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Processo n.º 536/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em conferência da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional de despachos proferidos pelo juiz do Tribunal Judicial de Lamego em acção com processo ordinário que corre nesse tribunal, requerendo desta forma:
[...]
vem, nos termos do art. 70° al. a), b) e c), 72° n.º 2 e 79°-C da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) – Lei nº 28/82 de 15 de Novembro – face ao disposto no art. 204° da Constituição da República Portuguesa (CRP), interpor Recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, nos termos do art. 78° n.º 4 da LTC.
Juntou ao requerimento uma alegação, em que conclui:
CONCLUSÕES:
I. Conforme resulta dos autos, o Recorrente, encetou inúmeras diligências junto de diversas Entidades competentes, para que lhe fosse nomeado um advogado que o representasse nos autos;
II. Não ignorava o Tribunal a quo, cfr. o constante de fls. 511 dos autos, e que estava a violar normas legais;
III. Ao não nomear um advogado que representasse o Recorrente, nomeadamente em sede de audiência de julgamento, não aplicando a norma consignada no n. ° 2 do art. 44° do CPC e a Inconstitucionalidade invocada, o tribunal a quo impediu o Recorrente de defender os seus direitos legalmente assegurados;
IV. O Tribunal a quo, ao recusar a nomeação de advogado a patrocinar o ora Recorrente, vedou-lhe o direito de exercer o seu direito de impugnar factos e, em particular, de arguir a falsidade do acto judicial conforme o consignado no art.º 551°-A do CPC, quanto à acta de fls. 569 e à resposta aos quesitos de fls. 564 e ss.;
V. O Tribunal a quo, ao recusar a nomeação de advogado para patrocinar o ora Recorrente, vedou-lhe o direito de exercer o seu direito de impugnar as declarações das testemunhas, violando os art.º 636°, 637º e o n.º 4 do art.º 638° do CPC;
VI. O Tribunal a quo violou o direito à Contradita ao Recorrente, consignada no n.º 4 do art.º 640º do CPC;
VII. Assim, o Tribunal a quo, ao não nomear de imediato advogado para patrocinar o ora Recorrente, logo que este invocou, pela primeira vez, que o não conseguia por si só, violou os seguintes normativos legais: art.º 8°, 9°, 10° do Código Civil, os arts. 3°-A e 44° n.º 2, 551°-A, 636°, 637° e o n.º 4 do 638°, todos do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos arts. 13°, 16°, 20°, n.º 2 do art.º 202° e 204° da Constituição da República Portuguesa;
VIII. Requerendo, por via disso, que seja declarada a Inconstitucionalidade dos despachos que negaram ao Recorrente a nomeação de advogado que o patrocinasse;
IX. E, em consequência, seja declarada a Inconstitucionalidade de todos os actos judiciais praticados após o primeiro despacho que negou tal pedido ao Recorrente após este ter invocado o facto de não conseguir quem o patrocinasse e
X. Seja ordenada, ao tribunal a quo, a repetição destes últimos, dado, agora (e apenas agora) o Recorrente ter conseguido advogado que o represente.
Assim se fazendo inteira e Justiça!
2. O requerimento foi, porém, indeferido, por despacho do seguinte teor:
Fls. 643 a 658:
Analisados os fundamentos que sustentam o recurso apresentado, conclui-se que não se integram em qualquer uma das situações susceptíveis de recurso para o Tribunal Constitucional e previstas no artigo 70.º da LTC.
Assim, por inadmissível, e ao abrigo do disposto no artigo 76.º n.º 2 da LTC, indefere-se o requerimento de interposição do recurso. [...]
Inconformado, A. reclamou, dizendo, em suma:
[...]
Pelo exposto e independentemente da decisão do tribunal que proferiu a decisão ora reclamada, o requerimento de Recurso deve ser admitido, atento o estatuído nos arts. 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, 7° e 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o consignado nos Acórdãos do TC – Ac. n.º 259/2000 do Tri. Const., de 2-5-2000, (cs Tc, 47°.-345. e DR. II, de 7-11-2000) e Ac. n.º 298/2005 do Tri. Const., de 7-6-2005: D, II, de 28-7-2005, pág. 10871, sob pena de violação de tais regras e jurisprudência, nomeadamente o princípio da Igualdade, da defesa de direitos e interesses do cidadão, do efectivo recurso ao Direito e aos Tribunais e o princípio do contraditório e do direito ao recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, se requer que seja o despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso revogado e, consequentemente, seja ordenada a subida do referido recurso, julgando-o procedente por provado e declarada a nulidade e Inconstitucionalidade de todos os actos judiciais praticados após o primeiro despacho que negou e/ou ignorou o direito dos Reclamantes a serem representados por advogado através da nomeação do mesmo pelo competente Órgão em tempo útil, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!
Foi ouvido o representante do Ministério Público neste Tribunal que se pronunciou no sentido do indeferimento da reclamação.
3. Cumpre apreciar a referida reclamação.
O artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) apresenta, na parte que interessa agora considerar, a seguinte redacção:
Artigo 70º
(Decisões de que pode recorrer-se)
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;
e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;
f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e);
g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional;
h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerido a sua apreciação ao Tribunal Constitucional;
i) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a que questão pelo Tribunal Constitucional.
2. .........
Retira-se do requerimento de interposição que o recurso foi interposto ao abrigo das alíneas a), b) e c) do referido artigo 70º n.º 1 da LTC, o que deveria significar – cotejada a redacção do preceito – que a decisão recorrida aplicou, ou desaplicou, normas inconstitucionais ou ilegais. Na verdade, em qualquer das hipóteses previstas nas mencionadas alíneas, o recurso deve obrigatoriamente apresentar natureza normativa, isto é, deve ter por objecto normas jurídicas. Por esta razão, o Tribunal tem insistido no entendimento de que, no domínio da fiscalização concreta, o recurso de inconstitucionalidade não constitui um meio processual legítimo para impugnar as próprias decisões jurisdicionais, ainda que com fundamento em violação da Constituição.
Ora, é patente que, ao contrário, o reclamante visa impugnar directamente as decisões recorridas, apontando como objecto do recurso 'os despachos que negaram ao recorrente a nomeação de advogado que o patrocinasse', requerendo a sua anulação, bem como a dos actos processuais entretanto praticados, ordenando-se a sua repetição, pedidos que manifestamente ultrapassam os poderes que a Constituição atribui ao Tribunal Constitucional, neste tipo de recursos.
Deve concluir-se, em suma, que o recurso não tem objecto idóneo e não pode, por isso, ser admitido.
4. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 20 de Outubro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.