O referido Acórdão foi proferido no seguimento de reclamação para a conferência da Decisão Sumária nº 178/2010, de 6 de Março de 2010, anteriormente proferida pela Ilustre Conselheira Relatora (cfr. fls. 9828 a 9838 dos autos), Decisão essa que concluiu pelo indeferimento do recurso oportunamente interposto pelo ora requerente.
2º
Em tal Decisão sumária houve, porém, oportunidade de apreciar, em detalhe, as questões jurídicas suscitadas pelo ora requerente, nela tendo sido, também, indicada diversa jurisprudência deste Tribunal, como fundamento da posição adoptada pela mesma Conselheira Relatora.
3º
Inconformado com esta Decisão sumária, o requerente reclamou para a conferência (cfr. fls. 9859-9860 dos autos).
Este Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da mesma reclamação (cfr. fls. 9892-9893 dos autos) por, no seu entender, o recorrente não ter conseguido fundamentar a sua posição.
4º
Foi, seguidamente, proferido o Acórdão nº 276/2010, de 1 de Julho (cfr. fls. 9897 a 9912 dos autos) no qual, depois de se transcrever a Decisão sumária atrás referida (cfr. fls. 9897 a 9906 dos autos), se faz referência à alegada falta de fundamentação da decisão sumária “tal como suscitado pelo reclamante B.”.
E o Acórdão observa, a este propósito, que “é a própria lei (em especial, artigo 78º - A, da LTC) que autoriza o Relator junto do Tribunal Constitucional a proferir decisão sumária – e, como tal, necessariamente sucinta – sempre que haja jurisprudência anterior a julgar questão idêntica” (cfr. fls. 9910 dos autos).
5º
Mais adiante, o mesmo Acórdão volta a referir-se à argumentação do ora reclamante, nos seguintes termos (cfr. fls. 9911-9912 dos autos):
“7. Por último, a reclamação apresentada por B., relativamente à interpretação normativa extraída do nº 3 do artigo 188º do CPP impugna a decisão sumária por esta ter considerado que a referida interpretação não havia sido efectivamente aplicada.
Ora, é manifesto que o acórdão recorrido proferido pelo STJ em 03-03.2010, que rejeito o recurso por inadmissível, não aplicou, de todo em todo, o nº 3 do artigo 188º do CPP.
Em síntese, não subsiste qualquer fundamento para reformar a decisão reclamada.”
6º
No requerimento agora em apreciação, em que suscita o “esclarecimento” do Acórdão 276/2010, entende o ora reclamante que, a propósito da questão de insuficiência de fundamentação da decisão, “o Acórdão sob requerimento pronuncia-se sumariamente sobre tal questão, nada acrescentando à decisão reclamada, com excepção da singela referência de que «… cabia ao reclamante trazer aos autos argumentos que permitissem impugnar a respectiva similitude, o que não fez.”
Ora, tal afirmação é, no mínimo, surpreendente, para não dizer manifestamente deslocada.
7º
O referido Acórdão refere, com efeito, o seguinte, a este propósito:
“5. Começando pela alegada falta de fundamentação da decisão sumária – tal como suscitado pelo reclamante B. –, note-se que é a própria lei (em especial, artigo 78º-A, da LTC) que autoriza o Relator junto do Tribunal Constitucional a proferir decisão sumária – e, como tal, necessariamente sucinta – sempre que haja jurisprudência anterior a julgar questão idêntica.
Conforme, aliás, reconhecido pelo outro reclamante nos presentes autos, A., a unanimidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional é bem conhecida, pelo não se compreende a alegada ininteligibilidade da decisão reclamada por (alegadamente) não ter demonstrado a similitude entre a interpretação normativa em apreço nos autos e a interpretação normativa já julgada não inconstitucional pela abundante jurisprudência nela citada.
Aliás, a decisão sumária começou logo por afirmar que a questão em apreço já tinha sido alvo de jurisprudência anterior – que, como já se disse, é unânime neste Tribunal. Caso pretendesse negar a similitude com a jurisprudência para a qual a decisão reclamada remete, cabia ao reclamante trazer aos autos argumentos que permitissem impugnar a respectiva similitude, o que não fez.
Assim, quanto a este aspecto, não se verifica qualquer motivo para alterar a decisão sumária.”
8º
Para qualquer pessoa – excepto, naturalmente, para o ora reclamante – esta argumentação é cristalina e baseia-se no facto de a questão ter sido já apreciada, por diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional, em sucessivos acórdãos, dos quais se transcreveram diversos passos na decisão sumária impugnada, acórdãos esses de sentido idêntico.
É esta unanimidade dos referidos Acórdãos que fundamenta a posição tomada na decisão sumária proferida, bem como no Acórdão que se lhe seguiu.
E é uma tal uniformidade de jurisprudência que se impunha, ao ora reclamante, desfazer, se com ela discordava. O que, naturalmente, não fez!
Nada há, pois, a acrescentar a uma tal argumentação, que é clara e suficiente para a decisão tomada.
9º
Julga-se, pois, que o presente pedido de “esclarecimento” é de todo improcedente e apenas visa, ao que tudo indica, prolongar a permanência dos presentes autos neste Tribunal Constitucional, de forma a não deixar transitar a decisão a quo”.
Deve, por isso, o pedido em apreciação ser indeferido.” (fls. 10084 a 10088)
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Importa começar por notar que no pedido de “esclarecimento”, que ora se aprecia o recorrente se conformou com o juízo formulado pela decisão sumária – e, posteriormente, confirmado pelo acórdão de conferência – segundo o qual o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não teria aplicado a norma extraída do n.º 3 do artigo 188º do CPP. Como tal, o presente pedido de “esclarecimento” centra-se numa alegada falta de fundamentação do acórdão de conferência quanto à – já anteriormente alegada – falta de fundamentação da decisão sumária reclamada.
Ora, para que dúvidas não restem, há que deixar bem claro que nenhuma daquelas decisões padece de falta de fundamentação. Sucede apenas que o recorrente persiste em esquecer que a própria lei processual – vide n.º 1 do artigo 78º-A da LTC – permite a prolação de decisão sumária mediante remissão para a fundamentação – mais extensa e desenvolvida – que conste de jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional. Por outro lado, o acórdão de conferência analisou com detalhe todas as questões constantes da reclamação deduzida, tendo antes corroborado a fundamentação já antes subscrita pela decisão sumária reclamada.
Assim sendo, resta apenas frisar que o requerimento apresentado dificilmente pode ser qualificado como um efectivo pedido de esclarecimento – conforme permitido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 669º do CPC –, antes expressando a mera discordância do recorrente face ao teor da decisão já proferida nos autos. Sucede, porém, que tal questão já se encontra oportunamente decidida. Não havendo, portanto, nada a esclarecer, indefere-se o requerimento de fls. 10081 e 10082.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir o pedido de esclarecimento formulado.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.