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Processo n.º 270/10
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 1 a 10) para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pelo Relator junto da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 11 de Março de 2010 (fls. 71), nos termos do qual foi decidida a não admissão de recurso de constitucionalidade, para efeitos de apreciação de interpretação normativa extraída dos artigos 169º, n.º 2, e 170º, n.º 4, ambos do Código da Estrada por alegada violação dos artigos 27º, 29º, 32º e 202º da Constituição da República Portuguesa.
2. O despacho reclamado recusou a admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na intempestividade do recurso (cfr. artigo 75º da LTC). De acordo com o despacho reclamado, são relevantes os seguintes factos relativos à tramitação processual:
i) O recurso para apreciação da constitucionalidade foi interposto em 08 de Março de 2010 (fls. 69 e 70);
ii) O acórdão recorrido, que julgou do mérito foi proferido em 15 de Outubro de 2009 (fls. 20 a 32), tendo sido notificado ao ora reclamante por carta registada em 19 de Outubro de 2009 (fls. 36);
iii) Em 30 de Outubro de 2009, o ora reclamante requereu a aclaração do acórdão (fls. 38 e 39);
iv) O acórdão que decidiu sobre o pedido de aclaração foi proferido em 19 de Novembro de 2009 (fls. 45), tendo sido notificado ao ora reclamante por carta registada em 23 de Novembro de 2009 (fls. 48);
v) Em 16 de Dezembro de 2009, o ora reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 49 a 63);
vii) Por despacho proferido em 18 de Fevereiro de 2010, o Relator junto do Tribunal da Relação de Évora rejeitou a admissão do recurso, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, por força do artigo 75º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (fls. 266), tendo sido notificado ao ora reclamante por carta registada em 19 de Fevereiro de 2010 (fls. 69).
Ora, atento a estes dados, entendeu o despacho recorrido que o prazo de dez dias já teria expirado, “considerando a data de notificação do acórdão aclaratório de fls. 244, ou seja, o 3º dia útil posterior a 23.11.09 (cfr. p. 247)”.
3. Apesar de a dirigir, indevidamente, ao Presidente do Tribunal Constitucional, o reclamante deduz reclamação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 76º da LTC, sendo estes os termos da reclamação, que ora se resume:
«(…).
II. Enquadramento e fundamentação
7 O ora reclamante é Arguido no âmbito do processo que corre termos no Tribunal da Relação de Évora, sob o n.º de processo 936/06.5TBPTG.E1.
8 Porquanto, ao mesmo, foi aplicada, nos termos da decisão proferida em 29.06.2006 pela Direcção Geral de Viação — Delegação de Viação de Portalegre — sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, por alegadamente haver conduzido veículo automóvel de passageiros, à velocidade, de pelo menos 140 Km/h, correspondente à velocidade registada em radar
9 Discordando dos termos da imputação da alegada contra-ordenação, o Arguido impugnou judicialmente tal decisão, apresentando em tempo o respectivo recurso contra-ordenacional dirigido ao Tribunal Judicial de Portalegre.
10 Que, por sentença de 16.04.2009, decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação apresentada pelo Arguido da decisão administrativa de inibição de conduzir pelo período de 60 dias e em consequência determinar a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi aplicada (60 dias), pelo período de 14 meses, condicionada à prestação de caução de boa conduta no montante de € 2.000, no prazo de 10 dias, após o trânsito da decisão recorrida.
11 Não obstante esta sentença apresentar um sentido mais favorável, o Arguido entendeu que no julgamento da matéria de facto e de direito, levada a cabo pelo Tribunal Judicial de Portalegre existiam diversos vícios, erros e desvios,
12 Além de que, no seu entender, haviam sido aplicadas normas inconstitucionais.
13 Pelo que, apresentou em tempo, e nos termos legais, as respectivas alegações de recurso, dirigidas ao Tribunal da Relação de Évora.
14 Que em conferência, proferiu o Acórdão de 15.10.2009, que decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo Arguido, mantendo integralmente a sentença recorrida.
15 Tendo sido a mesma notificada em 20.10.2009, ao Arguido.
16 Subsistindo dúvidas e obscuridades em várias passagens do referido Acórdão, e estando o mesmo em tempo, o Arguido apresentou, nos termos legais o respectivo requerimento de aclaração de sentença.
17 A que correspondeu o Despacho de Aclaração de sentença de 19.11.2009, notificado, nos termos legais ao Arguido, em 24.11.2009.
18 Estando ainda em tempo — e decorrente da suspensão operada por via do requerimento de aclaração de sentença — e não se conformando quer com o Acórdão, quer da respectiva aclaração proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora,
19 O Arguido apresentou junto do Supremo Tribunal de Justiça, as respectivas alegações de recurso, em tempo e nos termos legais.
20 Não tendo sido no entanto, admitidas pelo Tribunal da Relação de Évora, por considerar o recurso inadmissível, conforme resulta de despacho de 18.02.2010, cuja notificação ao Arguido ocorreu em 22.02.2010.
21 Subsistindo diversas inconstitucionalidades, e estando ainda em tempo, o Arguido apresentou por fim, junto do Tribunal da Relação de Évora o respectivo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
22 Requerimento esse, indeferido por aquele tribunal, por despacho de 11.03.2010,
23 Porquanto entendeu que “mesmo considerando a data de notificação do acórdão aclaratório de fls. 244, ou seja o 3° dia útil posterior a 23. 11.09 (cf. fls 247), há muito que decorreu o prazo de 10 dias estabelecido no n°1 do artigo 75° da Lei 28/82 de 15.11 (L. T. C.) para interposição de recurso para o T. Constitucional”.
24 O entendimento levado a cabo pelo Tribunal da Relação de Évora — intempestividade do requerimento de recurso — não encontra qualquer substância legal.
25 Isto porque, conforme dispõe expressamente o n°2 do artigo 75° da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (“Lei do Tribunal Constitucional”) “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso” (sublinhado nosso).
26 Ora, no caso em análise, a decisão que não admitiu recurso — nomeadamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — foi a que resultou do despacho de não admissão de recurso de 18.02.2010.
27 Pelo que, tendo sido o Arguido notificado de tal decisão, em 22.02.2010, é a partir desta data somente que deve ser contado o prazo de 10 dias de apresentação de requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional a que alude o n°1 do artigo 75° n°1 da Lei do Tribunal Constitucional.
28 E não, conforme erradamente faz o Tribunal da Relação de Évora, da data de notificação ao Arguido do Acórdão aclaratório de 23.11.2009.
29 Pois, só naquela data — 22.02.2010 — a decisão de não admissão de recurso se tornou definitiva.
30 E comunicada e notificada ao Arguido.
31 No sentido desse entendimento, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 29.09.1992 (processo n.º 92-0165 in www.dgsi.pt): “o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torne definitiva a decisão que não admite recurso”.
32 E mais recentemente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2003 (processo n.º 03P372 in www.tribunalconstitucional.pt) onde se refere que “não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que (...) rejeite, ainda que por razões processuais, o recurso interposto da correspondente decisão do tribunal de 1ª instância. Todavia, esse obstáculo não impedirá a ora recorrente (que, no seu recurso para o STJ, esgrimiu razões de natureza essencialmente constitucional) de recorrer agora para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação que, com fundamentos formais de discutível constitucionalidade, rejeitou liminarmente o recurso para ele interposto. E isso porque, «interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do memento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso (artigo 75º.2 do LTC)” (sublinhado nosso).
33 A não assumpção deste entendimento representaria, uma injustificada limitação do direito de defesa do arguido, nos termos do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
34 Porquanto este ver-se-ia obrigado a apresentar requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, antes de saber, qual o acolhimento/admissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
35 O que representaria face à questão da inconstitucionalidade uma utilização abusiva dos meios judiciais.
36 Pois, para a mesma questão, seriam chamados a decidir dois tribunais superiores, ainda que com competências e âmbitos diferenciados.
37 Além de ser contrário ao principio da exaustão.
38 Que, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.1994 (processo nº 085200 in www.dgsi.pt) “induz a que deva ser primeiramente esgotada a série de recurso ordinários da ordem judiciária em que o processo se encontram antes de se apresentar o caso ao tribunal Constitucional. Isto permitirá, antes de mais, que os Tribunais Superiores se pronunciem sobre as questões da inconstitucionalidade como lhes cumpre fazê-lo, permitindo uma maior «filtragem» nessas questões a levar aqueloutro Tribunal. Assim, só caberá recurso para o Tribunal Constitucional a partir do momento em que não houver lugar a recurso ordinário”. (sublinhado nosso).
39 Pelo que, não pois senão prevalecer o entendimento do Arguido.» (fls. 12 a 16)
4. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
«1. O reclamante A., interpôs recurso para a Relação de Évora da sentença proferida no Tribunal Judicial de Portalegre que, apreciando um recurso de impugnação judicial de decisão proferida pela Direcção-Geral de Viação de Portalegre, proferida em processo de contra-ordenação, que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de conduzir, o julgou parcialmente procedente.
2. Como a Relação, por Acórdão de 15 de Outubro de 2009, negou provimento ao recurso, o reclamante, após ver indeferido, em 19 de Novembro de 2009, um pedido de aclaração, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por despacho de 19 de Fevereiro de 2010, não foi admitido.
3. Em 9 de Março de 2010 vem então o reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação (de 15 de Outubro de 2009), recurso que não foi admitido porque interposto para lá do prazo legal de 10 dias, contados da notificação do acórdão aclaratório
4. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, entendendo o reclamante que, por força da aplicação do disposto no artigo 75.º, n.º 2, da LTC, o prazo de interposição do recurso se deveria contar desde a notificação da decisão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e que, dessa forma, o recurso havia sido interposto dentro do prazo.
5. Portanto, haverá que apurar a partir de quando, no caso dos autos, se deve começar a contar o prazo.
6. O artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, estabelece de forma expressa, clara e inequívoca que, em matéria contra-ordenacional, de decisões proferidas em 2.ª instância, não cabe recurso.
Portanto, o reclamante quando recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, fê-lo contra lei expressa, sabendo, ou devendo saber, obviamente, que esse recurso não iria ser admitido.
7. O n.º 2 do artigo 75.º da LTC dispõe que, interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional se conta do momento que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.
8. Será que tal preceito se aplica no caso-
9. Em nossa opinião a nossa resposta é negativa.
10. Na verdade, tal preceito tem de se conjugar com o estabelecido no n.º 2 do artigo 70.º, da LTC.
Ora, aí, fala-se de decisões que não admitem recurso ordinário “por a lei o não prever”.
Ou seja, como no caso dos autos, a lei não só não prevê como expressamente consagra a não recorribilidade do acórdão da Relação, o esgotamento dos recursos ordinários consumiu-se com a prolação daquele Acórdão, eventualmente completado com o que posteriormente indeferiu o pedido de aclaração.
11. Por outro lado, recorrer de uma decisão que por força de lei expressa, clara e inequívoca, não admite recurso, consubstancia a utilização, por parte do recorrente, de um meio processual, no mínimo anómalo, não tendo sentido que ainda possa aproveitar de um tal comportamento processual.
12. A utilização de meios processuais anómalos ou inexistentes, não pode ter a virtualidade de interromper o prazo de interposição do recurso para este Tribunal (Acórdãos n.ºs 463/2007 e 195/2009).
13. Assim, contando o prazo de notificação do acórdão que indeferiu o pedido de aclaração, constata-se que, efectivamente, o recurso foi interposto muito para além do prazo de dez dias fixado no artigo 75.º, n.º 1 da LTC.
14. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 77 a 79)
5. Face à invocação de novo fundamento que poderia obstar ao conhecimento do objecto do recurso, a Relatora proferiu o seguinte despacho:
“Nos termos do artigo 704º, nº 1, CPC, aplicável ex vi artigo 69º LTC, notifique-se o reclamante para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 (dez) dias sobre a possibilidade de indeferimento por carácter manifestamente abusivo de utilização de meio processual legalmente inexistente e ainda não suscitação da questão de inconstitucionalidade do artigo 169º C.E. e suscitação manifestamente infundada de inconstitucionalidade do artigo 179º C.E.”
Na sequência do referido convite, o reclamante veio pronunciar-se no seguinte sentido, que ora se sintetiza:
«I. Da possibilidade de indeferimento por carácter manifestamente abusivo da utilização de meio processual legalmente inexistente
(…)
1 Nos termos desse processo – e após esgotadas outras vias, nomeadamente o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – o reclamante apresentou o respectivo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
2 Por entender que, na apreciação jurídica levada a cabo pelo Tribunal da Relação – Tribunal a quo – subsistiam diversas inconstitucionalidades que cumpria averiguar, nomeadamente pelas instâncias superiores.
3 Esse requerimento veio a ser rejeitado – de forma infundada e ilegítima – pelo Tribunal da Relação de Évora porquanto entendeu que “mesmo considerando a data de notificação do acórdão aclaratório de fls. 244, ou seja o 3º dia útil posterior a 23.11.09 (cf. fls. 247), há muito que decorreu o prazo de 10 dias estabelecido no n.º1 do artigo 75º da Lei 28/82 de 15.11 (L.T.C.) para interposição de recurso para o T. Constitucional”.
4 Ora, conforme se indicou em sede de reclamação para esse douto tribunal, este entendimento levado a cabo pelo Tribunal da Relação de Évora – intempestividade do requerimento de recurso – não encontra qualquer substância legal, isto porque, conforme dispõe expressamente o n.º2 do artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização da jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso”.
5 A apresentação da referida reclamação visa permitir ao reclamante obter para o seu caso uma decisão justa e coerente em plena conformidade com os padrões constitucionais e legais em vigor à data da prática dos factos.
6 Na apresentação da referida reclamação – cuja possibilidade de indeferimento por carácter manifestamente abusivo da utilização de meio processual legalmente inexistente se indica – o reclamante não se limitou a indicar sucintamente os seus argumentos, conforme parece decorrer do Despacho.
7 Mas ao invés, a apresentar argumentação fundamentada nas normas legais aplicáveis, especialmente o n.º 2 do artigo 75º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro.
8 E ainda sustentada em jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça.
9 A argumentação do ora reclamante assentou sobretudo na ideia melhor descrita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.1994 (processo n.º 085200 in www.dgsi.pt) de que deve ser “primeiramente esgotada a série de recursos ordinários da ordem judiciária em que o processo se encontram antes de se apresentar o caso ao Tribunal Constitucional” pois conforme adianta “isto permitirá, antes de mais, que os Tribunais Superiores se pronunciem sobre as questões da inconstitucionalidade como lhes cumpre fazê-lo, permitindo uma maior «filtragem» nessas questões a levar aqueloutro Tribunal. Assim, só caberá recurso para o Tribunal Constitucional a partir do momento em que não houver lugar a recurso ordinário” (sublinhado nosso).
10 Caminho este necessário à concretização dos direitos de defesa do arguido, em especial aqueles que têm consagração constitucional no n.º1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
11 Atentas as razões acima expostas – e sobretudo o facto de ser uma matéria com consagração legal e tratamento jurisprudencial – não compreende o ora reclamante a “possibilidade de indeferimento por carácter manifestamente abusivo da utilização dos meios processuais legalmente inexistente” a que alude o despacho desse douto Tribunal.
12 Possibilidade essa que a verificar-se – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – não se encontra minimamente fundamentada ou alicerçada em qualquer argumento.
13 O que limita e restringe a amplitude da presente pronúncia.
14 Na medida em que, não sabe o reclamante em que argumento/argumentos se sustenta tal “possibilidade” referida no despacho.
15 Em ordem do exposto acima, requer-se a esse Venerando Tribunal que dê provimento à presente reclamação sendo consequentemente revogado o Despacho que não admitiu o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional.
II. Da não suscitação da questão da inconstitucionalidade do artigo 169º do Código da Estrada e suscitação manifestamente infundada de inconstitucionalidade do artigo 179º do Código da Estrada
16 Refere ainda o Despacho, que, o ora reclamante alegadamente não suscitou a inconstitucionalidade do artigo 169º do Código da Estrada e suscitou de modo manifestamente infundado a inconstitucionalidade do artigo 179º do Código da Estrada.
17 Também neste ponto não estamos de acordo com esse Venerando Tribunal.
18 Vejamos separadamente cada uma das questões.
19 Relativamente ao primeiro ponto – não referência à inconstitucionalidade do artigo 169º do Código da Estrada – cremos que não assiste razão.
20 Pois, conforme decorre dos diversos requerimentos apresentados no âmbito deste processo sempre foi suscitado pelo ora reclamante – de modo constante e coerente – a questão da inconstitucionalidade do artigo 169º, especificamente do n.º2 deste preceito.
21 São prova disso: (i) as alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Évora apresentadas junto do Tribunal Judicial de Portalegre em 28.04.2009; (ii) as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apresentadas junto do Tribunal da Relação de Évora em 17.12.2009; (iii) o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora de 09.03.2010.
22 Onde concretamente se alegou – e cumpre para este efeito repetir – a inconstitucionalidade da norma do n.º2 do artigo 169º do Código da Estrada, porquanto a mesma viola os artigos 27º,29º,32º e 202º da Constituição da República Portuguesa.
23 Essencialmente porque, aquela norma atribui a competência para aplicação de coimas e sanções acessórias correspondentes às contra-ordenações graves, ao director-geral de Viação, que poderá delegá-la nos directores regionais de viação (actualmente Presidente da Autoridade Nacional Rodoviária) e conforme têm decidido os tribunais – em especial o próprio Tribunal Constitucional – a competência para a aplicação de sanção acessória de inibição de conduzir cabe exclusivamente aos Tribunais.
24 Pelo que não pode proceder este entendimento subjacente ao Despacho.
25 Relativamente ao segundo ponto invocado – suscitação manifestamente infundada de inconstitucionalidade do artigo 179º do Código da Estrada – também cremos que não assiste razão.
26 Desde logo porque contrariamente ao indicado, a norma cuja inconstitucionalidade se invoca não é do artigo 179º do Código da Estrada.
27 Mas ao invés, o artigo 174º n.º3 e 4º do Código da Estrada.
28 Depois porque, ainda que se referisse a estes últimos artigos, a sua suscitação nunca poderia ser manifestamente infundada.
29 Pois, conforme já se referiu anteriormente no âmbito do referido processo, houve já diversa jurisprudência constitucional no sentido da inconstitucionalidade daquela norma.
30 Porquanto – repita-se – considerou-se que seria irrazoável e desproporcionado – e logo inconstitucional – conferir valor probatório reforçado a elementos colhidos por aparelhos cujo regime de utilização não permitir contraditar a credibilidade dos elementos colhidos, tornando assim praticamente inexistente as garantias de defesa.
31 Esta uma questão que não foi ainda objecto de decisão definitiva.
32 Donde não pode resultar da invocação da inconstitucionalidade daquela norma uma argumentação manifestamente infundada.»
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
6. Tendo sido recusada a admissão do recurso interposto, importa verificar se assiste razão ao reclamante quando afirma que, tendo interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por sua vez, foi rejeitado por inadmissibilidade legal, deveria beneficiar do artigo 75º, n.º 2, in fine, da LTC, que determina que “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso”.
O reclamante, na sequência da decisão do Tribunal da Relação de Évora, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso contra lei expressa que manifestamente não podia ser admitido). Só então interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Como se afirmou no Acórdão n.º 278/2005, “verifica-se assim que o reclamante lançou mão de expedientes processuais que não têm qualquer fundamento legal, absolutamente alheios a uma estratégia processual minimamente atenta às respectivas disposições legais. Os sucessivos requerimentos do reclamante não têm a virtualidade de suspender o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade. Caso contrário, estava encontrado o meio de alargar de modo inadmissível e infundado tal prazo. Realce-se, por último, que a situação dos autos não se enquadra no disposto no nº 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, tal disposição reporta-se a mecanismos de impugnação cuja admissibilidade ainda pode ter alguma verosimilhança. No caso dos autos, a inadmissibilidade da reclamação para a conferência e do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é expressa (e, repete-se, não foi questionada na perspectiva da constitucionalidade, pelo que não podem “ter seguimento” por não estarem legalmente previstos (e não “por razões de ordem processual”). O recurso de constitucionalidade interposto é, portanto, intempestivo, pelo que a presente reclamação será indeferida.”
Ora, no caso em apreço, é isso que sucede. É manifestamente abusiva a utilização do meio processual em causa. Com efeito, o artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, determina expressamente que as decisões sobre matéria contra-ordenacional, proferidas em segunda instância, não são passíveis de recurso. Como tal, torna-se evidente que o recurso ordinário interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de Dezembro de 2009, constituiu meio processual anómalo.
Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento das demais questões.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 1 de Julho de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão