Imprimir acórdão
Processo n.º 511/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. Por acórdão de 17 de Setembro de 2008, o Tribunal Judicial de Santo Tirso (2.º Juízo Criminal), realizada a audiência a que se refere o artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, decidiu indeferir o requerimento do arguido (ora recorrente) para que se substitua por penas alternativas, de natureza não detentiva em estabelecimento prisional, o cumprimento da pena de 17 meses de prisão em que fora anteriormente condenado.
Por acórdão de 18 de Fevereiro de 2009, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento a recurso interposto pelo arguido, confirmando a decisão do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
Após vicissitudes processuais que não importa relatar, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento do seguinte teor:
«(…)
14. O presente recurso sobe nos próprios autos e de imediato tendo efeito suspensivo, de acordo com o artigo 78.º nº 4 da LTC.
15. O recurso é interposto ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15/11 na redacção dada pela L. 85/89 de 7/9.
16. Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 58 do CP (redacção actual) uma vez que o Mmo. Juiz na douta decisão da 1ª instância julga-a inconstitucional, o douto Ac. da Relação do Porto omite pronuncia sobre tal questão, o que motivou o recurso para o STJ, por o ora recorrente entender nesta circunstância e face à omissão de pronúncia nessa instância, não haver dupla conforme, tendo o STJ, entendido que tal não permitia o presente recurso e rejeitou-o.
17. A decisão em causa, ao julgar inconstitucional o artigo 58 do C.P., acaba por aplicar mal o artigo 13.º da CRP, na interpretação que faz, fazendo uma descriminação negativa para proteger o artigo 13.º da CRP e não aplicar o artigo 58.º da CRP.
18. Ou seja, entende que a aplicação do artigo 58.º na redacção actual, nomeadamente no que diz respeito ao facto de poder ser aplicada a situações de condenações até dois anos, viola e lesa os direitos dos presos que não podiam beneficiar dessa norma, e que trabalham a título gratuito nos estabelecimentos prisionais, uma vez que 480h de trabalhos a favor da comunidade, intercaladas, não eram justas, uma vez que os presos trabalhavam todos os dias, e a título gratuito também:
‘Passou aquele erro a ser erro grosseiro, percebido tanto pelo bom pai de família como pelo mau pai de família, percebido tanto pelo letrado como pelo iletrado, quando o factor de conversão é de uma hora de trabalho a redimir um dia de prisão, com bónus de entre aquele que seria o dia de prisão 480, e aqueles que seriam os dias de prisão 730 ou 731 – se o tempo total de prisão abranger um dia 29 de Fevereiro – já nem trabalho teria que cumprir: equiparar, para efeitos de redenção, uma hora de trabalho em liberdade, no ambiente descontraído, quente no Inverno, e refrigerado no Verão, dos serviços administrativos da Universidade do Minho, a um dia de prisão no ambiente muito mais agreste de um estabelecimento prisional – concretamente equiparar 480h intercaladas daquele trabalho a cerca de 510 dias contínuos deste regime mais agreste – é o retrato perfeito e não demagógico, por ser absolutamente ajustado ao caso presente, desse erro grosseiro.’
‘A nova norma, na dimensão que excede um ano de prisão e no próprio factor conversão (mesmo para penas inferiores a um ano), é inconstitucional por violar o princípio da igualdade.’ (in decisão da 1ª instância destes autos).
19. E por sua vez o Ac. da Relação do Porto, ao omitir pronúncia sobre tal, e referir que o artigo 58.º não foi ‘desaplicado’ – citação do Ac. –, acaba também, nessa interpretação por violar o próprio normativo (art. 58.º do C.P.), e o artigo 13.º da CRP, uma vez que faz um tratamento desigual para arguidos na mesma situação.
20. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos a fls…. pelo Mmo. Juiz de 1ª Instância, e que constitui sentença proferida em primeira instância, tendo-se insurgido contra tal o recorrente, manifestando tal na sua alegação de recurso, e posteriormente voltou a manifestar o seu inconformismo na alegação de recurso para o STJ, o qual mereceu rejeição.”
2. O recurso não pode prosseguir, o que imediatamente se decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
Efectivamente, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade. Mas a recusa de aplicação tem de constituir ou integrar a ratio decidendi da decisão recorrida, não de qualquer outra decisão proferida no processo.
Ora, a decisão recorrida é o acórdão da Relação. E nesta decisão não se recusou aplicação a qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, designadamente ao artigo 58.º do Código Penal. Negou-se a pretensão do recorrente, mas porque se entendeu que não se verificam os pressupostos que o n.º 1 do artigo 58.º estabelece para substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade. Aplicou-se a norma na íntegra, não se lhe recusou aplicação, em interpretação literal ou em qualquer sentido ou dimensão, com fundamento em inconstitucionalidade.
É certo que a decisão de 1ª instância teceu considerações acerca da inconstitucionalidade da norma, na parte em que na redacção emergente da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ampliou de um para dois anos a possibilidade de substituição da pena de prisão por trabalhos a favor da comunidade. Mas, independentemente de saber se nessa decisão houve efectiva recusa de aplicação da norma – a Relação entendeu que não houve –, o facto é que o acórdão recorrido não acompanhou tais considerações. O fundamento da confirmação do indeferimento da pretensão do arguido quanto á substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade foi a não verificação dos pressupostos estabelecidos pelo artigo 58.º do Código Penal, não qualquer juízo de desvalia constitucional acerca desse regime legal. E, para efeito de verificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade, são os fundamentos da decisão recorrida e não quaisquer outros que são relevantes.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, com 7 unidades de conta de taxa de justiça.»
2. O recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), sustentando, em resumo, que, apesar de não ter formalmente declarado a inconstitucionalidade da norma (o artigo 58.º do Código Penal) o juiz de 1ª instância a ignorou para efeitos de aplicação e que, com tal comportamento, violou também o artigo 32.º da CRP, porque diminuiu as garantias de defesa do arguido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, depois de analisar a reclamação, conclui que a decisão reclamada se afigura inteiramente correcta e que o ora reclamante nada aduz que possa abalar o bem fundado dessa decisão.
3. Os argumentos do reclamante não logram infirmar os fundamentos da decisão reclamada.
Com efeito, o que se decidiu – e se mantém por ser inteiramente exacto – é que (i) sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem de incidir sobre uma decisão que recuse a aplicação da norma em causa, com fundamento em inconstitucionalidade, (ii) que a decisão recorrida é o acórdão da Relação (iii) e que esse acórdão não recusou aplicação a qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade. Na verdade, a decisão recorrida não só não recusou aplicação com fundamento em inconstitucionalidade ao artigo 58.º do Código Penal como fez dele aplicação, indeferindo a pretensão do recorrente de ver aplicada pena de substituição por não considerar verificados os pressupostos estabelecidos pelo n.º 1 desse artigo 58.º
Ora, percorrida a reclamação nada nela se vislumbra que contrarie estas razões, discorrendo o recorrente sobre questões absolutamente estranhas ao objecto do recurso interposto e às razões pelas quais dele se não pode conhecer.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 18 de Outubro de 2010.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.