Imprimir acórdão
Processo n.º 500/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O arguido A., notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Julho de 2009 – que rejeitou, por extemporâneo, o recurso que o mesmo havia interposto do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de 1.ª instância –, dele interpôs junto do Supremo Tribunal de Justiça recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando ocorrer oposição entre o acórdão recorrido e outro, que indica como fundamento.
Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de Maio de 2010, rejeitar o recurso, por considerar não verificada a contradição de julgados.
O arguido, notificado deste último acórdão, interpôs recurso de constitucionalidade em requerimento onde, além do mais, se lê:
A., Arguido e Recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do Acórdão proferido pelo STJ que rejeitou a apreciação do recurso interposto pelo Arguido, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70º, 75º e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (…), do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
(…) 1. O Presente recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Penal e do n.º 1 do art. 686º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15/07/2009, de acordo com o qual este tribunal considerou que a contagem do prazo para interposição de recurso em processo penal se inicia sempre na data em que o acórdão é depositado na secretaria do tribunal, não se suspendendo com a apresentação de requerimento de aclaração por parte do Arguido.
2. O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o referido acórdão não era recorrível e como tal não chegou a pronunciar-se sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada.
Por despacho do relator, de 2 de Junho de 2010, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça não admitir o recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido por considerar que o acórdão recorrido não chegou a aplicar os preceitos normativos que integram o respectivo objecto, na interpretação sindicada ou qualquer outra, pelo que não se verificava, no caso, o pressuposto processual imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
É contra este último despacho que o arguido deduz a presente reclamação, invocando, para tanto, em síntese, que, contrariamente ao que julgou o STJ, no despacho reclamado, não recorreu para o Tribunal Constitucional do «acórdão atinente à contradição de julgados» mas do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Julho de 2009, tal como vem referido logo no artigo 1º do seu requerimento de interposição de recurso.
O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação, com o fundamento por que foi rejeitado, pelo Tribunal recorrido, o recurso de constitucionalidade.
2. Cumpre apreciar e decidir.
2.1. É do seguinte teor o despacho contra o qual foi deduzida a presente reclamação:
A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão deste Supremo Tribunal que, por considerar não verificada a contradição de julgados, rejeitou o recurso.
No seu requerimento afirma que «o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o referido acórdão não era recorrível e como tal não chegou a pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade suscitada» Ou seja, o requerente reconhece que na decisão de que ora recorre, o Supremo Tribunal de Justiça não se chegou a pronunciar sobre a questão que, na sua óptica, numa das interpretações será violadora de preceitos constitucionais.
Ora, não tendo o Supremo que se pronunciar sobre essa questão por na análise preliminar ter julgado não verificados os pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência, não aplicou, em concreto, preceito que seja violador da Constituição.
Deste modo e porque não se verifica a hipótese da al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não admito o recurso, indeferindo o requerimento de fls. 142.
Notifique.
Confrontado com a rejeição do recurso de constitucionalidade determinada pelo despacho que antecede, ora reclamado, esclarece o reclamante que, «tal como vem referido logo no artigo 1.º do [seu] requerimento de interposição de recurso (…), «o recurso que se pretende interpor visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do n.º 1 do art. 380.º do Código de Processo Penal e do n.º 1 do artigo 686.º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15/07/2009, de acordo com o qual este tribunal considerou que a contagem do prazo para interposição de recurso em processo penal se inicia sempre na data em que o acórdão é depositado na secretaria do tribunal, não se suspendendo com a apresentação de requerimento de aclaração por parte do Arguido».
Como o Tribunal Constitucional tem reiterado, recai sobre o recorrente o ónus de indicar, com clareza, no requerimento de interposição do recurso, qual a decisão judicial que pretende impugnar junto do Tribunal Constitucional.
Ora, se é verdade que no intróito do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade apresentado em juízo pelo ora reclamante se indica, como decisão recorrida, o «Acórdão proferido pelo STJ que rejeitou a apreciação do recurso [de uniformização de jurisprudência] interposto pelo Arguido» – o que terá justificado a «leitura» que dele fez a decisão reclamada –, também decorre do mesmo requerimento, com suficiente grau de clareza, que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é a adoptada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15 de Julho de 2009.
Com efeito, como sublinha o reclamante, logo no artigo 1º do articulado do mesmo requerimento especificou que o recurso visava a «fiscalização concreta da constitucionalidade do n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Penal e do n.º 1 do art. 686.º do Código de Processo Civil , na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15/07/2009, de acordo com o qual este tribunal considerou que a contagem do prazo para interposição de recurso em processo penal se inicia sempre na data em que o acórdão é depositado na secretaria do tribunal, não se suspendendo com a apresentação de requerimento de aclaração por parte do Arguido».
E, no artigo subsequente, expressamente referiu que o Supremo Tribunal de Justiça considerou tal acórdão irrecorrível e, por isso, não se chegou a pronunciar sobre tal questão de inconstitucionalidade.
Ora, pese embora alguma inadequação na forma de expressão, é, na substância, apreensível o propósito, aliás tempestivo (artigo 70.º, n.º 6, da LTC), de impugnar o acórdão que, nos dizeres do recorrente, adoptou a interpretação normativa reputada de inconstitucional, pelo que, também à luz de uma ideia constitucionalmente relevante de favor actionis (artigo 20.º da CRP), se julga, no caso, cabalmente cumprido, por referência ao mesmo acórdão, o ónus legalmente imposto de identificação da decisão judicial recorrida.
Assim sendo, é por referência ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Julho de 2009, que se deve aferir da verificação dos pressupostos processuais de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
E, sob este novo enfoque, há que reconhecer que efectivamente houve lugar à aplicação, pelo acórdão recorrido, da interpretação normativa sindicada, como imposto pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e sustentado pelo reclamante.
2.2. Porém, visando o incidente de reclamação aferir da recorribilidade de dada decisão judicial e não da bondade dos fundamentos por que foi rejeitado, pelo tribunal reclamado, o recurso dela interposto (artigo 77.º, n.º 4 da LTC), cumpre agora verificar se estão reunidos todas as condições de procedibilidade do recurso de constitucionalidade que o ora reclamante pretende ver admitido, designadamente no que concerne à observância, pelo recorrente, do ónus de suscitação imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC.
Sustenta o reclamante, neste particular, que a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada por este Tribunal Constitucional «foi tempestivamente arguida quer em sede de Reclamação para a Conferência do Tribunal da Relação de Évora, quer no recurso não admitido interposto para o Supremo Tribunal de Justiça».
E, compulsados os autos remetidos a este Tribunal, na sequência do despacho de fls. 10, efectivamente se comprova o alegado pelo reclamante.
Na verdade, o arguido, notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que rejeitou, por intempestivo, o recurso que havia interposto da decisão de 1.ª instância para esse Tribunal, deduziu «reclamação para a conferência» e, logo a seguir, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2760 e 2779 dos autos principais), que veio a ser rejeitado (fls. 2813), suscitando em ambas as peças processuais, entre outras, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada no recurso de constitucionalidade ora interposto.
Sucede que, tendo o recorrente interposto recurso de constitucionalidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Julho, como invocado, com sucesso, na presente reclamação, era antes e não depois da sua prolação que deveria ter suscitado tal questão, designadamente no próprio requerimento de interposição de recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, o que não fez.
Com efeito, e como tem sido sublinhado, de forma reiterada e uniforme, pela jurisprudência constitucional, a exigência de suscitação da inconstitucionalidade «durante o processo», funcionalmente entendida, apenas se tem por satisfeita com a invocação da questão de inconstitucionalidade, pelo recorrente, em momento processual em que seja ainda possível e exigível ao tribunal recorrido dela conhecer, por não estar esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria.
E o momento oportuno para suscitar questão de inconstitucionalidade atinente às próprias regras de admissão do recurso, no que se reporta à sua tempestividade, ou de dada interpretação normativa que delas se possa razoavelmente extrair, é o próprio requerimento de interposição de recurso, por ser previsível e expectável que o tribunal de recurso, a quem compete preliminarmente aferir da verificação dos pressupostos processuais do recurso, as venha a aplicar.
Só assim não será, como também tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, se estiver em causa decisão de conteúdo insólito ou imprevisível, por se considerar não ser, em tais casos, exigível ao recorrente a suscitação de questões de constitucionalidade atinentes a preceitos ou interpretações normativas cuja aplicação ou adopção não era de todo previsível.
Não é, porém, o caso, atenta a natureza da matéria (objecto de jurisprudência divergente) e o comportamento processual do arguido, ora recorrente, que sabia ter interposto recurso da decisão da 1.ª instância em prazo cujo início reportou à dada da notificação da decisão que julgou o seu pedido de aclaração e não à data do depósito daquela decisão, sendo-lhe, pois, exigível, em tal contexto processual, antecipar a questão de inconstitucionalidade, que só tardiamente suscitou, de modo a permitir ao Tribunal recorrido, a quem competia aferir da tempestividade do recurso, tomar sobre a mesma posição.
Não o tendo feito, como lhe competia, não deve o presente recurso de constitucionalidade ser admitido, por inobservância de um tal ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Impõe-se, pois, com tal fundamento, o indeferimento da presente reclamação.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2010.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.