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Proc. nº 47/93
1ª Secção Rel. Cons. António Vitorino
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A presente reclamação tem por fundamento um recurso contencioso interposto por A., do despacho de 4 de Julho de 1990 do Conselho de Administração da B. que manteve anteriores despachos da mesma entidade, de 24 de Junho de 1981 e de 28 de Outubro de 1981, os quais haviam indeferido a sua pretensão de ser integrado no quadro técnico daquela instituição.
O aludido recurso foi rejeitado por sentença de 23 de Maio de 1991 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, com fundamento em o acto impugnado ser meramente confirmativo, logo contenciosamente irrecorrível.
2. Desta decisão do T.A.C. de Lisboa o ora reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, apresentando nas respectivas alegações o seguinte quadro de conclusões:
1º - O trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, sendo vedado à instituição utilizar os seus serviços em actividades que não caibam no grupo em que ingressou...' - nº 1 da cláusula 6ª do Contrato Colectivo de Trabalho. Com a sua inércia ou silêncio - não definindo, concreta e oportunamente, a natureza das funções exercidas pelo recorrente - a entidade recorrida introduziu inadvertida e involuntariamente, na esfera jurídica do seu funcionário, ora aposentado, o direito legítimo de subida na escala de nível, a que se refere a cláusula 8ª contratual - direito cuja validade veio, agora, contra legem, denegar expressamente.
2º - A atitude da B. causou ao recorrente danos morais e materiais irreparáveis, ou de difícil reparação, lesivos, os últimos, do seu património, estilo de vida (apressou, por exemplo, o pedido de aposentação coarctando-lhe, assim, o acesso na escala de nível a uma categoria compatível com as suas habilitações literárias).
3º - O acto confirmativo, pretensamente confirmativo, como acto administrativo, é passível de recurso contencioso por estar previsto,
'objectivado', nº nº 4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, atribuindo essa susceptibilidade a quaisquer actos administrativos - independentemente da sua forma.
4º - O artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) é inconstitucional ao determinar que só podem ser recorríveis, ou objecto de recurso, os actos
(quaisquer que sejam, administrativos ou não administrativos ?) definitivos e executórios: a ilegalidade está em colisão contra o que estabelece o nº 4 do artigo 268º da Constituição tornando extensiva a recorribilidade a quaisquer actos administrativos independentemente da sua forma.
5º - Dá como alegados a 'violação de lei', 'desvio de poder' e os princípios de justiça, imparcialidade e equidade...'.
3. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 30 de Junho de
1992, julgou improcedente o recurso. Depois de decidir não tomar conhecimento da matéria vertida nas conclusões 1ª, 2ª e 5ª das alegações, por se tratar de questões novas, aduziu, quanto às conclusões 3ª e 4ª, o seguinte:
'Diz o recorrente na 3ª conclusão que o acto confirmativo, como acto administrativo, é passível de recurso contencioso de anulação por estar previsto no nº 4 do artigo 268º da Constituição da República, que atribuiria tal susceptibilidade a quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma.
Mas não é assim.
Na verdade, o nº 4 do artigo 268º da Constituição tem uma estatuição muito mais restritiva do que alude o agravante naquela conclusão. O que o articulado constitucional dispõe é que 'é garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'.
Assim, na formulação constitucional, a tónica não está, efectivamente, na forma que o acto possa revestir, mas sim na lesão efectiva de direitos ou interesses produzida pelo acto. O que bem se compreende. Não produzindo o acto efeitos de direito lesivos do recorrente, é inócuo para ele nesse ponto, pelo que nenhuma razão sustentaria a sua discussão em juízo.
E, aliás, é aceite pelo próprio recorrente, quando na peça das alegações vai mais longe do que ali concluiu. A fls. 96, de facto, refere 'todos e quaisquer actos administrativos, que lesem direitos ou interesses legítimos dos interessados, legalmente protegidos ou tutelados na lei... serão passíveis de impugnação contenciosa, como é de admitir que assim seja num Estado moderno de Direito'.
O que, por outro lado, não anda longe da Doutrina do próprio Prof. Rogério Soares, que o agravante contesta. Na verdade, a definição redutora do acto administrativo, deste Mestre, liga-a ele inelutavelmente à produção de efeitos jurídicos, à definição do direito no caso, sem a qual não existiria um verdadeiro e próprio comando jurídico autoritário da Administração.
Assim, não pode dizer-se que, face ao nº 4 do artigo 268º da Constituição, são recorríveis contenciosamente todos e quaisquer actos administrativos, mas só aqueles que lesem direitos ou interesses protegidos por lei, o que é bem diferente.
Ora, no caso destes últimos não estão, com certeza, os chamados actos confirmativos que, pleonasticamente, diríamos que, justamente, o são por não serem justamente lesivos.
De facto, é pacificamente aceite que os actos chamados confirmativos são insusceptíveis de impugnação contenciosa pela razão simples que nada inovaram na ordem jurídica em relação aos actos administrativos confirmados.
'... Dirigindo-se ao mesmo destinatário, repete o conteúdo de um acto administrativo definitivo e executório anterior, sem que o reexame dos pressupostos decorra de revisão imposta por lei' - Sérvulo Correia, 'Noções de Direito Administrativo', volume II, pág. 346.
Sendo recorrível o acto que define uma situação jurídica - Marcello Caetano, volume I, pág. 428, do seu 'Manual de Direito Administrativo' - claro está que um acto posterior que nada altera nesta, não tem força executória própria, limita-se a manter a posição da Administração, já tomada, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo - acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 23 de Julho de 1987, em 'Acórdãos Doutrinais', nº
315, pág. 398, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Março de
1987, em 'Acórdãos Doutrinais', nº 308, pág. 1189, e de 19 de Novembro de 1987, na mesma publicação, nº 319, pág. 945.
Ora, se os efeitos jurídicos pretendidos já foram produzidos por acto anterior - resultando até poder, daqui, dizer-se que o acto confirmativo não é um verdadeiro acto administrativo (Sérvulo Correia, idem, pág. 347, e Aldo Sandulli, 'Manuale di Diritto Amministrativo', 15ª edição, Nápoles, 1989, volume I, pág. 708), não faz sentido admitir-se o recurso contencioso deles pois em nada atingiram, por si, o destinatário, em nada lesaram ex novo interesses ou direitos dele - cfr. artigo 268º, nº 4, da Constituição. De contrário, além das decisões caírem em pura perda, obstariam ainda, o que é mais grave, a que se sanassem os efeitos efectivamente produzidos por um acto anterior, quando um recurso deste não foi interposto, provocando sucessivamente novas decisões idênticas entre si para, em qualquer altura, poder desencadear o recurso contencioso.
A irrecorribilidade contenciosa dos actos confirmativos apoia-se também, pois, no interesse público da estabilidade das decisões da Administração e, consequentemente, na segurança do comércio jurídico.
Mas, claro está, que tal conclusão só pode operar quando o acto é realmente confirmativo, isto é, quando os interessados, os fundamentos de facto e de direito e os efeitos jurídicos pretendidos, são exactamente os mesmos entre os dele e os do acto confirmado - Esteves de Oliveira, 'Direito Administrativo', volume I, pág. 411.
Na verdade, se os interessados são diversos ou diferentes são os pressupostos em que se alicerçaram os actos, daí resultam também diferentes efeitos jurídicos e, como tal, modificações novas na esfera jurídica do destinatário que, na sua correspectiva amplitude inovatória, são susceptíveis de impugnação em Tribunal quando lesem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Daí que, citando de novo Sandulli, obra citada, pág. 708 '... é da escludere che abbiano carattere meramente confermativo gli atti che, a seguito di riesame, di nuova istruttoria, sulla base di diversa motivazione, etc. provedano nei medesimi sensi de un atto precedente'.
Ou, como Esteves de Oliveira, obra citada, pág. 412:'... tendo-se reapreciado ou reavaliado ... a situação concreta e os interesses nela envolvidos, estamos perante a prática de um novo acto administrativo cujo efeito pode consistir na renovação do acto anterior, mas também na sua reforma ou revogação'.
'Quer dizer que, neste caso, o acto confirmativo, envolvendo uma nova ponderação e manifestação de vontade da Administração, é um acto diferente do acto confirmado, mesmo que, eventualmente, os dois correspondam em todos os seus elementos'.
'Daí que o acto confirmativo possa ser objecto de impugnação, assim como o pode ser o acto confirmado: só que, enquanto a anulação do acto confirmativo abrange o acto confirmado, a anulação deste deixa intocado o acto confirmativo, o qual subsiste na ordem jurídica' - obra citada, pág. 412.
Daí que, dizemos nós, pela primeira razão invocada e não pela última afirmação de Esteves de Oliveira, isto é, porque só o acto produzido na sequência da nova apreciação ou reavaliação da situação concreta produz doravante efeitos jurídicos inovatórios, conquanto foi, implicitamente pelo menos, revogado o acto confirmado ou feitos cessar os respectivos efeitos jurídicos se os chegar entretanto a produzir enquanto 'viveu' na ordem jurídica, só ele é um verdadeiro acto administrativo e, por isso, susceptível de ser discutido em Tribunal. Nessa medida, também, não é, em rigor, ao contrário do que defende aquele autor, um acto confirmativo.
Por isso se disse no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Fevereiro de 1986, em Acórdãos Doutrinais, nº 303, pág. 365, que 'não é confirmativo o despacho que reaprecia situação anteriormente definida tendo em consideração elementos a que não se havia atendido.'
Não é, porém, este o caso dos autos.
O despacho recorrido, de 4 de Julho de 1990, foi dirigido ao mesmo destinatário que os de 24 de Junho de 1981 e 28 de Outubro de 1981, ou seja, o agravante, e alicerçou-se nos mesmos pressupostos de facto e de direito daquele e foi exactamente no mesmo sentido daqueles outros, isto é, negando a pretensão do requerente, ora agravante, quanto à revisão da situação dele no que toca ao seu nível.
É certo que, no articulado 24 da petição inicial do recurso contencioso, o agravante havia dito que seria resolvida a situação da reclassificação de alguns funcionários da B., mas não alegou, nem provou, em que circunstâncias, na base de que fundamentos jurídicos ou de facto que tivessem algo a ver com os seus próprios pressupostos. Situação que não se alterou agora com a junção do acórdão com as alegações para este Supremo Tribunal Administrativo, pois nem curou de demonstrar a real alteração de facto que, eventualmente, ocorreu na respectiva sequência, se a houve.
Por outro lado, as modificações de direito preclusivas da natureza confirmativa do acto produzido têm de ter real e efectiva incidência na situação concreta e reporte de efeitos jurídicos que seriam, obviamente, diferentes, se considerados.
Porém, não se vê, nem o agravante demonstra, onde as leis que refere teriam repercussão na posição da Administração face à sua situação concreta.
Sendo assim, limitando-se o despacho contenciosamente impugnado a manter a situação já definida pelos actos de 24 de Junho de 1981 e 28 de Agosto de 1981, nada inovou na esfera jurídica do recorrente, nem na da B. em relação aos últimos. Sendo assim também, do mesmo passo, não pode tal acto, de 4 de Julho de 1990, ter-se por lesivo dos direitos do recorrente a pretensa alteração do seu nível, já que, a existir tal lesão, ela ocorreu seguramente, não por via do acto aqui recorrido, mas por aqueles anteriores.
Mas se é assim, e assim se julga, porque efectivamente não lesou o recorrente, no sentido que se expôs, tal acto não é recorrível contenciosamente, nos termos do nº 4 do artigo 268º da Constituição.
Razão por que improcede a conclusão 3ª das alegações.
Mas também pela mesma razão improcede, logo de seguida, a conclusão
4ª.
Efectivamente, nela, o agravante argui de inconstitucional o nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, tanto e na medida em que só permitiria o recurso contencioso dos actos administrativos definitivos e executórios quando o nº 4 do artigo 268º da Constituição seria mais amplo, permitindo-o também de actos de outra natureza, desde que lesivos de direitos ou interesses juridicamente protegidos por lei.
Ora, se já se demonstrou que o despacho impugnado nos autos não é lesivo de tais direitos ou interesses, segue-se obviamente que nem por aquele nº
4 do artigo 268º da Constituição seria recorrível. Daí que não haja que averiguar se o referido artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos afronta a Constituição da República no normativo citado, e no caso concreto: só haveria necessidade de tal incursão, se o despacho em análise, ainda que acto não verticalmente definitivo e executório, fosse efectivamente lesante para o recorrente. Então sim, estaríamos caídos num caso que, sendo abrangido pelo nº 4 do artigo 268º da Constituição, extravazava, porém, o âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 25º, e esta norma não poderia, então, ser aplicada. Não sendo o caso, não deve o Tribunal formular tais juízos de inconstitucionalidade, sob pena de violação do artigo 207º da mesma Constituição. Com efeito, a reserva dada ao Tribunal na apreciação da inconstitucionalidade fica-se numa fiscalização difusa mas incidental, concreta, de efeitos particulares e natureza declarativa - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 1978, pág. 479. Assim, a hipotética apreciação da constitucionalidade do nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, face à também hipotética rejeição de recurso contencioso do acto não definitivo lesante do recorrente, redundaria sempre numa fiscalização judicial abstracta, o que, já vimos, é vedado aos Tribunais pelo artigo 207º do texto fundamental.
Improcede assim a conclusão 4ª da alegação do recorrente.
Nestes termos, se decide julgar improcedente o recurso.'
4. Deste acórdão do S.T.A. o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alegando que a decisão recorrida fez aplicação da norma do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), apesar de arguida de inconstitucional, por violação do artigo 268º, nº 4, da Constituição.
O recurso não foi admitido pelo Relator do S.T.A., invocando para o efeito que o acórdão de que se pretendia recorrer não havia aplicado a norma cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada durante o processo,
'concretamente o artº 25º, nº 1, da L.P.T.A., antes julgou prejudicada tal aplicação face à posição que tomou perante o nº 4 do artº 268º da Constituição da República, não admitindo, pois, o recurso'.
Em face desta decisão do Relator no S.T.A., o recorrente deduziu a presente reclamação, perante a qual o Supremo Tribunal Administrativo tirou o acórdão de 20 de Outubro de 1992, onde se manteve o despacho reclamado com base no seguinte quadro argumentativo:
'O ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei Orgânica respectiva, que dispõe:
'Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais:
a)......................................... b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
...........................................
O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 133-139, porquanto este último teria feito aplicação da norma do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, cuja inconstitucionalidade o reclamante alegou.
Efectivamente, durante o processo, nomeadamente nas alegações para este Supremo Tribunal Administrativo, o reclamante levanta a questão da inconstitucionalidade daquela norma, tanto quanto hoje todos os actos - como seria o contenciosamente impugnado - apesar de não serem definitivos e executórios (porque de acto confirmativo se trata) são recorríveis por estar previsto, 'objectivado' no nº 4 do artigo 268º da Constituição, que atribui aquela susceptibilidade a quaisquer actos administrativos - independentemente da sua forma'.
Porém, o acórdão recorrido decidiu que, reportando-se o nº 4 do artigo 268º da Constituição aos actos administrativos, ainda que não definitivos e executórios, mas lesivos de direitos ou interesses juridicamente protegidos por lei, e tendo-se demonstrado que o despacho contenciosamente impugnado não o foi, segue-se que nem pelo artigo 268º, nº 4, seria recorrível. Daí que não houvesse que averiguar se o artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, afrontava, ou não, a Constituição naquele normativo. Só era necessário fazê-lo se o despacho em análise, ainda que acto não verticalmente definitivo, fosse efectivamente lesante para o ora reclamante. Então, disse-se ali, estaríamos efectivamente dentro de um caso que, sendo abrangido pelo nº 4 do artigo 268º da Constituição, extravazava, porém, o âmbito de aplicação do nº
1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e esta norma não poderia ser aplicada.
Como não era esse o caso, não podia o Tribunal, por imperativo do artigo 207º da mesma Constituição, formular juízo sobre a constitucionalidade do nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo, pois, em tal questão, a apreciação é meramente de fiscalização difusa, incidental, concreta, de efeitos particulares e natureza declarativa, redundando, se o fizesse, numa fiscalização abstracta, o que lhe é vedado por aquele artigo 207º da Constituição.
Por isso se disse, no despacho reclamado, que o Tribunal não aplicou o nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, antes julgou prejudicada tal aplicação face à posição que tomou perante o nº 4 do artigo 268º da Constituição da República.
Por isso também, não se admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da respectiva Lei Orgânica.
Posição que ora se reafirma pelas razões ditas.
Nestes termos se decide manter o despacho reclamado.'
5. Neste Tribunal foi o processo ao Ministério Público, que ofereceu o seguinte parecer de que se transcreve a parte argumentativa e conclusiva:
'(...) o presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, constituindo, assim, seu requisito específico de admissibilidade que a decisão recorrida tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo recorrente durante o processo.
Quando - como no presente caso ocorreu -, o que o recorrente reputa inconstitucional não é a directa estatuição de certa norma mas antes determinada interpretação de que ela é susceptível, necessário se torna, para que o recurso de constitucionalidade seja admitido, que a decisão recorrida aplique tal norma justamente na interpretação reputada inconstitucional pelo recorrente.
Ora, no presente caso, embora nem sempre sejam muito claras as suas posições, o que o recorrente sustentou, durante o processo, foi que, após a revisão de 1989, o artigo 268º, nº 4, da Constituição estendeu a garantia de recurso contencioso a qualquer (todos) os actos administrativos, independentemente da sua forma, 'desde que, como é evidente, possam fundamentar-se em ilegalidade e lesem direitos ou interesses legalmente protegidos' (cfr. fls. 3 verso; sublinhado acrescentado), pelo que o artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), se teria tornado supervenientemente inconstitucional se interpretado como negando o recurso contencioso dos actos administrativos que, sendo efectivamente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, não fossem, contudo, 'definitivos e executórios'.
Sendo essa a questão de inconstitucionalidade suscitada, durante o processo, pelo recorrente, só se abria via para o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 se a subsequente decisão do tribunal a quo fizesse aplicação daquela norma na impugnada interpretação, isto é, se, reconhecendo embora estar perante um acto administrativo lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, o julgasse contenciosamente inimpugnável por falta dos requisitos da definitividade e da executoriedade.
Não foi isso, porém, o que ocorreu.
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que se pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional - reconhecendo que no actual nº
4 do artigo 268º da Constituição a tónica não está na forma que o acto possa revestir mas sim na lesão efectiva de direitos ou interesses produzida pelo acto
- considerou que os actos confirmativos não se podem considerar lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, por nada inovarem na ordem jurídica em relação aos actos confirmados.
Assumido que os actos confirmativos não podem ser lesivos e, portanto, não cabem na protecção do nº 4 do artigo 268º da Constituição, tornou-se obviamente inútil apreciar a conformidade com esta norma constitucional do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação reputada inconstitucional.
Por isso não se pode dizer que o acórdão recorrido tenha feito aplicação desta norma na aludida interpretação.
Logo, por falta deste específico requisito, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 era inadmissível.
Por conseguinte, deve ser indeferida a presente reclamação.'
Foram então corridos os vistos legais, passando-se agora a decidir.
II
1. Conforme resulta de tudo o que antecedentemente se entendeu dever transcrever das diferentes intervenções processuais que estão na base da presente reclamação, esta reporta-se a uma controvérsia interpretativa quanto às condições de admissibilidade de um recurso contencioso de anulação de um despacho de 4 de Julho de 1990, do Conselho de Administração da B., que manteve anteriores despachos da mesma entidade (de 24 de Junho de 1981 e de 28 de Outubro de 1981), respeitante à pretensão do ora reclamante de ser integrado no quadro técnico da aludida instituição.
O reclamante sempre defendeu ao longo do processo que deveria ser recebido e provido o recurso contencioso de anulação do despacho de 4 de Julho de 1990, para tanto socorrendo-se do disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição, na redacção que foi dada a este normativo pela Lei Constitucional nº 1/89, que aprovou a segunda revisão da Constituição da República Portuguesa. No essencial, e sem prejuízo de se reconhecer alguma oscilação argumentativa no decurso das suas sucessivas intervenções processuais, o ora reclamante foi sempre exprimindo o entendimento de que o acto em causa, embora revestindo natureza confirmativa de anteriores actos da mesma entidade que haviam igualmente denegado a sua pretensão, deveria ser judicialmente sindicado, por um lado, porque se mostrava lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, por outro, porque a tal impugnação contenciosa deixara de obstar a exigência do requisito de definitividade e executoriedade do acto postulada pela anterior redacção do mesmo preceito constitucional e vertida na redacção ainda vigente do nº 1, do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), e, finalmente ainda, porque a Constituição deixara também (em boa verdade desde 1982 e não apenas após 1989) de condicionar o recurso contencioso de anulação a específicos critérios atinentes à forma do acto (entendendo-se, por isso, que a locução
'independentemente da forma' visava permitir uma ampliação do quadro de impugnação dos actos administrativos).
O acórdão do S.T.A. que decidiu da pretensão do ora reclamante, no sentido de não lhe conceder provimento, por seu turno, excluiu expressamente do quadro legal aplicado na decisão recorrida o artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, uma vez que reputou irrelevante para a solução do caso a verificação dos pressupostos de definitividade e executoriedade do acto impugnado, já que entendeu que o acto em causa, sendo meramente confirmativo de outros anteriores, não se podia ter por lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente. Por isso, o acórdão recorrido não se recusou a conhecer do pedido por o acto impugnado ser irrecorrível à luz dos critérios do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A., mas antes não concedeu provimento ao recurso por entender que o acto em causa não era lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos.
O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional entende que tendo sido a norma do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A. impugnada durante o processo, com fundamento em inconstitucionalidade, por a mesma sujeitar o recurso contencioso de actos administrativos ao crivo da respectiva definitividade e executoriedade, 'só se abria via para o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 se a subsequente decisão do tribunal 'a quo' fizesse aplicação daquela norma na impugnada interpretação, isto é, se, reconhecendo embora estar perante um acto administrativo lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, o julgasse contenciosamente inimpugnável por falta dos requisitos de definitividade e da executoriedade'. O que inviabilizaria, portanto, no caso, a procedência da reclamação, na opinião do Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, era que a decisão recorrida, afastando a tónica do nº 4 do artigo 268º da Constituição quanto à forma do acto, para a colocar essencialmente no critério da lesão efectiva de direitos ou interesses produzida pelo acto impugnado, assentou, quanto à qualificação da natureza do acto, no reconhecimento da sua natureza meramente confirmativa, a qual, por si só, chegaria para afastar a possibilidade de lesar direitos ou interesses do recorrente, por dela decorrer que os aludidos actos em nada inovam na ordem jurídica em relação aos actos confirmados.
Adiante-se, desde já, que esta tese defendida pelo Procurador-Geral Adjunto merece fundadas reservas, pelo menos quanto à formulação dela acolhida na aplicação ao presente caso.
2. Com efeito, não obsta ao conhecimento de um recurso de inconstitucionalidade que a norma aplicada na decisão recorrida, e impugnada durante o processo, tenha sido 'atacada' pela parte com um dado fundamento de inconstitucionalidade e ulteriormente o Tribunal Constitucional venha a verificar que a mesma norma padece do vício de inconstitucionalidade por força de um fundamento de desvalor constitucional distinto do invocado pelo recorrente. Essa é, aliás, a essência do disposto no artigo 79º-C da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, quando se estatui que 'o Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada'.
Eis por que bem poderia o recorrente ter reputado a norma em causa como inconstitucional, por se mostrar desconforme ao inciso constitucional que garante o recurso contencioso dos actos administrativos independentemente da forma e o Tribunal acabar por julgá-la inconstitucional por contrastar com a garantia de recurso contencioso contra actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Ponto incontornável é que a decisão recorrida tivesse efectivamente aplicado a norma impugnada e, na interpretação dela acolhida pela referida decisão, estivesse efectivamente em causa também o sentido que o Tribunal acabasse por reputar como desconforme com a garantia constitucional.
Assim sendo, no caso em apreço, é ineludível que o ora reclamante reputou inconstitucional uma norma jurídica, a do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A., não estando, pois, o Tribunal limitado a conhecer dessa alegada inconstitucionalidade apenas à luz do concreto fundamento invocado pela parte ( a recorribilidade dos actos independentemente da forma).
3. Sem embargo, para que se possa conhecer do recurso de constitucionalidade interposto com fundamento na desconformidade da norma do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A. face ao artigo 268º, nº 4, da Constituição, é necessário que essa norma impugnada durante o processo haja sido efectivamente aplicada nesse processo e em tal aplicação se consubstancie uma dada interpretação do preceito que seja contrastante com a garantia constitucional em causa.
Ora, conforme já atrás se viu, o S.T.A. entende que a norma em causa, a do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A., não foi aplicada no processo, pelo que não caberia curar da sua constitucionalidade nesta sede. Esse é o sentido do acórdão de 30 de Junho de 1992, do despacho do relator no S.T.A. de fls. 8 e do acórdão da conferência que confirmou este despacho de 20 de Outubro de 1992.
Mas, se as coisas assim são, cumpre perguntar então qual terá sido a base legal em que se firmou a decisão do S.T.A. de 30 de Junho de 1992 ? É que do respectivo conteúdo resulta que o único preceito invocado é precisamente o do nº 4 do artigo 268º da Constituição, com base no qual se concluiu que, não sendo o acto em causa, enquanto acto confirmativo, lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, dele não se poderia tomar conhecimento em sede de recurso contencioso de anulação.
4. É bem sabido que a garantia do recurso contencioso tem sido identificada, quer pela doutrina quer mesmo pela própria jurisprudência constitucional, como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, de tal forma beneficiando, por força do disposto no artigo 17º da Constituição, do específico regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias constante do artigo 18º da Constituição. Nesse contexto, bem se poderá compreender que o preceito constitucional em causa goza da aplicabilidade directa e da especial vinculação das entidades públicas, constante do nº 1 do citado artigo 18º, entre estas se integrando, naturalmente, os tribunais. Logo, do ponto de vista constitucional, nada impede, antes resulta da especial força vinculante dos direitos em causa, que um tribunal recorra directamente a um preceito constitucional atinente a direitos, liberdades e garantias (ou a direitos de natureza análoga) e, com base nele, 'construa' uma decisão judicial que acabe por ser, em si mesma, independente de qualquer concreto preceito legal comum.
Mas, se assim acontecer, deverá de tal facto decorrer que fica vedada a via de acesso ao Tribunal Constitucional em sede de recurso de constitucionalidade por não ter havido aplicação no processo da norma (legal) reputada como inconstitucional ?
A resposta só pode ser negativa.
Na realidade, quando um tribunal é confrontado com uma dada situação da vida cumpre-lhe, em primeira linha, determinar o quadro normativo aplicável, através de uma operação de subsunção dos factos no direito. O juiz move-se, assim, num primeiro momento e essencialmente no quadro da lei, embora a escolha da moldura normativa operante envolva, por força do artigo 207º da Constituição, concomitantemente uma opção valorativa àcerca do próprio direito aplicável, centrada na sua validade constitucional. A que o tribunal tanto pode ser chamado por iniciativa das partes, como oficiosamente, atendendo à específica natureza do controlo difuso da constitucionalidade acolhido no nosso texto constitucional
(na tradição, aliás, da Constituição de 1911, que introduziu entre nós tal tipo de controlo).
Esta 'vinculação' do julgador aos critérios da Constituição (seja em relação a normas, seja em relação a princípios, como postula o artigo 207º) será ainda mais particularmente efectiva quando se tratar de julgamentos que envolvam a garantia e protecção de direitos, liberdades e garantias ou de direitos de natureza análoga, a cuja aplicação directa e imediata vinculação o legislador constitucional quis conferir um especial distinguo.
Neste contexto, o juiz, valorando a conformidade de normas legais face aos preceitos constitucionais atinentes a direitos, liberdades e garantias, pode optar ou por uma interpretação da norma que se mostre conforme ao sentido normativo dos direitos em causa, ou, quando tal se mostre de todo impossível ou inaplicável ao caso, pela pura e simples desaplicação da norma por desconformidade com a Constituição.
Neste último caso, o juiz terá que resolver a situação com base no quadro legal antecedente, que deva ter por repristinado em função da decisão de desaplicação da norma reputada inconstitucional, ou, em caso de lacuna no ordenamento ou de insanável contradição do quadro legal antecedente com a Constituição, aplicará 'directamente' e segundo um modelo 'substitutivo' o pertinente preceito constitucional de forma directa.
Mas, tratando-se de uma operação de 'aplicação directa' da Constituição, enquanto expressão da salvaguarda e da prevalência dos direitos, liberdades e garantias, por via de regra, e salvo casos excepcionais destinados essencialmente a preencher lacunas no ordenamento jurídico, a acção do julgador acabará por corresponder, na sua essência, a uma desaplicação (ainda que meramente implícita) de uma ou mais normas legais (com fundamento na sua inconstitucionalidade), pois que a directa invocação/aplicação da Constituição visa 'criar', a partir e no contexto da própria lei fundamental, o 'direito' aplicável ao caso num sentido que se prefigura como o mais conforme à força vinculante dos direitos, liberdades e garantias, sentido esse que não poderia ser cabalmente alcançado mediante o mero recurso aos pertinentes preceitos legais.
5. Revertendo ao caso concreto, o acórdão do S.T.A. reconhece expressamente que recorreu directamente ao nº 4 do artigo 268º da Constituição, pelo que teria prescindido do 'crivo' do artigo 25º da L.P.T.A. para efeitos de cotejar a natureza (confirmativa) do acto com um critério (constitucional) atinente à recorribilidade dos actos administrativos, não o critério (em certa medida visado pelo reclamante) da definitividade e executoriedade do acto (este sim, desde 1989, com mero assento legal na L.P.T.A.), mas antes o da eficácia lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos e entendeu, consequentemente, que os actos confirmativos não são aptos a provocarem tal lesão, por não inovarem na situação jurídica subjectiva dos particulares, pelo que seriam de ter por contenciosamente inimpugnáveis.
Ou seja, o S.T.A. não negou provimento ao recurso por não estar em causa um acto administrativo (já que a referência ao acto confirmativo como acto não-administrativo ['no sentido de conduta que produz efeitos de direito'] surge, na economia do acórdão, como um mero 'obiter dictum', assente numa opinião doutrinária, reportada a SÉRVULO CORREIA ('Noções de Direito Administrativo', vol. I pág. 346), mas sim porque sendo um acto administrativo de natureza meramente confirmativa não se podia ter por lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, logo não podia beneficiar da garantia constitucional do recurso contencioso constante do nº 4 do artigo 268º da Lei Fundamental.
Neste contexto, quando o julgador fixa o quadro normativo aplicável, acaba por entender que se torna imprestável, no caso, a avaliação sugerida pelo artigo 25º da L.P.T.A., logo o recurso aos critérios da 'definitividade' e da
'executoriedade', porquanto 'anteriormente' ou 'prevalentemente' a tal critério colocava-se o da natureza 'lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos', o qual, desde logo, o acto confirmativo não preenchia.
Compreende-se, sem dificuldade, que nesta lógica as coisas se tenham passado da forma descrita. E não parece passível de censura que o julgador, sentindo-se directamente vinculado à Constituição, tenha actuado como actuou. Só que não se pode deixar de ponderar se tal conduta não coenvolve uma opção quanto
à relevância, para o caso, do próprio artigo 25º da L.P.T.A.. Dito de outro modo, se é possível definir o quadro normativo aplicável ao caso prescindindo totalmente do aludido artigo 25º ou da consideração da sua conformidade à Constituição (ainda que implicitamente) para lograr os efeitos efectivamente alcançados.
6. É que importa desde logo ter em linha de conta que a decisão de que o ora reclamante pretende recorrer assenta numa 'qualificação' jurídica quanto à natureza (confirmativa) do acto em causa, de raiz doutrinária e progressiva sedimentação jurisprudencial, para cujos contornos, desde sempre, relevaram de maneira soberana os critérios da 'definitividade' e da
'executoriedade', critérios esses que, desde 1989, deixaram de ter efectivamente expresso assento constitucional.
Recorde-se, a este propósito, o ensino de Marcello Caetano, para quem os actos confirmativos (ou seja, aqueles que têm por objecto actos definitivos anteriormente praticados) constituíam uma categoria de 'actos não-executórios', uma vez que 'quando um novo acto se limita a confirmar outro acto anterior que seja executório, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo, a confirmação equivale a mandar executar esse acto ou prosseguir a sua execução. De forma que o acto confirmativo não tem força executória própria'
('Manual de Direito Administrativo, Tomo I, pág. 452).
Esta concepção foi objecto de apreciação crítica de FREITAS DO AMARAL, que entendeu que 'se o acto (meramente) confirmativo equivale a mandar executar ou prosseguir a execução de um acto anterior, é óbvio que tem força executória própria. Tal acto é, pois, quanto a nós, um acto executório. O que não é, é definitivo (horizontalmente), porque se limita a confirmar outro acto anterior, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo' ('Direito Administrativo', vol. III, Lisboa, 1985, pág. 221).
A que logo acrescenta:
'Para que um acto administrativo possa ser como tal qualificado
[meramente confirmativo] - e, portanto, seja considerado não definitivo e, por isso, contenciosamente irrecorrível - é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
- que o acto confirmado fosse definitivo;
- que esse acto (o definitivo) fosse do conhecimento do interessado, de modo a poder recorrer-se dele;
- e que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.
Assim, se não houver identidade de sujeitos, de objecto e de decisão, o segundo acto não será confirmativo nem meramente confirmativo, mas antes um acto novo, modificativo do primeiro, e portanto definitivo.'
Conforme resulta destas duas opiniões doutrinárias, ambas convergentes quanto à irrecorribilidade do acto confirmativo, no sentido e com o alcance fornecido pelos autores citados, inerente à qualificação da natureza de tal tipo de actos está ou a sua 'não-executoriedade' ou a sua
'não-definitividade', logo os critérios postulados pelo artigo 25º da L.P.T.A. e em torno dos quais se construiu, entre nós, todo o contencioso directo de anulação dos actos administrativos.
Versando esta temática, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, 'Direito Administrativo', vol. I, Coimbra, 1980, pág. 410 e ss., aponta para uma interpretação próxima da de FREITAS DO AMARAL quanto à 'não-definitividade' do acto confirmativo, mas distingue entre os actos confirmativos inimpugnáveis e os que, ainda que confirmativos, deveriam, mesmo assim, comportar recurso contencioso, como nos casos em que 'a lei admite que, possa reclamar-se de um a.a. definitivo perante o seu autor, o qual fica juridicamente vinculado a proceder a um reexame da situação para averiguar se a ponderação de interesses, que o acto confirmado traduz, é, do ponto de vista factual e jurídico, oportuna e legal.'
A este propósito escreve (op. cit., pág. 412):
'Tendo-se reapreciado ou reavaliado (...) a situação concreta e os interesses nela envolvidos, estamos perante a prática de um novo acto administrativo cujo efeito pode consistir na renovação do acto anterior, mas também na sua reforma ou revogação.
Quer dizer que, neste caso, o acto confirmativo, envolvendo uma nova ponderação e manifestação de vontade da Administração, é um acto diferente do acto confirmado, mesmo que, eventualmente, os dois correspondam em todos os seus elementos.
Daí que o acto confirmativo possa ser objecto de impugnação, assim como o pode ser o acto confirmado: só que, enquanto a anulação do acto confirmativo abrange o acto confirmado, a anulação deste deixa intocado o acto confirmativo, o qual subsiste na ordem jurídica'.
7. A 'omnipresença' dos critérios da 'definitividade' e da
'executoriedade' quanto à caracterização da natureza dos actos e sua recorribilidade projectou-se no próprio texto constitucional, (artigo 269º, nº
2, da versão originária - 'é garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, definitivos e executórios'-), e logo no processo da primeira revisão constitucional várias vozes se ergueram para pôr em causa a solução constitucional.
Com efeito, desde logo especialmente crítico em relação à solução constitucional era o ensino de ROGÉRIO EHRHARDT SOARES ('Direito Administrativo
- Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, ed. policopiada, Coimbra, 1978), centrado na ideia da lesão de direitos e interesses, onde, a propósito da matéria do acto confirmativo, se invocavam razões de certeza em favor da Administração e de terceiros para excluir do aludido recurso os citados actos, exclusão esta a que ' a nossa doutrina aplica mais uma vez o conceito de acto não-executório'.
Contudo, acrescentava este autor (pág. 203):
'Também aqui não nos parece ser esse o processo adequado para se alcançar o efeito pretendido. De facto, só pode interpor recurso contencioso o titular de um interesse atingido pelo acto. Ora precisamente acontece que a violação do interesse do particular foi produzida pelo acto confirmado, limitando-se o acto confirmativo a manter as disposições anteriores. De resto, deve recordar-se que os actos confirmativos não são actos administrativos, por não conterem uma estatuição autoritária'.
Na senda desta orientação, um pouco mais tarde, em 1981, ANTÓNIO BARBOSA DE MELO, J.M. CARDOSO DA COSTA E J.C. VIEIRA DE ANDRADE, ('Estudo e Projecto de Revisão da Constituição da República Portuguesa de 1976', Coimbra,
1981, pág. 291 e 292), opinaram no sentido de o preceito constitucional em causa passar a ter uma redacção diferente ( 'É garantido aos cidadãos o recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer decisões ou deliberações administrativas que lesem os seus direitos ou interesses legítimos'), tendo justificado tal proposta da seguinte forma:
' 1) Com a alteração do nº 2 do actual artigo 269º, tem-se em vista melhorar a redacção e alargar o âmbito desta garantia dos cidadãos em face da Administração.
Deixa de fazer-se referência à categoria de 'actos definitivos e executórios', não tanto (não só) em virtude das críticas que dogmaticamente lhe podem (com justiça) ser dirigidas, mas por levar a uma interpretação restritiva ou deformante da garantia contenciosa em causa.
O princípio constitucional que importa consagrar é o da sindicabilidade de toda a actividade administrativa que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados. É esse o conteúdo material da disposição proposta.
Cabe, depois, à lei ordinária desenhar o sistema de protecção que considere mais adequado, no respeito deste princípio, entendido, como garantia mínima.
Assim, poderá estabelecer que a via jurisdicional é a comum, criar tribunais especializados, ou ainda repartir por diversos tipos de tribunais, segundo critérios seus, a competência para julgamento das questões.
Poderá prever apenas o recurso de anulação dos actos administrativos ou alargar os poderes do juiz, prescrevendo recursos de plena jurisdição ao menos em certas matérias ou circunstâncias. Poderá ainda a lei disciplinar os recursos e acções, definindo requisitos processuais de maior ou menor amplitude, desde que, por essa via, não afecte o conteúdo essencial da garantia.
Fica aberta, por último, à lei a possibilidade de graduar o volume do controlo abstracto dos actos normativos da Administração (regulamentos).
2) Em face do preceito, redigido nos termos propostos, ficam abrangidas pela garantia todas as modalidades de protecção contenciosa, fixando-se-lhe, além disso, um conteúdo determinado mínimo.
A garantia funciona, assim, sempre que haja uma lesão efectiva dos direitos ou interesses legítimos dos administrados, ficando proibida à lei a exclusão de certos actos ou categorias de actos do seu âmbito ou a limitação abusiva, injustificada ou desproporcionada deste'.
Por seu turno, JORGE MIRANDA ('Um Projecto de Revisão Constitucional', Coimbra, 1980), adiantou uma solução diversa, menos centrada na eliminação dos requisitos de 'definitividade' e 'executoriedade' e mais vocacionada quer para o enfoque da lesão efectiva de direito e interesses quer para a pretendida eliminação da restrição do fundamento do recurso à ilegalidade, conforme resulta do preceito que então porpôs: 'É garantido aos interessados recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios que violem os seus direitos ou lesem os seus interesses legítimos'.
Justificava este autor a sua proposta da seguinte forma (op. cit., pág. 176):
'O nº 2 proposto representa um importante avanço em confronto com o nº 2 actual, visto que, extraindo do princípio da tutela jurisdicional dos direitos todas as suas consequências, garante recurso contencioso com fundamento não apenas em ilegalidade do acto administrativo mas também em violação de quaisquer direitos ou em lesão de interesses legítimos dos cidadãos. Neste sentido, já se tinha pronunciado a Câmara Corporativa aquando da revisão constitucional de 1971 (ver 'Actas', nº 67, de Março de 1971, págs. 630-631)'.
A solução adoptada na primeira revisão constitucional situa-se, pois, sobretudo, mais na continuidade da proposta de JORGE MIRANDA do que na de BARBOSA DE MELO, CARDOSO DA COSTA E VIEIRA DE ANDRADE, tendo-se aditado, no nº 3 do artigo 268º, a referência à recorribilidade dos actos 'independentemente da forma', mantendo-se, contudo, no nº 2 do mesmo preceito, o crivo do fundamento em ilegalidade e a caracterização do acto recorrível como o acto 'definitivo e executório', na senda, como vimos, do ensino de MARCELLO CAETANO. Em 1982, previu-se também, em termos não totalmente concludentes, a possibilidade de
'recurso' para 'obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido'.
As alterações introduzidas pela segunda revisão constitucional, de
1989, se bem que na continuidade das de 1982, podem considerar-se mais próximas da proposta de BARBOSA DE MELO, CARDOSO DA COSTA E VIEIRA DE ANDRADE, atrás referida. Com efeito, nos projectos de revisão apresentados pelo CDS, pelo PCP e pelo PS, desaparecia a referência à 'definitividade' e à 'executoriedade' como critérios delimitadores do acto impugnável e visava-se centrar o contencioso no carácter lesivo dos actos ( chegando os projectos do CDS e do PCP a propor a eliminação da referência ao 'fundamento de ilegalidade').
O preceito em causa acolheu as aludidas propostas quanto à eliminação da 'definitividade e executoriedade', o que foi apresentado por RUI MACHETE (in 'Diário da Assembleia da República', II Série, nº 55-RC, de 7 de Novembro de 1988, pág. 1740), nos seguintes termos:
' Isto é, faz-se recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de ele lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos. Isto não é uma modificação tão substancial quanto à primeira vista parece, mas o que se pretende é evitar algo, que foi muito nítido na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e também um pouco na dogmática portuguesa, mas sobretudo na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e que foi o de, ao formalizar excessivamente as características da definitividade e da executoriedade do acto, como nessa altura se entendia, acabar por diminuir as garantias de defesa do administrado, reduzindo as possibilidades de recurso contencioso. Isto é, ao aceitar que o acto definitivo e executório é um tipo rigorosamente definido por notas de carácter formal, veio-se a excluir a recorribilidade em relação a actos que não obedeciam a esse tipo assim rigorosamente definido'.
Comentando o sentido destas alterações, escreveu ANTÓNIO VITORINO
('Prefácio à Constituição da República Portuguesa', Lisboa, 1989, pág. XCIV-XCV):
'No novo nº 4 abandonou-se a referência a 'actos administrativos definitivos e executórios', passando a estabelecer-se mais genericamente que o recurso contencioso cabe de quaisquer actos administrativos, desde que eles lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. A solução encontrada pretende ultrapassar algumas dificuldades geradas pelas diferentes interpretações das características de executoriedade e definitividade do acto administrativo expressas abundantemente quer na doutrina quer na jurisprudência, pretendendo assim não excluir do contencioso administrativo actos que, embora de qualificação duvidosa, efectivamente produzam o resultado que se pretende reprimir: afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. E também nesta inovação se pode reconhecer uma assinalável preocupação de comprometer de forma mais decisiva o contencioso administrativo numa via de ductilização das suas formas processuais, tendo em vista a preocupação de garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados contra os actos administrativos que, independentemente da forma, os lesem ou afectem'.
Também JOSÉ MAGALHÃES ('Dicionário da Revisão Constitucional', Lisboa, 1989, pág. 20) sublinha a este propósito a 'ampliação da possibilidade de recurso contencioso contra actos ilegais (mesmo que não definitivos e não executórios) lesivos de direitos ou (o que é também novo) interesses legalmente protegidos (artº 268º/4). Quebra-se assim a histórica barreira formalista que impediu durante anos os administrados de atacarem um acto claramente ilegal, antes de a Administração ter concluído as 'fases preparatórias' e antes de ao mesmo ser conferido carácter executório'.
Sobre a evolução que temos vindo a tratar, cite-se MÁRIO DE ARAÚJO TORRES, 'A garantia constitucional do recurso contencioso' in 'Scientia Iuridica', XXXIX, nº 223/228, 1990, pág. 47-48, quando afirma:
'Como tentei demonstrar, a noção de actos administrativos definitivos e executórios, quer na revisão de 1971 da Constituição de 1933, quer na Constituição de 1976, na versão originária e na versão de 1982, consagra a concepção que fora preconizada por MARCELLO CAETANO, e acolhida pela jurisprudência.
Partindo desse pressuposto, a nova redacção do correspondente preceito constitucional introduzida pela revisão de 1989 - como resulta das justificações das propostas de alteração, do debate parlamentar e dos citados comentários de activos interventores no processo de revisão - tem o claro significado de ampliação do âmbito do recurso contencioso: os 'actos administrativos' contenciosamente impugnáveis são mais do que os 'actos administrativos definitivos e executórios' de que se falava anteriormente.
Que actos são esses ? São todos os actos lesivos, que, mesmo que não sejam definitivos e executórios, são contenciosamente impugnáveis.
Nesta perspectiva, se a fórmula 'actos administrativos definitivos e executórios', usada no artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, tiver o sentido tradicional, como me parece que tem, essa norma será inconstitucional, na medida em que tem um conceito de acto administrativo recorrível mais restrito do que o que foi consagrado na segunda revisão constitucional'.
8. Feito este percurso sobre a evolução do quadro constitucional relevante, importa agora reganhar o caso em apreço.
A decisão judicial recorrida, formulada nos termos atrás indicados, não pode deixar de ter consequências quando vistas as coisas na óptica da aplicabilidade do artigo 25º da L.P.T.A..
Com efeito, o ora reclamante sempre expressou o entendimento segundo o qual o artigo 25º da L.P.T.A. era inconstitucional enquanto apenas permitia que fossem recorríveis os actos administrativos definitivos e executórios, não revestindo tal natureza os actos confirmativos, fosse por não serem executórios fosse por não serem definitivos.
E embora o S.T.A. decida contrariamente à sua pretensão, o acórdão em causa implicitamente dá-lhe razão quanto à alegada improcedência constitucional do quadro do artigo 25º da L.P.T.A. para resolver o problema em causa. É que, de facto, para além de à luz do artigo 25º o acto não ser recorrível, o S.T.A. considera que aquele preceito legal não esgota o quadro normativo aplicável à solução da questão suscitada pelo recorrente.
Embora o acórdão do S.T.A. entenda que a solução a que chegou o dispensou de apreciar ('expressis verbis') a conformidade constitucional do aludido preceito legal, o que o Tribunal na verdade fez foi desaplicar
(implicitamente) a norma do artigo 25º da L.P.T.A. e socorrer-se directamente do preceito constitucional que assim funcionou como parâmetro e fundamento de tal desaplicação, para resolver o caso em apreço.
Dito de outro modo: em termos de julgamento quanto à admissibilidade de um recurso versando um acto administrativo meramente confirmativo, o S.T.A. optou por evitar uma abordagem expressa e directa da questão da eventual inconstitucionalidade (superveniente) do artigo 25º da L.P.T.A. (a qual é defendida, entre outros, por ROGÉRIO ERHARDT SOARES - 'O acto administrativo' - in 'Scientia Juridica', XXXIX, nº 223/228, 1990 e por MÁRIO DE ARAÚJO TORRES -
'A garantia constitucional' cit.), decorrente da eliminação, no texto constitucional, dos requisitos de 'definitividade' e de 'executoriedade' dos actos como pressupostos de recorribilidade, e procedeu, em 'substituição' do pertinente preceito legal a uma aplicação directa do preceito constitucional, deste modo afastando-se dos critérios legais da 'definitividade' e da
'executoriedade' do acto como elementos balizadores da admissibilidade do recurso e avançando para o critério da 'lesão efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos' como critério de apreciação da pretensão do requerente. A tal luz o acto confirmativo deixa de ser irrecorrível por não ser definitivo ou por não ser executório, mas continua a ser irrecorrível, por não ser lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Vistas as coisas nesta perspectiva, o S.T.A. entendeu, portanto, que, se a pretensão do recorrente não poderia sequer proceder à luz do critério mais permissivo ( do artigo 268º, nº 4, da Constituição), desnecessário se tornaria verificar se ela poderia proceder à luz do critério mais restritivo (o da L.P.T.A.). Mas este entendimento traduz-se precisamente na efectiva desaplicação - ainda que por forma implícita e não assumida - da norma do nº 1 do artigo 25º da L.P.T.A., com fundamento em inconstitucionalidade, e na aplicação directa, em sua substituição, do correspondente preceito constitucional.
Neste contexto, improcede a argumentação do acórdão de 20 de Outubro de 1992, pois que, num primeiro momento, o que de facto ocorreu foi uma desaplicação, ainda que implícita, da norma impugnada, caso em que caberia recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na alínea a), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso esse obrigatório para o Ministério Público, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 72º da mesma Lei nº
28/82.
9. Sem embargo, embora pudesse caber recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do S.T.A. de 30 de Junho de 1992, e o mesmo até fosse obrigatório para o Ministério Público, a presente reclamação, contudo, não pode considerar-se procedente, ainda que por fundamento diverso ao que presidiu à rejeição pelo S.T.A. do recurso intentado pelo ora reclamante.
Com efeito, o reclamante pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento no disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, ou seja, com fundamento na inconstitucionalidade de norma aplicada na decisão recorrida e cujo vício de desconformidade à Lei Fundamental havia sido suscitado pela parte durante o processo.
Só que, como se viu, o que se passou foi bem diferente: o S.T.A. não aplicou a norma impugnada ( o artigo 25º da L.P.T.A.), antes a desaplicou - ainda que apenas implicitamente - resolvendo o litígio em causa por apelo directo ao preceito constitucional que se mostrava pertinente (o artigo 268º, nº
4, da Constituição).
Assim sendo, o recurso de constitucionalidade que cabia da aludida decisão só poderia ser interposto ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, ou seja, recurso de decisão que haja recusado a aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade - isto supondo que o ora reclamante tivesse para o efeito legitimidade (cfr. artº 72º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82). Uma vez que o reclamante invocou a alínea b) e não a alínea a) e que não cabe ao Tribunal Constitucional convolar o pedido assim formulado, impõe-se inexoravelmente que a presente reclamação não possa ser deferida.
Refira-se ainda que este obstáculo inultrapassável constitui o fundamento da decisão do Tribunal e não a questão do interesse jurídico no conhecimento do pedido. Com efeito, a construção da decisão recorrida, assente na contraposição entre um critério pretensamente mais restritivo - o da L.P.T.A.- e um critério mais permissivo - o da Constituição - não retira, por si só, interesse à questão de constitucionalidade decorrente da desaplicação do artigo 25º da L.P.T.A.: é que se o Tribunal Constitucional infirmasse a conclusão (implícita) da decisão recorrida quanto à inconstitucionalidade do artigo 25º da L.P.T.A., está bem de ver que, daí decorrendo que a norma em causa deveria ser aplicada ao caso, decerto seria inelutável a improcedência da pretensão do ora reclamante quando cotejada com os apertados critérios da definitividade e da executoriedade do acto; mas, pelo contrário, se o Tribunal Constitucional viesse a coonestar aquele implícito juízo de inconstitucionalidade, então não poderia concomitantemente deixar de aferir a conformidade à Constituição da interpretação acolhida pela decisão recorrida quanto ao alcance do preceito constitucional aplicado substitutivamente. E se, por hipótese, o sentido do preceito constitucional fosse o de abranger no conceito constitucional de actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos alguns ou todos os actos confirmativos, daí decorreria, como efeito da decisão do Tribunal Constitucional, a necessidade de reformar a decisão recorrida, pelo que sempre se pode dizer que haveria um interesse jurídico relevante no conhecimento do recurso.
Ponto é que, contudo, o mesmo tivesse sido adequadamento interposto, o que, como atrás se demonstrou, não sucedeu. Pelo que, embora por fundamento diverso do invocado na decisão impugnada, não pode o recurso de constitucionalidade ser admitido.
III
Termos em que se decide indeferir a reclamação, condenando-se o reclamante em custas, sendo fixada a taxa de justiça em 4 Uc's.
Lisboa 8 de Março de 1994
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Armindo Ribeiro Mendes
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa