Imprimir acórdão
Proc. nº 31/91
1ª Secção Rel. Cons. António Vitorino
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa da deliberação de 30 de Julho de 1986, da Câmara Municipal B., que, decidindo recurso hierárquico, a excluiu do concurso de provimento para a categoria de desenhadora projectista principal.
Com efeito, a recorrente, desenhadora de 2ª classe de Obras Públicas e Transportes de Angola, por despacho de 20 de Dezembro de 1975, havia sido integrada no Quadro Geral de Adidos, com efeitos desde 1 de Setembro do mesmo ano. Desde 12 de Julho de 1979 que passara a exercer funções de desenhadora de
2ª classe na Câmara Municipal B. (C.M.B.), em regime de requisição, tendo posteriormente, por deliberações da mesma Câmara de 3 de Setembro de 1980 e de 7 de Janeiro de 1981, passado a integrar o quadro daquela autarquia local, como desenhadora de 2ª classe, sem possuir o curso geral do ensino secundário ou equiparado.
Por deliberação da C.M.B. de 24 de Março de 1982, a recorrente foi provida no lugar de desenhadora de 1ª classe, tendo tomado posse a 12 de Maio do mesmo ano e, face à publicação do Decreto-Lei nº 406/82, de 29 de Setembro, foi reclassificada como desenhadora projectista de 1ª classe.
Por aviso de 13 de Janeiro de 1986, a C.M.B. abriu concurso interno para provimento de três lugares de desenhador projectista principal, tendo a recorrente sido excluida da lista provisória pelo respectivo júri, em reunião de
21 de Março de 1986, por não reunir 'as habilitações literárias exigidas pelos Decretos-Leis nºs 466/79 e 406/82 e, por consequência, não possuir os requisitos legais referidos no nº 2 do artigo 26º do Decreto Regulamentar nº 68/80'.
A recorrente interpôs recurso desta deliberação para a C.M.B. com o fundamento de já estar integrada na carreira, pelo que a falta de habilitações não a poderia impedir de ser admitida na categoria de desenhador projectista principal.
Tendo a C.M.B. solicitado parecer sobre o assunto ao Ministério do Plano e da Administração do Território, o Director-Geral da Administração Autárquica remeteu àquela Câmara parecer no sentido de não poderem ser admitidos ao concurso em causa os desenhadores que não fossem detentores das necessárias habilitações. Em face do que a C.M.B. deliberou, em reunião de 30 de Julho de
1986, negar provimento ao recurso interposto pela recorrente.
2. A recorrente A. recorreu desta deliberação camarária para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que negou provimento ao recurso, pelo que, inconformada com tal decisão, a recorrente interpôs recurso daquela decisão, desta feita para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, invocando nas alegações que então ofereceu que 'o artigo 6º, f) do Decreto Regulamentar nº
68/80, de 4 de Novembro, colidente com o artigo 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho (cfr. tb. Despacho Normativo nº 335/79, de 25 de Novembro), e com os artigos 31º, 32º e 41º do Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, está ferido de inconstitucionalidade orgânica e material'.
Apreciando este recurso, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo:
'Finalmente, deveremos considerar a afirmação contida nas conclusões das alegações da recorrente, segundo a qual o artº 6º, alínea f) do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, estaria ferido de inconstitucionalidade orgânica e material.
Sobre essa conclusão o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no parecer acima referido, nos seguintes termos:
'Quanto à hipotética 'inconstitucionalidade material e orgânica' do artigo 6º, f) do Dec. Reg. nº 68/80, de 4 de Novembro, certo é que a recorrente em parte alguma concretiza as razões de direito que fundariam tal arguição - e, aliás, não se vê que o preceito afronte a Constituição, não parecendo que ele colida com qualquer dos normativos citados no artº 5º das alegações'.
Ora não podemos deixar de concordar com esta objecção, feita à aludida conclusão das alegações da recorrente.
No fundo, aquilo que a recorrente pretende está expresso na conclusão
1ª das alegações:
' 1. O artigo 6º, f) do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, colidente com o artigo 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho
(cfr. tb. Despacho Normativo nº 335/79, de 25 de Novembro), e com os artigos
31º, 32º e 41º do Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, está ferido de inconstitucionalidade orgânica e material'.
Sucede, no entanto, que não existe qualquer colisão entre aquele artigo 6º e sua alínea f) do Decreto Regulamentar nº 68/80 [ decerto por lapso escreveu-se no acórdão 'do Decreto-Lei nº 191-C/79'] e os outros preceitos legais referidos na conclusão 1ª acima transcrita, não se vendo também qual seria o preceito violado da Constituição da República, que a recorrente, aliás, não indicou, nem na fundamentação das alegações, nem nas respectivas conclusões.
Improcede, portanto, tal conclusão de estar ferida de inconstitucionalidade o referido artigo 6º e sua alínea f).'
3. Deste acórdão do S.T.A. A. deduziu o presente recurso de constitucionalidade, em cuja petição se pode ler:
'Para os efeitos do artº 75º-A, nº 2, da Lei Orgânica, a Recorrente indica que o citado artº 6º, f), do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, enquanto, a seu ver, colide com o artº 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho (tomado, aliás, ao abrigo de autorização legislativa), conjugadamente com os artºs 31º, 32º e 41º do Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, está ferido de inconstitucionalidade, por ofensa dos artºs 13º, 115º,
167º, m), primeira parte, e 280º, nº 1, da Constituição, na sua versão originária.'
Alegando neste Tribunal, a recorrente referiu designadamente que a situação de requisição em que se encontrava desde 12 de Julho de 1979 na Câmara Municipal B. 'foi constituída ao abrigo do Decreto-Lei nº 389/78, de 12 de Dezembro - ou seja, 'para satisfação, por tempo indeterminado, de necessidades' da Câmara Municipal B.', tendo mantido a sua categoria no Quadro Geral de Adidos e 'passou a gozar no serviço utilizador (...) de todas as regalias inerentes ao lugar ocupado (cfr. artº 36º do Decreto-Lei nº 294/76, de 24 de Abril). Deste modo, quando entrou em vigor o Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro (cfr. artº 44º) já a Recorrente, em regime de requisição, se encontrava colocada na C.M.O. como desenhadora de 2ª classe - gozando, portanto, de todas as regalias inerentes a este lugar (cfr. artº 36º, nº 2, b) do Decreto-Lei nº 294/76, de 24 de Abril).'
Noutro passo das mesmas alegações, a recorrente refere que 'como se pode ver do preâmbulo do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, visou-se, entre outros objectivos, 'estabelecer regras comuns para o ingresso e acesso na carreira sem impedir a verificação de requisitos especiais considerados indispensáveis em função das tarefas a desempenhar', donde extrai a conclusão de
'ter havido uma intenção muito precisa do legislador no sentido de limitar o ingresso na carreira técnico-profissional dos detentores daquelas habilitações, excluindo dessa carreira os não possuidores dessas habilitações', o que 'não resolve o problema daqueles que já se encontravam integrados em carreiras'. Ao que acrescenta que 'para estes, face ao artº 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de
25 de Junho, ficaram salvaguardados os seus direitos, designadamente o de acesso na respectiva carreira [cfr. Parecer da Procuradoria-Geral da República nº
36/80, de 19/4/80 (in 'BMJ', 300º, págs. 113 e segs.) - orientação que, aliás, veio a ter consagração legal!].'
Tendo em vista a aplicação do Decreto-Lei nº 191-C/79 à administração local, foi emitido o Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, o qual, refere a recorrente '[reproduz no] seu artº 38º, nº 1, o normativo do artº 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho - autenticamente interpretado pelo Decreto-Lei nº 329-A/85, de 9 de Agosto. E acrescenta no seu nº 2, o seguinte:
'aos funcionários providos em categoria que passe a integrar-se em carreiras ou para a qual passem a ser exigidas novas qualificações, são-lhes assegurados os direitos à carreira e à categoria.'
Desta circunstância a recorrente infere que ' a aplicação à administração local do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, operada pelo Decreto-Lei nº
466/79, de 7 de Dezembro, se fez respeitando a sua significação, no que tange à
'salvaguarda de direitos' dos já integrados em carreiras [ cfr. para a Recorrente, nº 1 do Despacho Normativo nº 335/79, de 25 de Novembro (visto à luz da doutrina do citado Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 36/80), artº
36º, nº 2, b), do Decreto-Lei nº 294/76, de 24 de Abril, e artº 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 389/78, de 12 de Dezembro].
A esta luz, o artº 6º, nº 1, f), do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, na interpretação e aplicação que lhe foi dispensada, colide, sem que para tanto disponha de credencial parlamentar, com o artº 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, o qual, como exposto, era aplicável à administração local.
E do mesmo passo, ofende o princípio constitucional da igualdade (aliás, respeitado no artº 36º, nº 2, b) do Decreto-Lei nº 294/76, de 24 de Agosto).'
Daí que a recorrente conclua que 'por ofensa, designadamente, aos artºs
13º, 115º e 167º, m), primeira parte, e 280º, nº 1, da Constituição, na sua versão originária, o artº 6º, nº 1, f) do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro [ por lapso decerto escreveu-se Dezembro], na interpretação e aplicação que dele foi feita, está ferido de inconstitucionalidade material e orgânica.'
4. Contra-alegando, a Câmara Municipal B. depois de referir que a recorrente se reporta à versão originária da Constituição quando os actos administrativos em causa foram praticados já na vigência do texto constitucional revisto em 1982, sublinha que o Decreto Regulamentar nº 68/80 'dimanou do Governo ao abrigo do artigo 202º, c) da Constituição, ou seja, ao abrigo da sua competência administrativa e na sequência do D.L. nº 466/79, de 7 de Dezembro, que prevê expressamente a sua regulamentação posterior. E este D.L. aplicou à Administração Autárquica, com as devidas adaptações, os princípios definidos pelo D.L. nº 191-C/79 de 25 de Junho. Tanto um como outro destes decretos foram publicados no uso da autorização legislativa conferida pela Lei nº 17/79, de 26 de Maio (cfr. artº 1º, nº 3 do D.L. nº 191-C/79).'
Para logo de seguida acrescentar que 'o que se exige de um decreto regulamentar é que este seja precedido de uma lei (em sentido lato), isto é,
'está sujeito ao princípio da legalidade, o que significa não existir exercício do poder regulamentar sem fundamento jurídico numa específica lei anterior
(...), princípio da precedência da lei' (Vital Moreira e Gomes Canotilho, in
'Constituição da República Portuguesa Anotada, 2º v.). O Decreto Regulamentar
[decerto por lapso escreveu-se D.L.] nº 68/80 satisfaz expressamente a dupla exigência constitucional referida no artº 115º, nºs 6 e 7, ao ser precedido pelo D.L. 466/79 de 7 de Dezembro e ao citar expressamente que é esse o diploma legal que lhe dá cobertura.' E assim concluir que 'não se vislumbra (...) qualquer ofensa ao artº 115º da Constituição. E só por lapso a Recorrente se pode ter referido a este preceito como existente na 'versão originária' da Constituição.
É que nela foi introduzido pela revisão de 1982.'
Aludindo seguidamente à questão da inconstitucionalidade material, refere a recorrida que, 'ao defender que o referido artº 6º, f) é inconstitucional, pela simples razão de exigir que os candidatos a determinado cargo tenham as habilitações necessárias para tal, a R. está a pretender colocar 'no mesmo saco' as pessoas que passaram anos da sua vida a estudar com vista a uma determinada qualificação e as pessoas que não têm essa qualificação. Ou seja, a R. está a subverter completamente o sentido e espírito do artigo que, se fosse aplicado e interpretado da maneira abusiva que a R. pretende, levaria a situações tão absurdas como a total desnecessidade de graus qualificados de ensino em Portugal, pois todos os cargos podiam ser ocupados por todos, independentemente de requisitos académicos.' Pelo que conclui não haver ofensa da Constituição,
'nem perante a Constituição de 1976, nem perante o seu texto revisto em 1982.'
Foram corridos os vistos legais. Passa-se, pois, a decidir.
II
1. Comecemos por delimitar com rigor o objecto do presente recurso. Está em causa a constitucionalidade da alínea f), do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, que se insere num preceito do seguinte teor:
'Artigo 6º
Requisitos gerais para admissão a concurso
Constituem requisitos gerais para a admissão a concurso e provimento:
a) Nacionalidade portuguesa, originária ou adquirida nos termos da lei;
b) Idade não inferior a 18 anos;
c) Sanidade mental e física para o desempenho das funções próprias do cargo;
d) Ausência de pena disciplinar ou de condenação por crime que inabilitem para o exercício de funções públicas;
e) Cumprimento dos deveres militares ou de obrigação de serviço equivalente;
f) Habilitações literárias ou técnico-profissionais legalmente exigidas para o desempenho das funções;
g) Bilhete de identidade válido.' [sublinhado nosso].
O Decreto Regulamentar nº 68/80 foi emitido, nos termos da alínea c) do artigo 202º da Constituição, e, conforme resulta do seu preâmbulo, ao abrigo do Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, que aplicou ao pessoal da Administração Local os princípios estabelecidos nos Decretos-Leis nºs 191-C/79 e 191-F/79, de
25 e 26 de Junho, respectivamente.
Por seu turno, o Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, emitido ao abrigo da autorização legislativa contida na Lei nº 17/79, de 26 de Maio, visava, conforme consta do seu preâmbulo, definir os princípios gerais a que deveria obedecer a estruturação de carreiras da Administração Central e dos institutos públicos que revestissem a natureza de serviços personalizados, bem como dos fundos públicos ( artigo 1º, nº 1 ), prevendo-se no nº 3, do mesmo artigo 1º, que 'a aplicação do presente diploma ao pessoal da Administração Local será feita mediante decreto-lei referendado pelos Ministros das Finanças e do Plano e da Administração Interna e pelo Secretário de Estado da Administração Pública.'
E o Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, emitido ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 201º da Constituição, veio a proceder a tal aplicação à Administração Autárquica, conforme expressamente se reconhece no seu preâmbulo.
No seu artigo 1º, nº 1, dispunha-se que 'o regime constante do presente diploma aplica-se ao pessoal dos governos civis, das administrações dos bairros de Lisboa e Porto, das assembleias distritais, das câmaras municipais e respectivos serviços municipalizados e das federações e associações de municípios', consagrando o nº 1, do artigo 2º, que 'as carreiras e categorias do pessoal das entidades e serviços referidos no nº 1 do artigo anterior são as constantes do anexo I ao presente diploma'.
Neste anexo I podemos encontrar no grupo 4 (pessoal técnico-profissional e administrativo) a carreira de 'Desenhador', comportando três categorias
(desenhador de 2ª classe, de 1ª classe e principal), a que correspondiam três distintas letras de vencimento (M, L e J, respectivamente), desempenhando as suas funções nos grupos de actividades 1 (Águas e electricidade), 9 (Serviços municipais de habitação) e 10 (Serviços técnicos de obras), a que correspondia, em termos de habilitações exigidas [alínea g)], a de 'curso geral do ensino secundário ou equiparado'.
O Decreto-Lei nº 466/79 viria a ser alterado pelo Decreto-Lei nº 406/82, de 27 de Setembro, em virtude do qual a carreira de desenhador deu lugar a duas novas carreiras, a de desenhador e a de desenhador-projectista, electrotécnico ou electromecânico (cfr. anexo IV), ambas com três categorias (2ª classe, 1ª classe e principal), pelo que, nos termos conjugados do seu artº 31º e anexo IV, introduzido pela nova redacção do Decreto-Lei nº 466/79, a recorrente foi reclassificada como desenhadora projectista, com a categoria de 1ª classe.
2. Invoca a recorrente que o Decreto Regulamentar nº 68/80 está ferido de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo 167º, alínea m), primeira parte, da versão originária da Constituição que versava sobre o
'regime e âmbito da função pública', matéria que passou a constar da alínea u), do nº 1, do artigo 168º da Lei Fundamental na redacção decorrente da primeira revisão constitucional e da alínea v) do mesmo preceito na redacção decorrente da segunda revisão constitucional, embora nestes dois últimos casos com um
âmbito de incidência distinto, uma vez que a reserva parlamentar (reserva relativa de competência legislativa) se reporta desde 1982 às 'bases do regime e
âmbito da função pública'.
Estando em causa um vício de inconstitucionalidade orgânica imputado a um diploma de 1980, evidente se torna que a sua apreciação terá que partir, em primeira linha, do texto constitucional vigente à data em que o referido diploma foi emitido, ou seja, ao texto da versão originária da Constituição de 1976 ( cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional nº 31/84, publicado no Diário da República, I Série, de 17 de Abril de 1984 e no 2º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, pág. 123 e ss.).
Assim sendo, a reserva parlamentar em causa versava, como se disse, sobre o 'regime da função pública', o que levava GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em anotação ao artigo 167º na 1ª edição da sua Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, pág. 335, a escreverem que '(...) a alínea m) (...) abrange não só o regime jurídico específico da função pública, mas também o
âmbito da sua aplicação', acrescentando quanto ao significado e alcance da reserva parlamentar (num momento, recorde-se, em que ainda não estava estatuída a destrinça entre reserva absoluta e reserva relativa):
'As leis da AR não têm que regular todo o regime jurídico de cada matéria. Podem restringir-se aos princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos, cabendo então ao Governo desenvolvê-los mediante decreto-lei (cfr. artº 201º/1/c e respectiva nota).
Parece, contudo, decorrer directamente do princípio da reserva de lei da AR, especialmente quando a Constituição não estabelece qualquer delimitação material entre domínio legislativo e domínio regulamentar, que nas matérias enunciadas no presente artigo, todo o regime jurídico é matéria de reserva de lei (lei da AR ou decreto-lei autorizado), não podendo elas ser objecto de regulamento (salvo nos casos expressamente previstos pela própria lei).'
Deste comentário resulta, portanto, que, à luz da versão originária da Constituição, não se podia entender, prima facie, que a Constituição proibisse de todo em todo o fenómeno da 'deslegalização' ou do reenvio ou remissão normativa, isto é, que obstasse a que matéria susceptível de ser tida como normação primária constasse apenas de regulamento, desde que para tal houvesse habilitação legislativa própria e expressa. Só no caso de a lei não proceder a tal habilitação ou reenvio expresso para acto regulamentar, sobre matéria abrangida pela reserva parlamentar, é que qualquer normação primária contida em diploma infra-legislativo devia ser tida como atentatória da aludida reserva contida no artigo 167º da Constituição.
A Comissão Constitucional, por seu turno, foi chamada a pronunciar-se sobre o específico âmbito da alínea m) do artigo 167º da Constituição, na sua redacção originária. Assim, no Parecer nº 11/79 (publicado nos Pareceres da Comissão Constitucional, 8º volume, pág. 55 e ss.) pode ler-se (pág. 70):
'Em o 'regime e âmbito da função pública' parece dever abranger-se a definição do sistema geral de categorias chamadas a integrar os quadros do funcionalismo público.
Tais categorias permitirão designadamente organizar as carreiras profissionais na administração e, para além de definirem objectivamente as tarefas correspondentes à satisfação de interesses permanentes dos serviços públicos, fornecerão a base para a fixação de direitos e deveres específicos dos funcionários ou agentes chamados a integrá-las (incluindo o direito a vencimentos).
Sob a alínea m) do artigo 167º da Constituição afigura-se que recairá ainda a definição das condições gerais de acesso à função pública, ou sejam, as condições gerais de recrutamento de funcionários e agentes do Estado.
Por outro lado, do confronto com várias outras disposições da Constituição (cf. designadamente os artigos 270º e 271º) parece também retirar-se que o 'regime e âmbito da função pública' visado na alínea m) do artigo 167º se reporta tanto à administração central do Estado como à administração pública local e regional.'
Este entendimento viria a ser retomado ainda pela mesma Comissão nos seus Pareceres nº 22/79 e nº 12/82 (publicados nos Pareceres da Comissão Constitucional, volumes 9º e 19º, págs. 39 e ss. e 113 e ss, respectivamente). Neste último pode ler-se a este propósito (pág. 120):
'(...)[O] objecto de tal regime [da alínea m)] pode dizer-se que abrange apenas o que é comum e geral a todos os funcionários e agentes, deixando-se implicitamente para o âmbito do poder legislativo e regulamentar do Governo quer o desenvolvimento de tais princípios quer a sua aplicação e adaptação aos sectores que exijam um regime particular específico, especial ou até excepcional.
Tende-se na praxis, assim, a interpretar a citada alínea m) no sentido de que esta apenas exige legislação de base ou de princípios fundamentais, como, aliás, de certo modo sugere a palavra 'regime' (por semelhança com a expressão
'regime político' ou constitucional), e não uma regulamentação esgotante. Sentido que, aliás, é exigido pela natureza próprio do objecto da matéria, pela sua extrema complexidade e pela constante mutação das soluções resultantes dos desenvolvimentos e descobertas da moderna ciência da administração, com as suas técnicas em permanente evolução. Tem-se dito - e ninguém contestará - que a chamada reforma administrativa não é algo de estático mas permanente. E se
'reforma administrativa' não é só 'função pública', não se duvida que também a abrange.
Sendo assim, confirma-se que o 'regime' referido na alínea m) tenha de ser algo que possa, pela sua geral e comum aplicação, permanecer, deixando a complementação, execução e particularização para quem naturalmente (do ponto de vista constitucional) em melhores condições está para esta tarefa de pormenor - o Governo, quer como órgão superior da administração, quer mesmo como órgão de condução da política geral do País [ cf. artigos 185º da Constituição, 201º, nº
1, alínea a) e c), e 202º, alíneas c), d) e e) ].'
Este entendimento viria a ser expressamente invocado pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos nºs 142/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1985) e 190/87 (publicado no Diário da República, I Série, de 2 de Julho de 1987), para efeitos de estabelecer uma continuidade entre a interpretação acolhida pela Comissão Constitucional e o texto decorrente da primeira revisão constitucional quanto às matérias da competência reservada da Assembleia da República.
Atentas as dificuldades apontadas pelos citados comentadores e à luz do referido entendimento restritivo formulado pela Comissão Constitucional, a necessidade de clarificar esta temática, por forma a evitar a possibilidade de uma gravosa debilitação do significado da própria reserva parlamentar à luz da redacção originária, esteve significativamente na base das alterações introduzidas na revisão constitucional de 1982, quer na vertente da destrinça entre 'reserva absoluta' e 'reserva relativa' de competência legislativa da Assembleia da República, quer na da consagração de um preceito como o do artigo
115º da Lei Fundamental (em especial os seus números 5, 6 e 7) [ cfr. debates parlamentares publicados no Diário da Assembleia da República, quanto à reserva parlamentar, II Série, 3º suplemento ao nº 38, pág. 796 (55-62), suplemento ao nº 44, pág. 904 (1-10), suplemento ao nº 64, pág. 1232 (100-106), suplemento ao nº 87, pág. 1618 (18-19), 2º suplemento ao nº 106, pág. 1998 (27-29), suplemento ao nº 136, pág. 2438 (3-8), 2º suplemento ao nº 137, pág. 2510 (50) e I Série, nºs 120, pág. 5039-5044, 124, pág. 5229-5230, e 130, pág. 5491 e quanto ao artigo 115º, II Série, suplemento ao nº 19, pág. 432 (23-26), suplemento ao nº
44, pág. 904 (25-28), 3º suplemento ao nº 64, pág. 1232 (97), suplemento ao nº
87, pág. 1618 (3), suplemento ao nº 114, pág. 2076 (6) e I Série, nº 115, pág.
4773 a 4778 ; sobre os limites da 'deslegalização' e dos 'reenvios' ou
'remissões normativas', veja-se ainda a anotação de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ao artigo 115º, na 3ª edição da mesma obra, Coimbra, 1993, pág.
512-513].
3. Chegados a este ponto importa reter que a recorrente imputa à transcrita alínea f), do artº 6º do citado Decreto Regulamentar um vício de inconstitucionalidade orgânica por este normativo erigir em requisito geral para a admissão a concurso e provimento a exigência de os candidatos possuírem as
'habilitações literárias ou técnico-profissionais legalmente exigidas para o desempenho das funções'. Ou seja, a recorrente entende que tal requisito não poderia ser primariamente formulado por um acto regulamentar, antes tendo que constar de uma lei ou decreto-lei autorizado. A não ser assim, sempre careceria o Governo de competência para exigir tal requisito em sede de exercício de poderes regulamentares, donde resultar violada a reserva parlamentar.
Conforme resulta da jurisprudência da Comissão Constitucional já citada, as matérias atinentes às condições gerais de acesso à função pública haverão de ter-se por compreendidas na reserva parlamentar tal como ela resultava da versão originária da Constituição, o que, sendo verdade para o ingresso na função pública propriamente dito, também o haverá de ser para as condições atinentes à progressão na carreira, bem como para as situações de transição de categorias profissionais decorrentes de reestruturações das carreiras ou dos serviços e organismos públicos (até pelas implicações de que se reveste face ao direito de acesso à função pública constante do artigo 47º da Constituição).
Resulta, pois, que a matéria sobre que versa o artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 68/80 deve ter-se por compreendida na reserva parlamentar constante da alínea m) do artigo 167º da Constituição na sua redacção originária.
Abordando questão paralela à que ora nos ocupa, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 25/83 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Abril de 1984 e no 1º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, pág. 121 e ss.) foi chamado a apreciar a conformidade constitucional de um Decreto Regulamentar onde se estabeleciam regras atinentes
à classificação de serviço (o Decreto Regulamentar nº 57/80, de 10 de Outubro), por força de um dispositivo do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, que remetia para diploma regulamentar o aludido sistema de classificação de serviço com base em alguns princípios norteadores constantes do próprio diploma legislativo.
Neste aresto escreveu-se:
'Haverá seguramente inconstitucionalidade se o decreto regulamentar em causa, inovando relativamente ao disposto no Decreto-Lei nº 191-C/79, invadir o domínio da reserva da lei, isto é, aquilo que dever ser considerado como sendo do 'regime e âmbito da função pública' [artigo 167º, alínea m) na redacção de
1976, que é o texto aplicável ao caso].'
Depois de analisar os preceitos do diploma sindicando, o Tribunal concluiu, com dois votos de vencido, que eles em nada inovavam face ao ordenamento jurídico pré-existente e, por isso, não se pronunciou pela sua inconstitucionalidade, por os considerar como mera execução do aludido Decreto-Lei nº 191-C/79.
A idêntica conclusão haverá que chegar desta feita quanto à norma ora impugnada, a da alínea f) do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 68/80, única de que importa aqui curar.
Com efeito, como se viu, a exigência de uma determinada habilitação literária ( o curso geral do ensino secundário ou equiparado) para admissão ao concurso respeitante à carreira em causa não constituía, em boa verdade, exigência primária do diploma regulamentar em apreço. Com efeito, tal exigência resulta directamente da lei, ou seja, do anexo I ao Decreto-Lei nº 466/79, de 7 de Dezembro, onde expressamente se determina que para a carreira de desenhador se exigia a habilitação literária do curso geral do ensino secundário ou equiparado.
Em face, pois, da regra do aludido anexo I, haverá de concluir que a norma em crise do Decreto Regulamentar se limita a acolher, em sede de execução, uma exigência que, no plano material ou substantivo, vem devida e completamente especificada no próprio acto legislativo. Embora tal exigência não conste expressamente de uma norma jurídica em sentido formal, pois que decorre do seu anexo como atrás já se referiu, tal não impede que se deva entender que o legislador governamental expressou inequivocamente, no exercício dos seus poderes legislativos, o requisito habilitacional que entendeu pertinente para as diversas categorias e carreiras elencadas naquele anexo, de tal forma adoptando o regime material aplicável à situação da recorrente.
Acresce que a redacção do preceito do Decreto Regulamentar (habilitações literárias legalmente exigidas) torna perfeitamente claro que ele em nada regula, no plano substantivo, a exigência de uma dada habilitação literária, porquanto esta deflui, desde logo, do próprio texto legislativo habilitador do Decreto Regulamentar, para o qual este, por seu turno, expressamente reenvia. Logo a decisão administrativa que atingiu a recorrente não resulta de qualquer vocação inovatória da norma em causa do Decreto Regulamentar nº 68/80, mas antes do diploma legal (o Decreto-Lei nº 466/79) de que este decreto regulamentar é, pelo menos na parte impugnada, norma de mera execução.
Daí não resultar violada a alínea m) do artigo 167º da Constituição, na sua redacção originária.
4. Pela mesma razão improcede o segundo dos alegados vícios invocados pela recorrente, o da violação do disposto no artigo 115º da Constituição, na redacção decorrente da revisão constitucional de 1982. Com efeito, como se escreveu no Acórdão nº 303/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1986 e no 6º volume dos Acórdãos do Tribunal Constoitucional, pág.
521 e ss.) 'o artigo 115º, nº 5, da CRP não é uma regra respeitante à competência e forma dos actos normativos, mas sim uma norma relativa ao conteúdo dos actos legislativos. Ela proíbe que os diplomas legislativos autorizem a sua revogação, modificação, interpretação ou integração, ou a suspensão da sua eficácia, por acto não legislativo, designadamente por via de regulamento. Uma norma legal que contrarie tal preceito será materialmente inconstitucional.'
Ora, assim sendo, contem-se no aludido preceito constitucional uma proibição de o legislador habilitar a administração a emanar regulamentos que interpretem autenticamente uma disposição legal, o que, como se viu, não é o caso vertente, pois a norma em crise reveste natureza meramente executiva, ao reenviar expressamente para a lei o preenchimento do critério substantivo da habilitação literária exigida para o preenchimento de certas categorias na função pública.
Sem embargo, a recorrente invoca o artigo 115º da Constituição enquanto parâmetro, por entender que o artigo 6º, alínea f), do Decreto Regulamentar nº
68/80, 'na interpretação e aplicação que lhe foi dispensada, colide, sem que para tanto disponha de credencial parlamentar, com o artigo 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho', o qual entende a recorrente ser aplicável à Administração Local.
O raciocínio desenvolvido pela recorrente assenta no facto de o Decreto-Lei nº 191-C/79 ser aplicável à Administração Local (artigo 1º, nº 3), aplicação essa que foi operada pelo Decreto-Lei nº 466/79, o qual não poderia colidir com os princípios gerais daquele outro. Ora, o artigo 25º do Decreto-Lei nº 191-C/79 dispunha que ' a aplicação do disposto no presente diploma não prejudicará em caso algum a situação que os funcionários inseridos em carreiras já detêm, salvaguardado o acesso à categoria de assessor, de acordo com o nº 2 do artigo 8º', regra esta reproduzida pelo nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº
466/79, cujo nº 2, por seu turno, acrescentava que 'aos funcionários providos em categoria que passe a integrar-se em carreira ou para a qual passem a ser exigidas novas qualificações são-lhe assegurados os direitos à carreira e à categoria'.
Deste encadeamento normativo a recorrente infere que a norma impugnada, ao estabelecer como requisito de admissão ao concurso em causa 'a habilitação literária legalmente exigida', não lhe garantiu o 'direito à carreira e à categoria' que lhe era reconhecido pelos dois aludidos Decretos-Lei.
Tal como a recorrente coloca a questão, parece-se, pois, que do que se trata é de uma eventual desconformidade entre uma norma regulamentar e uma norma de um diploma legislativo, matéria que, como reiteradamente o Tribunal Constitucional tem afirmado, não prefigura um vício de inconstitucionalidade mas antes uma situação de ilegalidade, a qual, embora comportando uma certa relevância constitucional, só indirectamente pode ser aferida face ao texto constitucional, aferição essa que está excluída do controlo deste Tribunal, pois são taxativos os casos de ilegalidade qualificada que a Constituição elenca no seu artigo 280º. Como, a este propósito, referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
(Constituição Anotada, cit., 3ª ed., pág. 1022) '(...)o controlo da legalidade a que procede o TC é apenas aquela que tem a ver com a garantia da legalidade reforçada e garantia da autonomia regional e dos seus limites (...); o TC não pode conhecer de outros fundamentos de ilegalidade das normas em causa, senão por violação do estatuto regional, das leis gerais da República, ou de leis com valor reforçado, conforme os casos. A fiscalização da ilegalidade em geral, fora dos casos assinalados, pertence aos demais tribunais, sem recurso para o TC'.
Acresce que, no caso, é mesmo duvidoso que o vício assim invocado pela recorrente pudesse ter-se como reportado à norma impugnada, a qual, como se viu, limita-se a reenviar para a lei em termos de definição das habilitações literárias exigidas para um dado concurso. Donde poder entender-se que o que estava em causa na decisão recorrida era, pelo contrário, a compatibilização entre duas regras do próprio Decreto-Lei, a que postula uma dada habilitação literária e a que garante o 'direito à carreira e à categoria', questão que só ao tribunal da causa cabe dirimir e em relação à qual a recorrente não imputou directamente qualquer vício de inconstitucionalidade.
Improcede, pois, a alegada violação do artigo 115º da Constituição.
5. Finalmente, a recorrente entende que a norma em crise viola o princípio da igualdade, constante do artigo 13º da Constituição, embora nas suas alegações não fundamente tal entendimento, limitando-se a escrever que tal princípio foi 'aliás, respeitado no artigo 36º, nº 2, b) do Decreto-Lei nº
294/76, de 24 de Agosto', diploma este referente aos denominados 'adidos', onde se pode ler que 'nas situações referidas no número anterior [comissão de serviço e requisição], os adidos (...) gozam no serviço utilizador de todas as regalias dos lugares que ocupam'.
Seja como for, resulta do conjunto das alegações da recorrente que, também nesta sede, o que está em causa é a forma de compaginar preceitos legais entre si, designadamente o que regula as condições de requisição e de integração
nos quadros dos serviços da administração pública dos funcionários que se encontrem no Quadro Geral de Adidos e o que regula as condições de transição nas categorias e carreiras objecto da reestruturação operada pelos Decretos-Leis nº
191-C/79 e 466/79, em especial no que concerne às garantias do 'direito à carreira e categoria'.
Mas, conforme já atrás se deixou dito, em tal cotejo não está presente nenhuma questão de constitucionalidade (nem as normas eventualmente em causa foram impugnadas pela recorrente), nem a ofensa do princípio da igualdade pode resultar de uma norma de mera execução, que estabelece como requisito de admissão a um concurso a detenção das habilitações literárias legalmente exigidas.
É que a eventualidade de a garantia do 'direito à carreira e à categoria' comportar, como consequência, que nos concursos em causa o provimento dos candidatos possa prescindir da efectiva detenção das habilitações literárias exigidas pela lei, tal consequência dependerá sempre da interpretação e compatibilização dos preceitos legais em causa do Decreto-Lei nº 466/79 e nunca da norma regulamentar que se limita a estabelecer como condição de admissão ao concurso a detenção daquelas habilitações literárias. E se se entender que tal garantia envolve a ilegitimidade desta exigência constante do Decreto Regulamentar, então o que poderá estar em causa, quando muito, é uma questão de ilegalidade do diploma regulamentar, a qual, como já se disse, está excluída de controlo por parte deste Tribunal.
Acresce que não se vislumbra que a norma impugnada viole o princípio da igualdade a qualquer outro título, pois que não constitui ofensa de tal princípio que a lei postule a exigência de certas habilitações literárias para o provimento em determinados lugares ou para efeitos de progressão na carreira.
Pelo que se conclui que a norma da alínea f), do artigo 6º, do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro, não se mostra desconforme com o artigo
13º da Constituição.
III
Termos em que se decide não julgar inconstitucional a norma da alínea f), do artigo 6º, do Decreto Regulamentar nº 68/80, de 4 de Novembro e consequentemente negar provimento ao recurso.
Lisboa, 2 de Março de 1994
António Vitorino
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Vítor Nunes de Almeida
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Luís Nunes de Almeida