Imprimir acórdão
Proc. nº 128/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - Por despacho de 11 de Outubro de 1991, do Presidente da Câmara Municipal de ---------------, foi aplicada a A. a coima de
45.000$00 por, em 20 de Novembro de 1989, ter procedido, na Vivenda
--------------, -------------, ---------------, a alterações ao nível do rés-do-chão e cave, sem que para o efeito se tivesse munido da respectiva licença camarária, o que constituía contra-ordenação, prevista no artigo 2º e punível pelo artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, com coima de 5.000$00 a 5.000.000$00.
O arguido impugnou judicialmente esta condenação, junto do Tribunal Judicial da comarca de --------------- que, por decisão de 17 de Janeiro de 1992, declarou extinto, por amnistia, o procedimento instaurado ao arguido, baseando-se para tanto na seguinte fundamentação:
'Conforme já foi decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão de 13.12.90 no processo de contra-ordenação que correu termos nesta secção em que é recorrente B., é inconstitucional a norma constante do corpo do art. 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção introduzida pelo DL 468/85, de 04.11, na parte em que comina coimas superiores a 200.000$00.
Por isso, o limite máximo da coima correspondente à contra-ordenação p. e p. pelo referido art. 162º do REGEU imputada nestes autos é de 200.000$00.
Assim, atenta a data da prática do facto ilícito e o disposto nos artigos 1º, dd) da Lei nº 23/91, de 04.07, e 126º do Código Penal, julgo extinto, por amnistia o procedimento criminal pela infracção imputada neste processo contra A.'.
*///*
2 - Em conformidade com o disposto nos artigos
280º, nºs 1, alínea a) e 3, da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, o Ministério Público trouxe os autos em recurso ao Tribunal Constitucional.
Nas alegações entretanto produzidas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, concluiu-se no sentido de se dever julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, a norma constante do artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de agosto de 1951), na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, na parte em que fixa em valor superior ao do regime geral o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente na execução de quaisquer obras em violação das disposições desse Regulamento, sem licença ou em desacordo com os seus termos ou com o projecto aprovado, confirmando-se, assim, na parte impugnada, a decisão recorrida.
O arguido não apresentou contralegação.
Corridos os vistos legais cabe apreciar e decidir.
*///*
II - A fundamentação
1 - Avaliando pela primeira vez a legitimidade constitucional da norma que aqui se questiona - artigo 162º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
463/85, de 4 de Novembro - este Tribunal, pelo seu Acórdão nº 324/90, Diário da República, II série, de 13 de Dezembro, proferido em processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, decidiu no sentido da sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição.
E na esteira dessa primeira decisão, firmou-se depois uma jurisprudência pacífica e uniforme reiteradora daquele julgamento inicial.
Neste interim, a coberto do disposto no artigo
281º, nº 3, da Constituição, na versão da revisão constitucional de 1989, o procurador-geral adjunto em exercício de funções no Tribunal Constitucional, requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma já julgada inconstitucional em três casos concretos, declaração essa que veio a ser produzida no Acórdão 329/92, Diário da República, I série-A, de 14 de Novembro de 1992, cuja parte decisória contém a seguinte formulação:
'Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 162º do RGEU, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
463/85, de 4 de Novembro, mas apenas no segmento em que estabelece, para as coimas nele previstas aplicadas a pessoas singulares um limite máximo superior ao fixado no regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 17º, nº n1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 17 de Outubro), por violação do artigo 168º, nº
1, alínea d), parte final, da Constituição'.
*///*
2 - Tem vindo a ser entendido na jurisprudência e na doutrina que a caracterização e densificação do conceito de força obrigatória geral está dependente de dois elementos. (1) vinculação, pelas sentenças declarativas da inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), de todos os órgãos constitucionais, de todos os tribunais e de todas as autoridades administrativas
(efeito de vinculação); (2) força de lei das decisões de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), o que implica o alargamento da obrigatoriedade das sentenças a todas as pessoas físicas e jurídicas (e não apenas aos poderes políticos) juridicamente afectados, nos seus direitos ou obrigações, pela norma declarada inconstitucional (ou ilegal) - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª. ed., pp. 535 e 536.
Deste modo, uma vez que foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma objecto de desaplicação na decisão recorrida não é já consentido, que este tribunal, proceda à avaliação da legitimidade constitucional da referida norma, pois que a vinculação a que também se acha sujeito perante a declaração com força obrigatória geral, lhe impõe a mera aplicação, no caso concreto, daquela sua anterior decisão.
*///*
III - A decisão
Nestes termos, fazendo aplicação ao caso concreto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nega-se provimento ao recurso e confirma-se na parte impugnada, a decisão recorrida.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa